Figura 1: Anunciação de Leonardo da Vinci
Os jovens universitários procuraram-me em casa. Estavam em uma tradicional Universidade Mineira e necessitavam apresentar um trabalho sobre o Espiritismo.
- O Livro dos Espíritos é uma boa referência? Perguntou um rapaz.
- Que tal apresentar a escala espírita? Afirmou outro.
- De onde vem o Espiritismo? Perguntou um terceiro.
- Você poderia assistir nossa apresentação? O professor não quer que apenas convidemos um especialista porque os grupos têm por costume não estudar o tema.
Concordei com tudo. Geralmente apresento alguns vídeos e programas sobre mediunidade. Os fenômenos têm seu papel no meio acadêmico, mas desta vez me foi negada a oportunidade.
A leitura de “O Livro dos Espíritos” foi meio rápida, para não dizer sumaríssima. O grupo parece ter lido exclusivamente a escala espírita (possivelmente, apenas as questões 101 a 113), abandonando toda a discussão de Kardec sobre a origem e natureza dos espíritos.
Para a aula ficar mais descontraída, resolveram fazer um teatro. O tema: mesas girantes. Um dos rapazes entrou sobre uma mesinha pequena, mal coberta por uma toalha branca, e a fazia movimentar-se. Gargalhada geral. Era-lhe impossível ocultar os pés e a assistência se divertia com seu jeito desajeitado. Ninguém percebeu o quanto seria difícil fraudar este tipo de fenômeno grosseiramente. Comecei a perceber o que é um preconceito cultural. Sem que ninguém conhecesse uma página sequer da Doutrina Espírita, o Espiritismo já estava condenado.
Posteriormente, após um histórico frágil e banal, apresentou-se a escala espírita. Mais uma surpresa! No texto, Kardec faz comparações entre as classes de espíritos que ele observou e os mitos cristãos medievais e da antiguidade. Kardec cita anjos, arcanjos, serafins, diabretes, bons gênios, duendes, trasgos, gnomos, etc. Qualquer pessoa minimamente racional que houvesse lido as duas primeiras partes do livro entenderia que o autor fez metáforas, que Kardec buscou nas crenças populares evidências culturais da manifestação dos espíritos, mas que em momento algum defendeu a existência real destes mitos, da forma que são contados às pessoas. Os universitários foram incapazes de percebê-lo. Apresentavam as classes e ordens de espíritos com uma risadinha irônica, própria de quem deseja ser sarcástico mas não tem coragem de fazê-lo abertamente.
Em princípio pensei em desmascarar a fragilidade do trabalho, apontando os equívocos grosseiros, mas calei-me. O professor de cultura religiosa não parecia ter o mínimo conhecimento espírita (o que é ainda pior), foi incapaz de cumprir com seu ofício e adverti-los. Sequer pareceu-lhe estranho o que diziam e nem passou por sua mente questionar-me. Era uma espécie de conluio silencioso. Eu fiquei com um sorriso amarelo, um pouco pasmo, ante o desrespeito e a ignorância. Não sei se agi certo, mas calei-me. E passados os anos continuo a perguntar-me como pode uma aula em uma instituição de ensino superior tornar-se um simulacro?