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9.11.21

O ESPIRITISMO, O ANTIGO TESTAMENTO E OS ARQUÉTIPOS DE JUNG

Moisés de Michelângelo


Jáder Sampaio


Desde Allan Kardec os espíritas estudam os textos bíblicos, com uma atitude diferente da dos cristãos que a entendem como a “palavra de Deus”, literalmente. Kardec recomenda que se estude a história para uma melhor compreensão do contexto das narrativas e ensinamentos evangélicos na introdução de seu “O evangelho segundo o espiritismo”. Embora pouco tratado, o antigo testamento parte de uma compreensão de um texto e uma religião voltada às mentalidades de sua época, que necessitavam de práticas exteriores, como os sacrifícios, para impressionar a mente da população de então.

Kardec, no capítulo I de “O evangelho segundo o espiritismo”, transcreveu uma mensagem ditada por ‘um espírito israelita”, que vê no antigo testamento o “gérmen da mais ampla moral cristã”, mas comentada de forma restrita, porque senão não teria sido compreendida. Ele explica da seguinte forma:

“Era-lhes necessária uma representação semimaterial, qual a que apresentava então a religião hebraica. Os holocaustos lhes falavam aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao espírito. ” (Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo, cap 11, item 9)

Na Revista Espírita de 1860, Allan Kardec debate uma questão proposta por um leitor, que entende que os textos das escrituras deveriam ser aceitos como verdades, e pede explicações sobre o caso de Adão não ser visto pelo espiritismo como o primeiro homem da humanidade.

Kardec fala o que hoje entendemos claramente: diversas afirmações que se encontram na Bíblia foram provadas ser falsas, como Josué parando o sol, o mundo criado há apenas 4.000 anos, em apenas seis dias. Ele considera essas explicações como “linguagem figurada”, para a qual é necessária uma interpretação, e que até os teólogos da igreja “se renderam à evidência”.

Nesse texto ele vai ainda se posicionar a favor das ciências naturais como discurso explicativo dos fenômenos naturais, e reduzir o texto do “Gênesis” à condição de conjunto de alegorias bíblicas. Observemos que ao considerá-las como alegorias, e não como mitos, ele reconhece em algum momento o valor explicativo do texto bíblico, talvez a essência das histórias pudesse ser vista como uma narrativa mal contada de algo que realmente aconteceu e foi vivido pelos homens, como o dilúvio.

“Assim falando, cremos servir aos mais verdadeiros interesses da religião. Ela será sempre respeitada, se mostrada de acordo com a realidade e quando não a fizerem consistir em alegorias cuja realidade o bom-senso não pode admitir.” (Kardec, Allan. Os pré-adamitas, Revista espírita, 1860. 

Outro ponto que gostaria de desenvolver nesse texto, diz respeito aos livros de caráter mais histórico da Bíblia. Não é possível comparar os textos sobre os eventos acontecidos àquela época, com os rigores da história contemporânea. Os chamados “profetas anteriores”, que são os livros de “Josué, Juízes, Samuel e Reis”, também considerados livros “históricos”. A Escola Bíblica de Jerusalém entende que a redação do Deuteronômio, por exemplo, tradicionalmente atribuída a Moisés, foi tardia, e baseada em fontes orais ou escritas, “que diferem pela idade” (p. 329)

“Em sua forma definitiva, pois, estes livros são obra de uma escola de homens piedosos, imbuídos das ideias do Deuteronômio, que meditam sobre o passado de seu povo e dele tiram uma lição religiosa.” (p. 329)

A versão final do livro só teria sido completada após a conquista de Jerusalém pelo Império Babilônico, em 539 a. C.  (https://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_de_Josu%C3%A9). Para se ter um termo de comparação, Josué é o líder do povo hebreu após a morte de Moisés. Não há registros ou evidências históricas da vida do libertador, chegando até a ser considerado um herói legendário construído ao longo dos anos pelos hebreus, embora possa ter havido um Moisés histórico, sobre o qual se inseriram muitas lendas. As especulações sobre seu nascimento variam entre 1592 a.C. e 1271 a.C. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mois%C3%A9s). Há que se entender que um livro que vai sendo escrito e reescrito ao longo de mil anos, sem arquivos, com fontes orais, com intenções político-sociais, não pode ser entendido como fonte histórica, senão aceitando-se a incorporação de mitos, lendas, narrativas e até mesmo contradições. 

A Escola Bíblica de Jerusalém, na introdução do livro de Josué, faz uma comparação com a narrativa encontrada no livro do Deuteronômio (último livro da lei), que atribui a Josué uma espécie de liderança de todos os hebreus nas guerras contra os povos que habitavam na Terra Prometida, enquanto em Juízes I se apresenta cada povo lutando por seu território, e muitas vezes sendo derrotado.

Não é difícil perceber que diversos personagens do antigo testamento são legendários e simbólicos, como Sansão, que perde a força com um corte de cabelos, despedaça um pequeno leão (juízes 14:8) com as mãos, massacra um exército (!) de filisteus composto de mil homens, tendo por arma uma queixada de jumento (juízes 15:16) e desencarna derrubando as colunas do templo filisteu (juízes 16:29) apenas com as mãos. Ele é uma espécie de Hércules hebreu, embora a tradição rabínica o considere como alguém que existiu e cuja história de vida tem muitos elementos figurados, que necessitam ser interpretados. Ele foi comparado também a Jesus por estudiosos cristãos. O espírito Lamennais faz uma reflexão sobre Sansão, na qual ele é visto apenas como símbolo. (Kardec, Allan. Meditações filosóficas e religiosas, ditadas ao Sr. Didier pelo espírito Lamennais, Revista Espírita, 1871)

Vistos alguns desses personagens apenas como mitos, despindo-os completamente da possibilidade de sua historicidade, podemos tratá-los como arquétipos, no sentido junguiano? Sim, podemos, mas se formos fazê-lo com seriedade, alguns cuidados precisariam ser tomados. Um deles é extrair dos mitos seu mitologema, ou seja, sua estrutura, e mostrar que ela é comum a outros mitos de outras culturas. Uma das características de um arquétipo é ser algo herdado, que está presente no psiquismo antes do nascimento (Humbert, p. 95), apenas em “estrutura” (os conteúdos, as ideias específicas serão elaboradas ao longo da vida), as imagens originais seriam encontradas nos “contos de fadas, mitos e narrativas pertencentes às diversas culturas” (Humbert, p. 96), elas têm um papel orientador para o sujeito que as produz (em sonhos ou imaginações, por exemplo) (Humbert, p. 97), e por essa função o arquétipo é muito próximo do instinto (Humbert, p. 97). Esses arquétipos não são transmitidos pela cultura e pela educação, porque as imagens originais são inventadas e reinventadas pelas pessoas, foi o que o levou a pensar na “herança com a estrutura do cérebro”, inspirando-se nos comportamentos animais (Humbert, p. 98). Aqui se vê que ele temia propor hipóteses como a reencarnação, consideradas muito metafísicas e, portanto, passíveis de ser entendidas como não científicas.

A história de Sansão, por exemplo, tem muitas semelhanças com a história de Hércules e a história de Jesus, mas isso é assunto para outra publicação.


Referências

A Bíblia de Jerusalém. Nova edição revista. São Paulo: Paulinas, 1985. [Traduzido da edição de 1973 de “La Sainte Biblie”, coordenada pela Escola Bíblica de Jerusalém).

Humbert, Elie G. Jung. São Paulo: Summus, 1985.

Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. [IPEAK]

_____ Revista Espírita [IPEAK]




15.2.21

MEDIUNIDADE E TIPOS PSICOLÓGICOS

 

Figura 1: Windbridge Research Center é o nome do grupo dirigido por Beischel que faz pesquisas profissionais sobre mediunidade.

Hoje uma amiga psicóloga me perguntou sobre a relação entre mediunidade e psicologia. Lembrei de imediato das pesquisas de Julie Beischel. No livro “Among Mediuns”, ela publicou resultados de pesquisas com médiuns norte-americanos. No capítulo 5 ela apresenta resultados de estudos sobre como se dá o fenômeno mediúnico. Como ela deseja fazer pesquisa empírica (e não empiricista, ou sem teoria) ela aplica testes psicológicos nos médiuns em estudo.

Um teste muito conhecido nos Estados Unidos é o Myer-Briggs Type Indicator. Ele tem por base a teoria junguiana de tipos psicológicos. Após a aplicação o sujeito estudado é analisado a partir de quatro dicotomias:

1. Extraversão/Introversão (E/I) (ou  ele é extrovertido ou introvertido)

2. Que usa principalmente os sentidos / Que usa principalmente a intuição (S/N)

3. Que principalmente pensa / que principalmente usa os sentimentos (T/F)

4. Que emite julgamentos / que percebe o outro (sem julgar) (J/P)

Depois disso, segundo Beischel, se classifica o sujeito em um de 16 tipos:

1. ESTJ (extravertido, que usa os sentidos, que pensa e julga)

2. INFP (introvertido, que usa a intuição, que sente e que percebe)

E segue-se alternando as dicotomias até formar as 16 possíveis. Cada sujeito teria quatro características preferenciais.

Resultados Encontrados

1. 83% dos médiuns estudados foram categorizados como intuitivos (N) e que usa sentimentos (F). (apenas 16% da população norte-americana tem esse perfil).

2. Ela apelidou os médiuns de NFs

3. Os grupos profissionais com grande incidência de NFs nos Estados Unidos são: clérigos (55%) e professores de arte, teatro e música (54%)

4. Os profissionais que apresentam menor número de NFs são: policiais e investigadores (4% de NFs)

5. Ela entende que talvez isso explique o mau relacionamento entre forças armadas e policiais com os médiuns. “Os dois grupos simplesmente interagem psicologicamente com o mundo externo de formas inteiramente diferentes”. (isso nos leva a crer que os militares e policiais são predominantemente STs ou seja usam os sentidos e pensam, principalmente).

Infelizmente, ela não apresenta mais informações no seu livro. 

Você é médium? Quais seriam suas classificações nas quatro dicotomias?


Beischel, Julie. Among Mediuns: a scientist's quest for answers. Tucson-AZ: The Windbridge Institute, 2013.  (Acessível via Kindle)

25.3.13

OS FANTASMAS DE UBIRATAN MACHADO




- "Um charuto!" - foi a primeira impressão que tive ao ver a capa do livro que chegou pelo correio, mercê do livro do mês da Lachâtre. Aos poucos os olhos foram se acomodando à imagem e vi que se tratava de uma lombada de um livro antigo, com o título da obra: Diálogo com o invisível.

Ubiratan Machado é um velho conhecido, que nunca vi pessoalmente, mas que aprendi a apreciar através de suas letras, especialmente as que discorrem sobre o espiritismo. Escreveu uma obra de peso sobre o espiritismo no pensamento de intelectuais brasileiros do século XIX, que se tornou uma leitura obrigatória a quem se interessa pela história do espiritismo no Brasil.

Estava cheio de obrigações, mas seu texto insidioso combinou-se com uma limitação que me impedia de digitar durante as sessões de hemodiálise, e o livro do charuto estava lá, como quem não quer nada, na cadeira. Eu abri o livro, senti o cheiro de folhas novas e falei comigo mesmo, só um...  Toda pessoa que faz dieta sabe muito bem o que isso significa. Veio o primeiro conto, mostrando assombrações na minha terra, bem no escritório de Pedro Nava, aquele escritor que tive que ler para o exame vestibular. Seguiu-se mais um, o desconhecido Eduardo Prado, igualmente assombrado, mas acompanhado do famosíssimo Eça de Queiroz. Depois vieram Humberto de Campos, Coelho Neto e, pasmem, Vinícius de Morais, todos atropelados pelo além!

Neste momento, vi que a dieta de leitura já tinha ido para o brejo e resolvi me esbaldar. Viriato Corrêa, Afonso Schmidt e o celebrado Murilo Mendes, este último acompanhado de Wolfgang Amadeus Mozart. Pensei comigo: ou os escritores são meio pancadas, do tipo psicótico, ou a experiência de escrever abre suas janelas interiores de alguma forma. Como é possível tanta gente famosa, passar pela mesma experiência dos médiuns que acostumei a observar nas tardes de sábado.

Mais alguns escritores e vem a segunda parte. Foi uma surpresa completa. Lembrei do velho e amarelado livro da biblioteca da minha tia, "A Montanha Mágica", que minha rinite não permitiu devassar até o final, e eis que encontro seu autor, o notável Thomas Mann, usando sua pena detalhista para descrever seu encontro com o Barão Von Schrenk-Notzing na intimidade de seu laboratório, preparado para vasculhar as faculdades de efeitos físicos de Willi Schneider. Willi, que era um verbete na minha cabeça, se tornou um personagem de filme hollywoodiano, contido pelas mãos do escritor, agitado como um epiléptico, em um parto difícil do qual nasceriam as artes do espírito Mina. Mann faz um texto no qual vemos ao mesmo tempo os eventos da sala e os pensamentos e sentimentos no íntimo do romancista alemão.

Outro texto extenso e sou apresentado ao informal Pitigrilli e às faculdades assombrosas de uma médium italiana. Apesar da extensão, fiquei com os olhos presos aos eventos que sucediam e dos quais não posso falar muito para não estragar a experiência primeira de quem agora me lê.

Finalmente, um autor do meu domínio. O Dr. Jung, sobre o qual já escrevi alguns trabalhos. Será que Ubiratan conhecia mesmo todos os encontros deste médium suíço com a mediunidade? Leitura fácil, narrativa simples e clara, quase morri de inveja ao ver como Machado ia contando, detalhadamente mas de forma a prender a atenção, cada detalhe com o além do psiquiatra suíço, desde a infância até o trabalho derradeiro, Memórias, Sonhos e Reflexões. Ubiratan faz mais, ele descreve com clareza as reuniões mediúnicas que Jung participou com a médium que Jung intitulou S.W. e que o autor do "livro do charuto" descobriu se chamar Helly. Ubiratan não cai na tolice do Dr. Sérgio de dizer que Jung estudou médiuns, como se ele acreditasse na mediunidade. Jung resistiu bravamente por toda a vida, usando suas teorias do anímico para explicar o que ia além do inconsciente. Atropelado por espíritos durante toda a sua vida, sempre hesitante, ao final ele aceita que suas teorias não são suficientes para explicar não apenas o que houvera visto, mas vivido. Afinal, como teria dito Freud, há horas que um charuto é apenas um charuto...

27.6.11

AUSCHWITZ, 60 ANOS DEPOIS


Figura 1: Espíritas acompanham Divaldo Franco à visita a Auschwitz. Na faixa de metal a frase sinistra de duplo sentido: o trabalho liberta.

O Nacional-Socialismo ascendeu na Alemanha patrocinado pelas cláusulas leoninas do Tratado de Versalhes, que impôs a pobreza e uma dívida de guerra muito superior à capacidade financeira dos aliados do império Austro-húngaro.

A sobrevivência tornou-se companheira da humilhação. Esta irmã do orgulho logo aceitou com facilidade as teses que culpabilizariam injustamente os descendentes do povo judeu radicado nas terras germânicas pelo armistício e pelo sofrimento imposto aos seus coirmãos.

O Dr. Carl Jung, anos depois da segunda guerra, receberia um prêmio por seu trabalho sobre o mito de Wotan, que versa sobre a psicologia do povo alemão após a derrota diplomática da primeira guerra.



Figura 2: As belas construções, não fossem as cercas, aparentariam belos casarões que acolheriam alguma indústria. Hoje foram transformados em museu.

Uma inflação jamais vista,  a perda do poder de compra do marco alemão e o empobrecimento das massas, trouxeram um ódio silencioso, a necessidade de culpabilização de um terceiro e um desejo de reparação, a esperança de um herói messiânico, que como Wotan acordaria de seu sono e congregaria forças ao redor de si para uma nova marcha vitoriosa sobre as forças opressoras.

O desenvolvimento tecnológico e o novo crescimento econômico trouxeram em seu bojo as promessas rancorosas do partido Nacional Socialista, que acusava, culpabilizava e prometia punição indistinta ao povo judeu, assim como uma perseguição contra as minorias que teriam enfraquecido as fortes raízes germânicas.



Figura 3: Divaldo diante dos fornos crematórios

O discurso emocional tomou conta do povo alemão que conduziu ao poder não apenas um homem, mas uma ideia totalizadora que trazia em seu bojo as tristes propostas da eugenia e o nefasto conluio genocida.

O genocídio é o assassinato frio e premeditado de um povo, uma comunidade, uma etnia. A acusação gratuita e infundada da conspiração para a derrota diplomática alemã tornou-se juiz e julgado, pena de morte para todo e qualquer descendente hebreu ao alcance das garras de aço ensanguentadas do poder eleito e centralizador.

Figura 4: Uma das tristes lembranças da ideologia genocida


A guerra fortaleceu ainda mais o poder central, e das mesas da burocracia alemã surgiram os papéis secretos que foram dando forma ao que se intitulou "solução final". Tamanho o opróbio da proposta, que nem mesmo o sofrido povo alemão a aceitaria se tivesse consciência plena dos projetos autorizados por seu Füher. Sob a lógica da exceção que o conflito armado institui, judeus, homossexuais, socialistas e outras minorias indesejáveis seriam segregadas e enviadas a guetos e campos de concentração, ou apenas simulacros destes.

Ações isoladas, mas engendradas, deram início ao objetivo vergonhoso: o extermínio. Pelotões de fuzilamento em florestas e  furgões com a caçamba lacrada onde se respirava o monóxido de carbono dos escapamentos foram alguns dos precursores da câmaras de gás e dos grupos de trabalho que expoliavam dos corpos a sua última diginidade humana, arrancando dentes de metal, despindo-os e usurpando da morte covarde o último direito, o da sepultura digna. Amontoados de corpos eram queimados ou acumulados em covas coletivas cujo destino final seria o manto de terra e o reflorestamento, que ocultaria para sempre da memória da humanidade os atos ali cometidos.

Figura 5: Palestra de Divaldo Franco no Centro de Cultura - Polônia

Quis Deus e a coragem dos homens que esta história não morresse com o sufocar da garganta das vítimas. Estima-se que seis milhões pereceram, mas os sobreviventes não se calaram. Ainda choram pelos seus mortos e contam ao mundo as histórias de horror que um dia saíram do mais negro imaginário humano para habitar na orgulhosa civilização européia.

As paredes do campo de extermínio de Auschwitz estão vivas. Elas ainda guardam a dor de pais que perderam seus filhos, maridos que viram, impotentes, suas esposas serem devoradas pelos anjos da morte, seus pais, alguns já anciâos, padecerem a vergonha da nudez e a dor da separação imposta pelo espírito da morte. Tudo muito limpo e organizado, como convém ao espírito germânico, enlouquecido pelo ódio ou silenciado pelo medo.


Figura 6: Divaldo autografando

Passadas quase seis décadas, ergamos nós, espíritas, uma prece pelos algozes e por aqueles que se endureceram após a morte no desejo igualmente louco de vingança, aqueles que se ataram aos perseguidores, na sanha insana de obter alívio repetindo os gestos e atos dos atormentados. Não permitamos que o mundo esqueça do que é capaz o homem e não esqueçamos nós o que trazemos no fundo de nossa alma, para que o passado não retorne ao presente e Wotan continue adormecido com seus guerreiros e seu fogo destruidor.

Figura 7: A Diretora do Centro de Cultura oferece flores a Divaldo Franco

Texto: Jáder Sampaio
Fonte: Délcio Carvalho
Fotografias: Autor Desconhecido
Agradecimentos: Ubirajara Costa

15.6.09

JUNG LEU ALLAN KARDEC?


Figura 1: Carl G. Jung

No livro "A Vida Simbólica", a Vozes publicou textos do volume I das obras completas, que intitulou "Sobre o Ocultismo".
Nele se encontram os seguintes textos:
- Sobre fenômenos espíritas (conferência feita na Basiléia em 1905)
Neste texto Jung faz uma breve história do Espiritismo, cita Swedenborg, as irmãs Fox, Aksakof, admira-se com Crookes, e cita O Livro dos Médiuns, que leu em alemão, mas considera as mensagens publicadas por Kardec triviais. Ele reduz os fenômenos espíritas à esfera do psicológico e critica vigorosamente os adeptos do Espiritismo. Destaco ainda a percepção de Jung do Espiritismo como religião e movimento religioso. Ele narra muito brevemente os estudos que fez com oito médiuns (um dos quais afirmava ser um "trapaceiro americano" e os demais pessoas de boa fé).
- Prefácio a "Fenômenos Ocultos" - 1939
O livro que Jung prefaciou publica três de seus trabalhos. Ele está menos virulento, mas ainda reticente quanto à questão da imortalidade da alma, que considera ser uma necessidade psicológica e afirma que o médico deve orientar o seu paciente a observar a presença ou ausência delas na consciência, da mesma forma que fala da necessidade do uso de sal na dieta.
- Psicologia e Espiritismo (Prefácio a um livro escrito por Stewart White - 1948)
Nesse livro o psiquiatra suíço cita Rhine (pesquisador da Parapsicologia) e discute de certa forma a posição do autor que defende a existência dos espíritos. Para Jung os espíritos são "fatores inconscientes personificados". Dos autores espíritas e estudiosos do Espiritismo, ele cita Zöllner, Richet, Flammarion, Schiaparelli, Oliver Lodge, e curiosamente Eugen Bleuler. Vê-se que o tema de alguma forma o fascina, porque mesmo sendo contrário ele continua a estudar os livros espíritas e a tentar explicar os fenômenos com sua teoria do inconsciente.
- Prefácio e Contribuição ao livro de Fanny Moser (1950)
Mais um prefácio a um livro de fenômenos espíritas. Jung recebe o convite com algum entusiasmo e faz menção aos trabalhos da "American Society for Psychical Research" e ao ceticismo da época discutido por Kant duzentos anos antes da publicação de seu texto. Embora ainda considere que os fenômenos não provam a imortalidade da alma, Jung aceita posições da Parapsicologia e deixa ao futuro o alargamento dos horizontes com relação ao estudo da Psique.
Em seguida ele narra um caso pessoal, em que ele esteve em Londres e descobriu para sua surpresa que havia se hospedado em um local assombrado. Ele relata fenômenos, como mau cheiro (que considera alucinatório!!!), barulho de pingos de água sem chuva ou torneira aberta, sussurros seguidos a um torpor, sons de batidas, um cão que andaria pelos cômodos, assustado, duas hóspedes que deixaram o local com medo das assombrações. No quinto dia ele viu o rosto de uma senhora sem a parte esquerda que o fixava com o único olho. Ao voltar, Jung desafiou o Dr. X a dormir uma noite no "quarto assombrado". Ele escreveu-lhe narrando ter ouvido passos à noite, ter fechado a porta com a ajuda de uma cadeira apoiada na fechadura, que se espatifou, sem qualquer ventania, o que o levou a dormir sobre um caramanchão... O dono da casa terminou demolindo-a e vendendo-a porque ninguém desejava hospedar-se lá, devido à fama de assombrada.
Suas explicações aos fenômenos continuam contando com o apoio da teoria do inconsciente, mas Jung já aceita que há fenômenos inexplicáveis desta forma e ainda cita um caso de um parente que viajou e sonhou com um assassinato de uma mulher no seu quarto de hotel, que realmente havia acontecido.
- Prefácio a um livro de Jaffé (1958)
É um texto rápido no qual o Psiquiatra Suíço destaca a análise psicológica dos temas próprios da fenomenologia espírita, mas deixa claramente que a autora evitou a questão da realidade dos fenômenos e da sobrevivência da alma, questão esta que parece incomodá-lo.
Quem tiver lido o livro "Memórias, Sonhos e Reflexões", escrito anos depois, sabe que Jung narrará, próximo da morte, fenômenos que aconteceram com ele e que ele admite não ser capaz de explicar com o apoio da teoria do inconsciente.
Este livro mostra bem a trajetória vivida pelo psiquiatra do ceticismo à dúvida.



19.3.08

Fenômeno Telepático ou Mediúnico com Carl Jung?


Foto 1: Fonte: Guimarães, Carlos. Carl Gustav Jung e os Fenômenos Psíquicos. São Paulo: Madras, 2004. p. 103.

"A relação médico-doente, principalmente quando intervém uma transferência do doente ou uma identificação mais ou menos inconsciente entre médico e doente, pode conduzir ocasionalmente a fenômenos de natureza parapsicológica. Muitas vezes me ocorreu esta experiência. (...)
(...) Quase à meia noite voltei ao hotel. Depois da conferência jantei com alguns amigos e fui logo deitar-me. Não conseguia dormir. Por volta das duas horas - tinha acabado de dormir - acordei espantado, persuadido de qua alguém viera a meu quarto; tinha também a impressão de que a porta se abrira precipitadamente. Acendi a luz, mas não vi coisa alguma. Pensei que alguém se enganara de porta: olhei no corredor, silêncio de morte. "Estranho", pensei, "alguém entrou no meu quarto!" Procurei avivar minhas lembranças e percebi que acordara com a sensação de uma dor surda, como se algo tivesse ricocheteado meu crânio. No dia seguinte recebi um telegrama me avisando que aquele doente se suicidara. Dera um tiro na cabeça. soube mais tarde que a bala se detivera na parte posterior do crânio.
Tratava-se, neste caso, de um verdadeiro fenômeno de sincronicidade, tal como se pode observar frequentemente numa situação arquetípica - no caso, a morte."
(JUNG, Carl. G. Memórias, sonhos e reflexões. 7 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s.d. Tradução de Dora Ferreira da Silva)

10.5.07

REVISTA ICESP 21

A Revista ICESP, do Instituto de Cultura Espírita de São Paulo, publicou seu número 21 referente ao primeiro trimestre de 2007. A matéria de capa trata de Jean Meyer, um dos mais ativos continuadores da obra de Kardec, fundador e mantenedor da Maison des Spirites e do Instituto Metapsíquico Internacional.



Agradeço ao seu diretor a publicação do artigo "Mediunidade, Inconsciente e Psicopatologia: Considerações sobre um Estudo de Caso de C. G. Jung.". Ele não poupou espaço na revista e o publicou na íntegra.



Além dos artigos a revista sempre publica informações sobre eventos espíritas no Brasil e no Mundo, traduções de trechos de obras raras e resenhas de livros, mantendo seu leitor informado sobre a memória e o movimento espírita.



Os interessados em assiná-la podem fazê-lo pela módica quantia de R$20,00 anuais (quatro exemplares). Maiores informações podem ser obtidas através de e-mail icesp@frontier.com.br ou no site www.frontier.com.br/icesp.