28.2.09
LAR DA CRIANÇA EMMANUEL AMPLIA ATIVIDADES
20.12.08
Devem os centros espíritas manter creches?
É desnecessário argumentar em favor da filantropia e da caridade no movimento espírita brasileiro. A obra kardequiana defende, seguida por diversas contribuições de autores e médiuns brasileiros, a caridade como valor e a filantropia como dever. De uma forma muito pessoal e individual, “O Evangelho Segundo o Espiritismo” é um convite de muitas faces para que o homem de bem, e não apenas o espírita, atenda a exortações como:
“Encontra satisfações nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos. Seu primeiro impulso é para pensar nos outros antes de pensar em si, é para cuidar dos interesses dos outros antes do seu próprio interesse. O egoísta, ao contrário, calcula os proventos e as perdas decorrentes de toda ação generosa.” (KARDEC, 1978a, p. 285)
Uma vez aceito o imperativo ético da prática da caridade, e aceita a distinção entre caridade moral e material, como o faz Kardec na mesma obra, não é inusitado aceitar que as instituições espíritas organizem serviços capazes de atender às necessidades sociais, no limite de suas capacidades. O próprio Kardec propôs a manutenção de instituições como um dispensário, onde se realizariam consultas médicas gratuitas, uma caixa de socorros e um asilo, a serem mantidos com recursos da Comissão Central do Espiritismo, em seu conhecido Projeto de 1868. (KARDEC, 1978b)
Há que se distinguir a manutenção de instituições do imperativo da caridade. O espírita (pessoa) não precisa de uma instituição mantida por seu centro espírita para a realização de uma ação social beneficente. Ele pode juntar esforços a diversas iniciativas sociais mantidas pelo Estado ou por organizações sérias sem fins lucrativos. Da época de Kardec aos nossos dias, cada vez mais os Estados têm trazido para si a responsabilidade de fornecer serviços considerados necessários à população. Educação, saúde, proteção alimentar, entre outras ações, estão cada vez mais presentes nas agendas de governos, das mais diversas orientações políticas. Salamon (1998) defende, com números, que nas últimas décadas o número de organizações sem fins lucrativos, constituintes do chamado Terceiro Setor, têm crescido intensamente em todo o planeta. O movimento espírita não pode se furtar a refletir sobre as mudanças na sociedade e sobre o seu papel. Diante destas mudanças, é muito oportuna a questão que o Carlos Iglesia solicitou que se discutisse melhor: devem os centros espíritas manter creches?
Antes de tratar da questão das creches, devemos pensar em uma área que sofreu uma transformação mais intensa em nosso país, as ações de saúde. Seja pelo avanço da medicina e da tecnologia médica, seja pela evolução das políticas públicas de saúde, hoje, de uma forma geral, temos nos grandes centros urbanos um serviço de atendimento médico disseminado e articulado. O Sistema Único de Saúde (SUS) possibilitou a criação centros de saúde com corpo médico de generalistas e alguns especialistas, serviços de enfermagem, farmácia, campanhas de vacinação, odontologia, psiquiatria, psicologia, entre outros serviços, integrados a hospitais generalistas e de especialidades. Na última década os governos federais têm incentivado o Programa de Saúde da Família, no qual uma equipe de saúde visita residências e passa a acompanhar pacientes cujo cotidiano era desconhecido ao médico, que só os via no posto de saúde, e a atender pacientes que eram mal atendidos pelo sistema anterior pelas dificuldades de locomoção aos postos de saúde.
Respeitadas as diferenças entre regiões no Brasil e as exceções, um dispensário com um médico fazendo consultas gratuitas, é uma organização de qualidade inferior à que é oferecida pelo Estado (o que não acontecia à época de Kardec). Sem poder pedir exames que o auxiliem a fazer diagnóstico, sem poder encaminhar para hospitais de alta complexidade, sem poder contar com o apoio de uma equipe de profissionais da saúde, o seu trabalho, em que se pese a boa vontade e a disposição de ajudar o próximo, será de qualidade inferior ao que é oferecido pelos órgãos de Estado. Não é exagero dizer que esta instituição, nas condições acima indicadas, atende mais a necessidade do voluntário em prestar o serviço que a do atendido. A conseqüência da melhora dos serviços do Estado é que a exigência para a atuação neste espaço aumenta.
O que têm feito os centros espíritas que estão atentos às mudanças no cenário social? Quando já têm uma estrutura de saúde montada, vão migrando seus serviços para os espaços mal cobertos pelos órgãos de Estado ou vão aumentando a complexidade de suas ações. As farmácias ligadas aos centros espíritas trabalham com medicamentos que não são facilmente encontrados nos postos de saúde. Os serviços de odontologia vão fazer procedimentos cujo custo torna proibitivos aos postos de saúde. Os voluntários da área de saúde realizariam trabalhos que não estão disponíveis nos postos de saúde. Esta é uma forma inteligente de integração à rede de proteção social que o Estado e as organizações da sociedade formam.
Outra ação conhecida pelo movimento espírita brasileiro foi a constituição de Hospitais Psiquiátricos Espíritas em diversos lugares do Brasil. Possivelmente, esta iniciativa tem como motivo a preocupação do movimento espírita na distinção entre doença mental e mediunidade, mas não se reduz a isto, uma vez que são espaços de prática de uma especialidade médica e de profissionais da saúde mental. Estes hospitais vieram incorporando as modificações na Psiquiatria, as ações multidisciplinares e se adaptaram a muitas das justas exigências do movimento de luta antimanicomial e às disposições governamentais. Estas instituições espíritas romperam o isolamento e têm realizado encontros entre seus profissionais, têm promovido eventos e têm trocado experiências. Este, talvez, seja um dos projetos mais bem sucedidos das Associações Médico-Espíritas que se fundaram nos últimos anos em nosso país.
Da mesma forma que a saúde, a educação também mudou. A nova lei de Diretrizes e Bases atribuiu precariamente às prefeituras a obrigação de manter instituições pré-escolares. O Estado Brasileiro começou a destinar recursos e a pensar políticas para um segmento até então marginal às agendas públicas. Um movimento semelhante ao da saúde está acontecendo com a chamada educação infantil.
Os centros espíritas devem, então, manter creches? Penso que sim, desde que consigam fazê-lo com qualidade e mantidas as suas diretrizes.
Inicialmente, a obrigação das prefeituras ainda é relativa. A legislação atribui a educação infantil às prefeituras, mas prioriza o repasse de recursos ao ensino fundamental, ou seja, deixa uma brecha para os prefeitos justificarem a falta de fornecimento deste serviço à população. Muitos segmentos do tecido social ainda não tiveram atendidas as suas necessidades de cuidados para as crianças em idade pré-escolar. São recorrentes os casos de visitas a favelas nos quais se encontram crianças na segunda infância tendo que tomar conta de recém-nascidos e de seus irmãos menores, em nossa capital mineira. Além disto, muitas creches da rede de educação infantil não são mais que um espaço de cuidados à criança.
Em segundo lugar, da mesma forma que os hospitais espíritas têm envidado esforços para fornecer um atendimento diferenciado aos seus clientes, as creches espíritas podem dar uma educação e cuidados superiores aos seus pequenos clientes e às suas famílias. Ao lado do espaço de atuação voluntária (que deve ser conseqüente e inteligente), a integridade das instituições espíritas é um diferencial importante, em se tratando de aporte de recursos públicos ou de parceiros da iniciativa privada.
Um terceiro argumento é a necessidade dos centros espíritas manterem ações sociais conseqüentes, que possibilitem o engajamento não só de seus participantes, mas das comunidades como um todo. A finalidade maior é, nestes tempos de desigualdade social e dissolução do tecido social, além de possibilitar a integração dos espíritas em ações de impacto social, mostrar à sociedade que existem comunidades íntegras, capazes de incentivar as pessoas a darem uma contribuição pessoal pela melhoria de nossa sociedade, independente de sua posição religiosa.
Os centros espíritas devem ter atenção com o zelo pela humanização do cuidado infantil e evitar que a profissionalização de muitos dos espaços transformem as creches em uma espécie de anexo, um lugar no qual não se reconhece a ação de homens de bem, mas apenas um espaço burocrático de atuação técnica.
Para concluir, recordei-me de um comentário feito em um livro inusitado e quase esquecido pela grande maioria dos espíritas do nosso tempo, escrito pelo espírita argentino Humberto Mariotti. Ele afirma que se “o Espiritismo permanecesse à margem da questão social, adotaria um critério evasivo perante as grandes coletividades humanas que sofrem, esperando sua definitiva redenção”. (MARIOTTI, 1983, p. 106)
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 76 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978a.
KARDEC, Allan. Obras Póstumas. 17 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978b.
MARIOTTI, Humberto. Parapsicologia e Materialismo Histórico. São Paulo: EDICEL, 1983.
SALAMON, Lester. A emergência do Terceiro Setor: uma revolução associativa global. Revista de Administração. São Paulo, v. 33, n. 1, p. 5-11, jan/mar 1998.
Publicado no Boletim GEAE 514. Disponível em http://www.geae.inf.br/pt/boletins/geae514.html
3.11.08
Ainda as Creches e o Poder Público
19.9.08
Convênios de Creches Espíritas com o Poder Público
A lei de diretrizes e bases, nos anos 90, atribuiu ao município a responsabilidade pela educação infantil. Nesta época, as atenções do legislador criaram uma série de exigências, muito justas, que transformou o perfil destas instituições e, com estas mudanças, o volume de recursos necessário para mantê-las.
A antiga monitora, que na verdade trabalhava mais como cuidadora que como educadora, passou a ser substituída por educadoras com formação em nível de ensino médio, o que alterou substantivamente os custos da folha de pagamento, principal despesa deste tipo de organização.
As instituições espíritas passaram a aceitar o estabelecimento de convênios com as prefeituras, para cobrirem as despesas adicionais que começaram a surgir.
Algumas prefeituras, por sua vez viram nesta parceria uma forma de atender uma quantidade maior da população, destinar recursos para a área de educação e de reduzir despesas com pessoal, já que os empregados são contratados das instituições espíritas, e não são (s.m.j.) computados como servidores públicos (o que facilita o problema do limite de gastos com pagamento de servidores). Tudo isto, sem contar que em curto e médio prazos, as prefeituras não necessitam investir em aluguel ou construção de prédios.
Após a celebração de convênios, a política da prefeitura de Belo Horizonte tem sido exigir mudanças e adaptações aos espaços existentes, o que caiu em um espaço de arbitrariedades imensas, cometidas pelos fiscais, uma vez que o conjunto dos convenentes tem instalações muito diferentes entre si.
Não bastassem as arbitrariedades, a PBH (falo desta porque não tenho dados de outras), após a assinatura dos convênios deixa de ser parceira e age como se fosse dona da instituição: transforma problemas de comunicação em negligências (nas quais as socidades espíritas pagam a conta), baixa portarias e deliberações, sem negociação clara com seus parceiros, envia fiscais para verificar o cumprimento de suas decisões e não dá o devido suporte em áreas de sua responsabilidade, como é o caso da saúde.
A questão que originou esta publicação surgiu quando começamos a observar que a Prefeitura, ao celebrar convênios com instituições espíritas, passou a exigir que estas abrissem mão de práticas espíritas oferecidas à comunidade. Em uma das instituições tentou-se proibir o passe aplicado nas crianças, por entender que se trata de prática religiosa, e alegando o princípio da laicidade do ensino.
O órgão público tem razão, quando alerta que uma prática religiosa não pode ser imposta a crianças ou famílias que não a aceitem, em um espaço aberto à população em geral, contudo, em meu entendimento, não tem poder para proibir a prática de passes para quem o desejar receber em uma instituição que por força de convênio presta serviço de cunho social mas continua sendo espírita.
Os convênios, com o passar do tempo, tornam-se um problema para a manutenção das creches. As sociedades espíritas passam a depender dele, e evitam confrontação com o município, por medo de não conseguir manter financeiramente as despesas com as creches. Chegará um tempo em que o poder público irá adotar uma política de desapropriação das creches espíritas? Viveremos no Brasil situação semelhante à que enfrentaram nossos irmãos portugueses e espanhóis na triste época da ditadura em seus países? Espero que não.
Este relacionamento precisa ser revisto e cabe ao movimento promover uma discussão com especialistas na área de direito público para orientar as instituições como celebrar parcerias que não exijam das sociedades espíritas abrirem mão de sua identidade essencial, identidade esta que motivou os associados a se unirem para tentar colaborar na solução de uma chaga social que estava aberta em uma época na qual o poder público não tinha olhos de ver a necessidade do ensino pré-escolar para as populações de baixa renda.