Acabo de ler o livro "Mentes Perigosas", da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva e me ocorreram muitos pensamentos entre o espiritismo e o conteúdo do livro.
Minha colega-psi trata com clareza e simplicidade um tema que era muito pouco ensinado quando fiz minha formação de psicologia: a psicopatia. Ela evitou as discussões conceituais (sociopatia, etc.) e focalizou-se no entendimento das pessoas que não conseguem estabelecer vínculos de afeto com ou outros, que se relacionam com as outras pessoas como se fossem "coisas, alvos, objetos, objetivos, etc."
Na explicação da psiquiatra, é possível que haja uma base orgânica para este transtorno. Certas áreas do cérebro, normalmente excitadas ante imagens de violência pela maioria das pessoas aos olhos de um exame de imagem (ressonância magnética), por exemplo, não apresentam o mesmo grau de respostas quando pessoas sabidamente psicopatas são submetidas ao mesmo estímulo.
Deu inúmeros exemplos da sua clínica pessoal (evitando identificações, claro) e de casos que foram à mídia (evitando afirmações contundentes). Mostrou pessoas que em um grau menor (psicopatia leve) a um grau maior (psicopatia grave) são capazes de explorar o próximo, roubá-lo, fazê-lo sofrer e até torturá-lo, manipular pessoas em organizações, só para o seu prazer pessoal ou sua ascensão, sem qualquer sentimento de culpa, sem hesitações de origem ética ou preocupações, mesmo que suas vítimas sejam pais, mães, irmãos ou filhos.
Aceita a tese central da autora, alguns pontos merecem ser pensados à luz do espiritismo. Um deles é o da responsabilidade dos pais. Em "O evangelho segundo o espiritismo", muitos expositores destacam e focam a frase do texto de Santo Agostinho "Que fizestes do filho confiado à vossa guarda!", mas se esquecem de um parágrafo mais à frente que diz;
"Quando os pais hão feito tudo o que devem pelo adiantamento moral de seus filhos, se não alcançam êxito, não têm que inculpar-se a si mesmos e podem conservar tranquila a consciência. À amargura, muito natural que então lhes advém da improdutividade dos seus esforços, Deus reserva grande e imensa consolação, na certeza de que se trata apenas de um retardamento, que concedido lhes será concluir noutra existência a obra agora começada e que um dia o filho ingrato os recompensará com seu amor."
A psiquiatra narra histórias de pais e cônjuges que se recusam a aceitar que seus afetos não são não apenas incapazes de lhes corresponder o vínculo, como são capazes de prejudicá-los. No caso dos pais, há quem fique se culpando eternamente pelos erros que os filhos cometem, e alguns clientes levam anos para aceitar que seus filhos não são capazes, nesta encarnação de lhes corresponder as expectativas de honradez.
Neste caso, é preciso superar a culpa para agir de forma a proteger-se e a proteger outras pessoas que se consideram amigos do filho psicopata (só se usa esta categoria clínica para adultos).
Achei interessante que Santo Agostinho reconhece que a regeneração de um psicopata (embora não use este conceito), só poderá se dar no futuro, em outra encarnação.
Outro ponto importante que a psiquiatra destaca, é que o ambiente pode afetar o desenvolvimento da psicopatia, ou seja, embora não seja possível transformar totalmente um psicopata adulto, se ele for criado em um ambiente não permissivo, poderá não cometer atos graves. Está bem de acordo com nosso compromisso com os filhos, de pai e mãe, e da importância de ensinar valores, respeito, e submissão à lei e às normas devidamente estabelecidas pelas instituições justas.
Por fim, recordei-me muito dos casos de psicopatia apresentados pela literatura espírita, como o obsessor Gregório, do livro Libertação. O que foi capaz de promover mudança em um espírito endurecido no mal, após diversas encarnações, foi a experiência do amor que ele trazia lá no fundo de sua alma. Mesmo que não consigamos nada em uma encarnação, tratar filhos pequenos com tendências psicopatas com afeto pode ser um "gatilho" para o futuro, mas dentro das perspectivas do "amor exigente" que não fecha olhos para os deveres deles.