22.12.21

UMA HISTÓRIA PARA O NATAL

 


Estávamos na rua Augusta, em um restaurante próximo da Paulista, fazendo uma viagem de descanso em família. São Paulo é um estado cheio de mineiros. Com o tempo, eles aprendem a falar aquele português padrão jornal das oito da “Rede-Globo” e escondem a mineiridade das palavras. Todavia, o ouvido continua atento aos sotaques de casa, e quando é conveniente, eles se revelam aos conterrâneos.

Fazendo o pedido com o garçom, ele claramente nos identificou. Perguntou, discreto, dentro da liberdade que concedemos, de onde éramos, e nos confiou a origem: Sete Lagoas – MG. Os assuntos de mineiridade iam e vinham ao longo da refeição que ele serviu com competência e gentileza.

Quando chegou ao final, “erramos na mão” com as porções pedidas, que eram muito generosas, e sobrou muita comida.

- Vocês querem que embrulhe?

Estávamos terminando a viagem e após um passeio, voltaríamos ao hotel e iríamos ao aeroporto. A comida seria uma espécie de estorvo para nós. Eu recusei.

Ele explicou:

- Toda a comida que sobra das mesas é descartada no lixo.  É um grande desperdício, e há muitas pessoas passando fome.

Eu estava em plena zona sul de São Paulo, no domingo, e não via moradores de rua na localidade, que percorremos a pé até chegar ao restaurante. Hesitei. E lhe expliquei:

- Não vejo moradores de rua por aqui.

Na nossa cultura mineira, o desperdício de comida é um pecado capital, pior que os pecados menores, aqueles que segundo a crença alheia não conduzem diretamente aos infernos. Lembrei da insistência em casa pelo aproveitamento das sobras. Lembrei da casa dos pais. Lembrei da cultura de fazendas pequenas, em que as sobras são destinadas aos animais criados. Lembrei da minha avó pedindo que comesse toda a comida do prato e dizendo que ”há muita gente passando fome no mundo”.

Nos poucos segundos, lembrei até de um estudo da mocidade da casa de Célia Xavier, centro espírita que frequento há 43 anos: “A fome no mundo”.

Ele tinha razão. E como minha esposa também é mineira, nós encampamos a tarefa. Saímos com uma quentinha do restaurante, andando ainda a pé, no Jardim Paulistano. Era domingo à tarde e só víamos pessoas bem vestidas, andando pelas ruas, tipo classe A e B. A quentinha ficou na mão, enrolada no saquinho plástico.

Paramos em uma confeitaria, pedido quase exigente das filhas. Eu fiquei junto à calçada, porque eles não tinham mesas no lugar, e as pessoas comiam em pé. Na porta havia grandes bancos de madeira. Fiquei sem graça de oferecer aos manobristas.

De repente, desceu um vendedor de picolés e ele ficou conversando com os manobristas, aquela fala rápida, de quem está trabalhando no domingo, mas não havia conseguido muita coisa. Eu achei que poderia oferecer, afinal, o risco era de ganhar um “não” e uma cara feia, no máximo um desaforo.

Os olhos do vendedor brilharam. Ele estava sem almoço às duas da tarde. Ele me agradeceu, agradeceu, agradeceu e apertou minha mão efusivamente, para minha surpresa. Foi-se feliz, o homem. Sabe-se lá quem iria ser alimentado com o que iria ser jogado no lixo, mercê das normas sanitárias, mas que ainda estava até morno.

Uma das minhas filhas viu tudo, e pediu que eu lavasse as mãos, porque estávamos em época de Covid. Enquanto eu lavava as mãos e passava o álcool, fiquei pensando na fome, esse mal que acompanha a imensa desigualdade social do nosso país e que atinge até os trabalhadores, fazendo-os não temer a mortal Covid.

Depois desse ensino do garçom, nunca mais dispensamos as sobras de comida dos restaurantes. Já até recebi um “não quero” de um morador de rua em estado lamentável, já tivemos que rodar no bairro em busca que alguém que aceitasse a comida, mas já ouvimos muitas vezes:

- Essa é a minha primeira refeição no dia.

Como sabedoria se divulga, e a miséria é a grande vergonha do país em que vivemos, assim como a indiferença, resolvi escrever a história e acreditar no efeito “bola de neve” que uma história dessas pode gerar. Não acredito que ela sequer faça cócegas na imensa diferença social que nos envergonha diante dos países de primeiro mundo, mas, talvez, torne mais visível os invisíveis e sua humanidade.

Passe para a frente, e feliz natal!


14.12.21

UM POUCO MAIS SOBRE DEÍSMO



 Jáder Sampaio

No estudo do Iluminismo francês, McNall Burns examinou rapidamente as concepções religiosas e destacou o deísmo. Já escrevi anteriormente sobre o deísmo no Espiritismo Comentado, ao tratar do texto de Allan Kardec, As cinco alternativas da humanidade e referir-me às descobertas de Charles Darwin que o fizeram abrir mão do cristianismo. https://espiritismocomentado.blogspot.com/2019/02/darwin-deista-kardec-cristao-espirita.html

Todavia, Burns amplia a visão de deísmo, que passamos a resumir. Ele aponta sua criação, com alguma incerteza para Lord Herbert de Cherbury (1583-1648) e sua propagação pelos iluministas franceses, por autores ingleses como Alexander Pope e Lord Shaftesbury na Inglaterra e Thomas Paine, Ben Franklin e Jefferson, na América. 

Os deístas não apenas condenavam as afirmações irracionais das  religiões, mas consideravam a fé organizada um instrumento de exploração para enganar os ignorantes. Esse tipo de ataque, que precisa ser contextualizado, já que boa parte dos cargos eclesiásticos era remunerado pelo Estado na França, por exemplo, embora, verdade seja dita, houvesse um papel social da Igreja, como no caso da educação. Quando o povo, contudo, estava insatisfeito, havia um sentimento de injustiça, porque se pagavam impostos que eram usados pelo Estado e pela Igreja para interesses próprios. 

O historiador norte-americano entende que os deístas queriam construir uma religião mais simples e “natural”, que propunha.

1. A existência de um Deus que criou as leis naturais;

2. seu afastamento do universo após a criação das leis, espécie de não-providencialismo, que emergia em função das “trocas e favores” que alguns religiosos tentavam conseguir com Deus;

3. orações, sacramentos e ritos são apenas atos exteriores, uma vez que não se consegue “subornar a Deus” para que ele derrogue as leis naturais em favor de uma pessoa; 

4. não existe predestinação para o bem ou o mal, que é fruto do livre-arbítrio do homem na Terra e influencia o bem ou o mal que acontecerá na vida futura.

Como se vê, há semelhanças e diferenças das concepções deístas para as concepções espíritas, o que fez com que Kardec considerasse o espiritismo outra alternativa para a humanidade. Há também uma conexão entre o deísmo e a teologia ou religião natural, sobre a qual tratarei em outra matéria.

Referência

BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. 23ª. ed. Porto Alegre: Globo, 1979 


7.12.21

O ESPÍRITO NO LABORATÓRIO

 


No último final de semana participei do II Congresso Espírita Espiritismo.net, que está disponível no YouTube. Bons expositores foram escolhidos a dedo pela comissão, e agradeço ter sido lembrado, porque não sou muito conhecido. 

Fui convidado para participar da mesa "O Espírito no Laboratório: pesquisas sobre a mediunidade" em conjunto com o Dr. Alexander Moreira-Almeida de UFJF, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde, já com centenas de trabalhos publicados em revistas técnicas e o Raphael Carneiro da UFES e do Grupo Lampejo, que não pode estar presente por motivos particulares inesperados e enviou o simpático Clóvis Vervloet em seu lugar, para falar da experiência deles sobre varredura medianímica, método proposto por L; Palhano Jr.

Tratei da pesquisa da mediunidade entre o século 19 e o século 21 e depois da mesa um assistente me disse que falei muito de parapsicologia (no sentido positivo). De fato, como tinha apenas 20 minutos, procurei falar de métodos, resultados e como se desenvolveram as linhas de pesquisa da pesquisa psíquica, metapsíquica e parapsicologia até o revival das pesquisas sobre mediunidade com método experimental no final do século 20, início do 21, no estado do Arizona, Estados Unidos. Deixei os trabalhos do Nupes, que aprecio muito, para o Alexander falar, por motivos óbvios.

Perdoem os leitores se faço divulgação de um trabalho em que participei, não é para projetar minha pessoa, mas o conteúdo dos estudos que temos feito. Acho que tivemos uma mesa com um debate respeitoso e muito informativo, e aprendi muita coisa, além de terem surgido novas questões para pesquisar, o que considero ser o que qualquer pesquisador deseja ao participar de um evento. "A verdade é mais importante que o ego" (No sentido geral, não no psicanalítico)

As perguntas foram muito ricas e bem elaboradas, não percam a mesa de debates.

Convido aos interessados, especialmente as pessoas que ficam se perguntando porque a mediunidade não é plenamente aceita pelo ambiente acadêmico, ou, "será mesmo que existe mediunidade"? 

https://www.youtube.com/watch?v=RU8mAwbxj28