27.3.21

FÍSICA "QUÂNTICA" E ESPIRITISMO: UMA MISTURA DE ÁGUA E ÓLEO?

 

Uma amiga me enviou recentemente um vídeo de uma física tratando de uma associação completamente indevida entre ideias supostamente espíritas e ideias supostamente oriundas da física quântica.

Acho que minha única diferença da autora do vídeo diz respeito ao conceito de ciência. Ela emprega o conceito como sinônimo de Física-Química-Biologia, ou seja, um conhecimento com base na observação e experimentação, com associações de variáveis preferencialmente matemáticas, em busca de leis ou regularidades, diretas ou probabilísticas. Se ciência for definida assim, o espiritismo não é ciência, porque não temos como medir fenômenos espirituais (exceto os fenômenos de efeitos físicos, o que não tem sido realizado pela grande maioria dos espíritas no Brasil). Se ciência for um conceito mais amplo, em que se situam áreas como o direito, a antropologia cultural e certas escolas de pensamento psicológico, como a Gestalt, a  psicanálise e outras, a literatura e as letras em geral, a hermenêutica filosófica, e mesmo a hermenêutica religiosa, a fenomenologia de Husserl e a filosofia em geral, então o espiritismo pode ser situado nesse grupo. Uma visão muito restrita de ciência acaba se confundindo com o positivismo, que é uma escola filosófica materialista e não aceita o espírito como hipótese explicativa de nada. O espiritismo, na filosofia, seria uma escola dentro do espiritualismo, com abertura para interlocução com as ciências naturais.

Todavia, a grande contribuição da autora do blog, é mostrar que algumas pessoas, com a intenção de fazer, talvez, metáforas ou comparações, acabam empregando conceitos e teorias de forma totalmente equivocada. Ela mostra que o jornalista que fez um programa, associando física quântica e espiritismo, cometeu diversos equívocos, alguns bem grosseiros, na área dela. Então comparam uma “física imaginária”, entendida de forma claramente incorreta, com um “espiritismo imaginário”, também percebido de forma incorreta. Ou seja, presta um desserviço tanto à física, quanto ao espiritismo.

Para que a matéria não fique grande, um último comentário. Há espíritas tentando fazer essas analogias, sem o devido conhecimento, que acabam criando grandes “fantasias quânticas” no meio espírita. Uma analogia ou uma afirmação com base na física (que estuda a matéria) para a explicação de fenômenos espirituais, deve se assegurar, pelo menos, que emprega corretamente os conceitos físicos. Em uma área de conhecimento, pode haver teorias divergentes, hipóteses por serem testadas, e outras incertezas, mas há afirmações claramente erradas. O mesmo acontece com o espiritismo. Como filosofia, Kardec fez afirmações defendidas logicamente, às vezes empiricamente, cuja negação gera contradições. Afirmar que ele disse o que não disse, é um erro do ponto de vista doutrinário.

Recomendo ao leitor ouvir com atenção o vídeo e dar um “desconto” à irritação da nossa amiga física. Ela não o faz por mal. Se você ouvisse alguém falando bobagens sobre o espiritismo, ao qual você dedicou décadas de estudos, com certeza, mesmo sendo cristão, lá no fundo da alma teria algumas emoções fortes, mesmo que não as manifestasse. Outra coisa, a irritação dela não é conosco, mas com os que divulgam conceitos errados da física.


25.3.21

ESPIRITISMO NO URUGUAI: ELES SÃO APENAS 400, MAS TRABALHAM MUITO




 

Tatiana Benites entrevistou em seu programa o espírita uruguaio Ruben de los Santos. Ruben está ligado à Rádio Espírita Uruguai e escolheu como tema "A felicidade de ser espírita". Ele também está ligado à Revista Espírita "La Nueva Era, à TV Esperanza Uruguai, ao Espacio Allan Kardec e ao Centro Cultural Allan Kardec em Montevidéu.

O programa é muito interessante, porque Ruben fala das diversas iniciativas desses 400 do Uruguai, dentre elas uma animação com tema espírita. Eles escolheram um espaço grande em um centro cultural uruguaio para apresentar o espiritismo à população do país. Ele fala das diferenças culturais dos países platinos, que possivelmente envolve o movimento espírita espanhol e sua luta para com uma sociedade laica no final no século 19, início do século 20. 

Apesar de Tatiana estar em Barcelona e Ruben no Uruguai, o programa foi falado em língua portuguesa, o que nos facilita ainda mais ter uma panorâmica do movimento espírita uruguaio. Ruben fala bem nosso idioma, e se expressa de forma simples, sendo muito fácil entender.

Preparem-se porque ao longo do programa fica uma pergunta: que "desenho animado está sempre nos lembrando uma mensagem de Jesus"?

23.3.21

FELIPE ESTABILE: MAIS UM TRABALHADOR ESPÍRITA LEVADO PELA COVID 19

 



No último sábado, na aula à distância de evangelização infantil (educação espírita) o grupo foi fazer uma prece de abertura. Alunos de 11 e 12 anos, uma aluna pediu que dirigissem seus pensamentos a um amigo de seus pais que estava internado com Covid 19 e grave: Felipe Estabile.

Assim ficamos sabendo, poucas horas antes da desencarnação, da luta do amigo contra a enfermidade. Obtivemos mais informações e acompanhamos em nossa rede de relacionamentos as notícias do estado de saúde, até a desencarnação, no meio da tarde de sábado, 20 de março.

A União Espírita Mineira assim o descreve em nota: “Natural de Niterói/RJ, espírita desde o berço, veio para Belo Horizonte ainda criança. No Movimento Espírita ficou conhecido pelas atividades no Grupo da Fraternidade Espírita Irmã Scheilla, e atuação na Unificação pela União Espírita Mineira.”

Eu conheci o Felipe e a sua futura esposa, a Regina, na primeira Confraternização de Mocidades Espíritas de Belo Horizonte – COMEBH, em 1983. Felipe era o coordenador da Comissão de Secretaria, responsável por toda a papelada que envolvia o evento para cerca de 100 jovens. 

Foto de Participantes da Primeira Comebh - Onde está Felipe?

O Felipe era a encarnação da tranquilidade. Fala mansa mas imensamente dedicado ao que fazia. Na época, ele frequentava o Grupo Scheilla. A COMEBH foi muito importante para o movimento espírita mineiro, porque estabelecemos laços de simpatia com frequentadores de um sem número de casas espíritas, da capital e, depois, do interior. Muitos dos participantes dos anos 80 são hoje lideranças ou mesmo fundadores de novas sociedades espíritas e nosso relacionamento é muito mais fácil que seria se não nos conhecêssemos pessoalmente. Felipe participou de muitas e tornou-se coordenador geral da 9ª COMEBH.



Felipe no papel de Chico Xavier, em uma das peças teatrais da COMEBH

Posteriormente, Felipe e Regina se ligaram à Confraternização da Família Espírita de Minas Gerais, encontro durante o período de carnaval em que participavam também as crianças.

Onde está o Felipe?

No LinkedIn de Felipe se vê o seu percurso profissional, no qual se encontra o concurso como assistente administrativo da UFMG (1982-1994), sua licenciatura em História (1985), atuação como professor na Prefeitura de Belo Horizonte (1994-2003), seu trabalho como chefe de gabinete e depois assessor de relações institucionais na Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (2003-2014) e depois ocupou diversos cargos na Secretaria Municipal de Educação (2015-2019). Felipe encerrou sua carreira como professor, na minha opinião, a mais nobre de todas as suas ocupações.



Mesa de Abertura do Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo - 2019

Felipe foi um dedicado trabalhador no meio espírita da capital e de Minas Gerais, como um todo. Vinte anos depois, ele apresentou trabalho e participou, em nome da União Espírita Mineira, do 3º Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, que aconteceu na Associação Espírita Célia Xavier. Quando o evento voltou a Belo Horizonte, em 2019, ele recebeu em nome da União Espírita Mineira, a homenagem que a rede de pesquisadores espíritas lhe fez, por nos receber em suas dependências.

Placa concedida pela LIHPE à União Espírita Mineira - recebida pelo Felipe

Fiquei lembrando das ideias do Felipe para um mestrado em História que ele não realizou, por estar tão ocupado com o trabalho, a família e o movimento espírita. Ele queria estudar a influência do positivismo da república velha no meio espírita de então. O tempo se foi, mas a ideia fica registrada para quem possa dar-lhe sequência. 

O Carlos Malab ficou muito emocionado quando lhe dei a notícia do desenlace. Ele se lembrou da serenidade do Felipe, e depois de trocarmos lembranças disse: a Telma (Núbia Tavares) há de recebe-lo no plano espiritual. Telma foi a coordenadora, junto com o Carlos, da primeira COMEBH. Nada mais justo que dar apoio ao secretário que retorna ao “mundo invisível”, como o chamavam os espíritas franceses do século 19.


17.3.21

ESTIVE EM DOIS PROGRAMAS: RODA VIVA DO ESPIRITISMO E A FORÇA DO ESPIRITISMO

Com o desenvolvimento da internet e um "empurrãozinho" decorrente do isolamento social, muitos programas na internet referentes ao espiritismo ganharam visibilidade. Fui convidado a participar de dois: o Roda Viva do Espiritismo (de Franca - SP) e o programa A Força do Espiritismo (do espiritismo.net e apoiado pela CEERJ e vários parceiros).

No programa Roda Viva fui entrevistado pelas queridas Nadia e Cléria, criadoras da Coleção "Espiritismo na Universidade", que agora está no Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro, e pela Rutineia Martins, que vem contribuindo com as pesquisas do núcleo francano de pessoas ligadas à Liga de Pesquisadores do Espiritismo.

Falamos de tudo, com muita liberdade. Os livros, os trabalhos, as traduções, política, trajetória e até "causos". O tempo passou rapidamente, de forma séria, mas bem humorada.


Link = https://www.youtube.com/watch?v=HZb_2vWnti0

O programa "A Força do Espiritismo", por sua vez, tem um de seus interesses voltado aos clássicos. Tivemos o prazer de lembrar de uma pesquisa de fontes biográficas que fizemos há muitos anos (muitos mesmo!) sobre Gabriel Delanne. O filho do casal espírita dos primeiros tempos (Alexandre e Marie Alexandrine) nos faz viajar pela França do século 19 e acompanhar os primeiros tempos da divulgação do espiritismo, seus atores, sua trajetória, e seus esforços de divulgação  e os debates que surgiram e se materializaram na revista "Le spiritisme" e na "Revue scientifique et moral du spiritisme". Muitas histórias esquecidas são o objeto desse vídeo relativamente curto.



Link = https://www.youtube.com/watch?v=BVKZFO5wutk

Foram diversas participações nos últimos meses, mas essas duas curtas inserções tiveram um tom especial. Confiram.



2.3.21

ESPIRITISMO, MISTICISMO, SENTIMENTO RELIGIOSO E POSITIVISMO: UMA RESPOSTA DE LÉON DENIS

 


Acabo de ler um artigo de Léon Denis, publicado na revista Le Spiritisme, de junho de 1889, no qual ele comenta a proposta do Sr. Marius George de criar em meio ao espiritismo um grupo positivista, que se apoiasse exclusivamente nos fatos e abandonasse tudo o que pudesse pertencer "ao domínio da hipótese".

Denis estava participando da organização de um congresso organizado pela União Espírita Francesa, e confirma ao seu correspondente que "sua forma de ver será acolhida não só pelo congresso, mas de forma permanente por todos os seus irmãos, com o respeito que é devido às convicções sinceras e esclarecidas" (p. 81)

A seguir, Marius afirma que a obra de Allan Kardec "está manchada com dogmatismo e misticismo" e que por isso guardaria pouca relação com "os gostos e aspirações" da época em que eles viviam.

Denis argumenta que Kardec agrupou e coordenou o ensino dos espíritos, de forma a lhe dar um "corpo" de doutrina. Ele afirma que isso levou o espiritismo à "idade adulta". Ele afirma que todos os que fugiram desse método, com teorias pessoais, edificaram obras efêmeras. Ele se refere a Roustaing, como exemplo, dizendo que ele merece o epíteto de místico com mais justiça.

Analisando Kardec ele cita o combate, com rigor, dos dogmas católicos em O evangelho segundo o espiritismo, O céu e o inferno e A gênese. Mostra a diferença do conceito de Deus entre os católicos, e penso que também entre os deístas como Voltaire, porque fala do Deus-relojoeiro, e faz uma imagem muito interessante, que já havia percebido na leitura de O céu e o inferno, a substituição de um Deus visto como imperador do universo (cercado por seus anjos-cavaleiros), por uma "imensa república de mundos governada por leis imutáveis, acima dos quais paira a Razão, Razão consciente, que conhece a si mesma e que é dona de si, que é Deus." (p. 82)

Surpreendendo seu interlocutor, Denis afirma que a noção de Deus nos escapa (ele está discutindo com Marius George o misticismo da concepção de Deus) assim como as noções positivistas de infinito e eternidade. Em outras palavras, ele aponta uma contradição interna do positivismo: conceitos que não surgem da observação de fatos, mas da razão.

O autor espírita francês continua dizendo que Kardec entende "o sentimento religioso como uma força" que pode ser utilizada para o bem da humanidade. Ele afirma que a humanidade não tem menos necessidade do ideal que do real. 

Para ele, "o ideal é essa intuição do melhor que nos eleva acima do visível, do conhecido, do realizado, em direção de concepções e de formas mais perfeitas." (p. 82) Nessa frase, Denis mostra a seu interlocutor que uma visão exclusivamente positivista seria reducionista, defendendo certo idealismo (escola filosófica).

Outra colocação genial de Denis foi reconhecer que o sentimento religioso foi explorado por uma casta sacerdotal que produziu abusos em seu nome, mas que "fortificado pela ciência e pela Razão ele se tornará motivo de aperfeiçoamento individual e de transformação social". (p. 82)

O espírita de Tours faz um análise das religiões e mostra que sua parte exclusivamente humana e material é a "das definições, dos dogmas e de todo o aparato dos cultos e dos mistérios", da mesma forma que Kardec havia discutido em seu artigo de 1868.

Ele afirma que as experiências espíritas dão uma base sólida à crença na vida futura, retirando-a do domínio das hipóteses e situando-a no domínio dos fatos (ele estaria se referindo a uma teoria baseada em evidências, como se diz hoje?). Também afirma que "seria uma grande falta, deixar às igrejas o monopólio da ideia de Deus". 

Com uma frase contundente, Denis reafirma a insuficiência do positivismo e o valor do sentimento religioso, quando escreve: "A missão do espiritismo não é excluir o sentimento religioso do coração humano e a noção de Deus, mas sim secularizá-los, para para purificar, para elevá-los, para apoiá-los na razão, a fim de torná-lo o motivo de melhoria." (p. 83) 

O mais interessante do artigo é ver que mesmo se opondo claramente à tese da redução do espiritismo aos limites traçados pelo positivismo, Denis respeita seu interlocutor. Ele conclui seu artigo dizendo:

"Mas qualquer que seja sua opinião sobre este assunto, creia, meu amigo e irmão, que estamos de acordo em pontos suficientes para que certas diferenças de opinião não nos possam separar e que você vai me encontrar sempre disposto a caminhar de mãos dadas na conquista de destinos melhores para nós e para a humanidade." (p. 83)

Um texto muito importante para refletirmos no meio espírita, nos dias de hoje.