Acordei hoje com a sensação de que faltava algo, e que não
poderia ser reposto, dentro do coração.
Conheci o Paulo Sérgio no Célia Xavier. Era o dia do 3º
Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, em Belo Horizonte.
2004! Ele chegou pela manhã com uma quantidade enorme de banners sobre a
história do espiritismo. Pediu para colocar no local, e como não tínhamos
suportes para banner, ele trocou de roupa, colocou sua “roupa de trabalho”, que
era uma bermuda, uma camiseta e um par de havaianas e começou a decorar o
ambiente da casa.
Daí a uns momentos, ele me perguntou:
- Aqui pode se usar bermuda?
Eu respondi:
- Não é usual, mas fique à vontade. Não se preocupe.
Quando o presidente da casa chegou, ele ficou encantado! Depois
ele acertou com o Paulo Sérgio de deixar os banners por uma semana no Célia
Xavier e enviar depois, para que todos da casa pudessem ver.
Paulo Sérgio falava com uma imensa naturalidade, fora a empolgação
de contar com detalhes seu empenho na aproximação entre espíritas lioneses e
brasileiros. Fotos de reuniões dos espíritas europeus que ele participara. Até
do filho político ele falou, para nossa surpresa, em sua participação no
Enlihpe. O Paulo era a encarnação do entusiasmo.
Anos depois eu trabalhei com o Paulo Sérgio no Encontro
França-Brasil, no Rio de Janeiro. Ele fez contato com os espíritas franceses e
europeus. Acho que o Paulo acreditava no que chamamos de “corpo a corpo”, na
proximidade pessoal como forma de unificação. Ele, o Alexandre Rocha e a Nadja
Couto Valle não mediam esforços para fazer um encontro que ficasse à altura do espiritismo.
Como entrei na comissão organizadora tardiamente, vi todos os esforços que ele
fez para trazer e receber bem os espíritas franceses e os brasileiros. O
evento, para ele, fechava um ciclo. A cidade de Niterói se tornava cidade-irmã
de Lyon, e dois monumentos foram erguidos em homenagem a Kardec: um em Lyon e
um em Niterói, em cuja inauguração não me foi possível estar presente por causa
das limitações que a hemodiálise nos impõe. Demorei a chegar na abertura, em função
de um problema nos voos e o trânsito do Rio de Janeiro na sexta à noite, mas
assisti com alegria o Pedro Nakano representar a Liga de Pesquisadores do
Espiritismo – LIHPE, na mesa de abertura.
Conseguimos trazer, não sem muito trabalho, uma equipe muito
representativa de interessados na história do espiritismo de diversos lugares
do Brasil e da Europa. Os telefonemas de Paulo Sérgio, ao mesmo tempo empolgado
e zeloso, duravam 50 minutos, no afã de nos informar de cada detalhe para que
pudéssemos tomar as melhores decisões nas reuniões da comissão organizadora.
No intervalo, no “olho do furacão” que foi organizar um
evento no auditório maior da UERJ, para pelo menos 400 pessoas, ele me procurou
para me passar uma lembrança. Trouxe uma coruja de metal da Grécia, atencioso.
A coruja é o símbolo da LIHPE. Eu agradeci, meio sem graça, porque estava de
mãos vazias.
Passou o evento, e a LIHPE estava mais próxima do Paulo e do
Rio de Janeiro. Também pudemos trabalhar juntos com o Marcelo Gulão e com o
Alexander. Os fios eram tecidos, e nos intervalos, ficamos conhecendo os
franceses e os “franco-brasileiros” que trabalham pelo espiritismo na Europa.
Uma cultura muito diferente da nossa no Brasil, mas uma identidade profunda, do
coração, baseada no interesse legítima pelo espiritismo e pelas pessoas que
trabalharam por ele. O Paulo, mais uma vez, conseguiu reduzir distâncias, nos
colocando próximos, uns aos outros, e acreditando que nossas semelhanças
falariam mais alto que nossas diferenças.
Nos preocupávamos com a forma apaixonada que ele se dedicava
ao espiritismo. Ele levava às últimas instâncias a afirmação dos espíritos em “O
Livro dos Espíritos” que diz que o limite do trabalho era o limite das forças.
Nosso amigo comum, o médico português Paulo Mourinha, passando uns dias com o
Paulo Sérgio, o viu cochilar na direção e se colocou à disposição para dirigir
enquanto ele cochilava seguro no banco do “carona” do seu próprio carro. Eu
cheguei a conversar sobre isso com os familiares, na condição de profissional
de saúde e amigo, preocupado com os exageros do Paulo. O filho sorriu do lado
de lá do telefone, e me explicou que eles sabiam de tudo. Ficou imp lícito que
o Paulo era “difícil de parar”, que não adiantava conversar ou advertir, ele
faria as coisas “do jeito dele”.
Eu cheguei ao Enlihpe de Fortaleza, no Ceará, um pouco
atrasado pela perda de um voo, e quem estava lá? O Paulo Sérgio. Ele participou
de todo o evento, com a alegria de sempre, assentou conosco na reunião
administrativa da LIHPE e espontaneamente auxiliou o secretário na redação da
ata. Era o jeito dele, desejava contribuir, auxiliar, participar. Conversando
com Júlia e Pedro Nakano, fiquei sabendo da visita dele ao Centro de Cultura,
Documentação e Pesquisa do Espiritismo. A foto tradicional na fachada com os
amigos de São Paulo documenta a iniciativa.
Eu ainda conversaria com o Paulo por duas vezes. Ele
organizava um evento em Niterói e desejava a presença da LIHPE. Já era a época
da pandemia, essa ceifadora de corpos. Eu não poderia atender ao convite dele,
e indiquei o amigo comum, Pedro Nakano. Conversei sobre o livro que estava
lendo acerca dos mártires de Lyon, e ele queria marcar uma palestra o mais
rápido possível. Como bom mineiro, pedi a ele que esperasse o final da leitura,
que não aconteceu até o momento porque fui atropelado por outros encargos. Ele
me deu notícias do Luiz Carlos Veiga, amigo comum desencarnado há anos, agora
registrado pelos “radares mediúnicos” dos companheiros espíritas do estado do
Rio de Janeiro.
Depois não falaria mais pessoalmente com o amigo de Niterói.
Recebi pelo Alexandre Rocha a notícia da internação em decorrência da COVID. Já
estava em tratamento intensivo. Eu realmente me preocupei, e na tentativa de
ajudar de alguma forma, divulgamos a condição médica do Paulo no último
programa “Esquina do Célia” e nosso presidente, o Humberto Cerqueira, pediu aos
telespectadores e ouvintes que se unissem em prece por ele. Pedro Nakano me
enviou há poucos dias os esforços dos espíritas de Niterói, que mentalizavam
sua melhora e lhe davam forças para continuar a luta contra a doença insidiosa.
Ontem recebi a notícia pelo Pedro Nakano da desencarnação do
Paulo. Avisei os amigos comuns. Hoje recebi um texto belíssimo e pessoal do
Alexandre, se lembrando do “mais próximo da onipresença” que conhecemos, e
recebi um agradecimento da família pelo facebook. Paulo Sérgio nos antecedeu na
grande viagem. O Gepar perdeu um grande dirigente espírita e ganhou uma nova
presença espiritual. Eu imagino que passado o período de perturbação, nem bem
recuperado ele esteja, já estará em busca de trabalho, dos amigos, bem como
querendo se enturmar com os espíritas de lá e com os que contribuem com o
movimento espírita de Niterói, bem como com os trabalhadores do plano
espiritual do Gepar, seu trabalho do coração.
Sei que a vida continua, mas aprendi com o Freud que não
devemos recalcar nossos sentimentos. Eu me sinto triste, como se tivesse
perdido alguém da família, que aprendemos a estimar com a convivência e a
aceitar a personalidade marcante e dedicada, as ideias e projetos audaciosos
que ele conseguia materializar. Se ele causa esse sentimento em mim, que
convivi muito pouco, imagino os irmãos espíritas e os familiares.