19.5.23

DESENCARNA JOSÉ PASSINI

 


Conheci o Passini a partir das suas letras. Ele fazia artigos críticos de trabalhos espíritas, aos moldes acadêmicos. Ele argumentava e discutia as ideias, nunca as pessoas. Sentia-se na obrigação de explicar que era normal, no meio acadêmico, esse tipo de debate de ideias. Na verdade, essa prática tão evitada por alguns espíritas, não era muito diferente do que fazia Allan Kardec, em sua notável Revue Spirite. Coloquei bem no início do texto, porque tenho certeza de que essa é uma marca que ele gostaria que fosse associada à sua imagem. Análise e discussão de ideias, algo bem próprio de um professor, título que deve lhe ser mais caro que o de pesquisador ou de administrador da coisa pública.

Pessoalmente, conheci-o no Centro Espírita Manoel Felipe Santiago, em Belo Horizonte, época em que vinha convidado para fazer palestras e divulgar o espiritismo. Ele era sério, mas uma pessoa alegre. Parece contradição, mas não é.  Seriedade para expor seus estudos e ideias, alegria no trato com os que estavam assistindo, ou que o procuravam após a palestra, para ter aquele "dedo de prosa" bem mineiro.

Havia sido reitor, mas ela horizontal no trato. Em momento algum servia-se do currículo ou dos títulos para defender suas propostas. Tratou a todos em Belo Horizonte, de igual para igual.

O entusiasmo que está nesse texto póstumo irradiava dele. Olhos brilhantes, palavras com emoção, alegria de estar sendo recebido para divulgar Allan Kardec.

Vocês podem ver que o conheci pouco, mas que ele falou muito com seu jeito de ser. E agora, nos antecede na grande viagem. Vai com Deus, com os espíritos familiares e amigos, aqueles que conquistou com suas ações em sua trajetória pela vida terrena. Oxalá nos encontremos, no futuro para falar de Kardec e comer pão-de-queijo no infinito.

14.5.23

ATUALIZADA A LISTA DE ENTREVISTAS DO PROGRAMA "ESQUINA DO CÉLIA".

 




O programa "Esquina do Célia" vai ao ar via YouTube no segundo sábado de cada mês, às 20 horas. Ele se propõe a entrevistar novos autores, autores que publicaram novos livros espíritas e lideranças espíritas à frente de instituições e trabalhos, como forma de divulgação e atualização do público interessado no programa.

Os programas de número 27 a 34 acabam de ser incluídos na página "Esquina do Célia", ligada a esse blog, logo abaixo do título. Neles se entrevistou:

Ana Maria Miranda (filha do escritor Hermínio Miranda) que tratou de seu pai e de diversos livros publicados em vida por ele.

Rosana Wardil, que tratou da creche mantida pela Associação Espírita Célia Xavier - o Lar Espírita Esperança, no bairro Salgado Filho

Lívia Montenari e Sônia Xavier, que trataram da Evangelização Infantil das quatro unidades da AECX

Plínio Oliveira, músico que nos apresentou as músicas compostas por ele para o musical "Um cisco", sobre a vida de Chico Xavier

Jhon Harley, da Fundação Cultural Chico Xavier, que nos apresentou a fundação, o musical e seus livros biográficos sobre Chico Xavier

Adolfo de Mendonça Júnior, que tratou de suas publicações sobre o racismo e sobre Allan Kardec, no Brasil e na França.

A. J. Orlando, que nos falou sobre a União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo, e sobre o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro.

Luiza Diniz, que tratou do trabalho voluntário da Unidade Nova Luz, da AECX, município de Ribeirão das Neves.


6.5.23

O QUE É INTELECTUALIZAR A MATÉRIA?

 



Jáder Sampaio


Na pergunta 25 de O Livro dos Espíritos, Allan Kardec está discutindo os princípios, e divide didaticamente o universo em duas substâncias (ousias) originais, essências ou princípios (alguma coisa primordial ou primitiva da qual se originam mudanças): espírito (princípio inteligente) e matéria (princípio material, que compreende as transformações de um fluido cósmico ou universal). Trata-se de posição muito similar à de René Descartes (1596-1650) adicionada a lei do progresso.

Kardec trabalhava com um conceito de matéria sem um átomo formado de prótons (isso surgiu em 1866 e foi apresentado à comunidade acadêmica por Rutherford em 1911), elétrons (surgiu com as pesquisas de Thompson em 1897, que mostrou que os raios catódicos eram formados de partículas com cargas negativas) e nêutrons (descobertos em 1932 por James Chadwick). Já existia o conceito de moléculas, que era entendido como associação de átomos (vistos como corpúsculos indivisíveis de várias formas, que se “encaixavam” uns nos outros). O átomo era conhecido como molécula elementar, ao lado das moléculas compostas, formadas de associações de diversas moléculas elementares. Moléculas elementares e compostas formavam a matéria. E aí parece termos chegado ao conceito de matéria empregado por Allan Kardec em seus escritos.

Como entender a intelectualização da matéria? Talvez tenhamos uma chave explicativa em uma pergunta geralmente mal interpretada: a questão 28, onde Kardec menciona “matéria inerte” e “matéria inteligente”. Os espíritos não se prendem à nomenclatura proposta, mas o que Kardec parece querer distinguir é, em primeiro lugar, a matéria que não tem sinal de inteligência, como uma pedra de sílex ou um arbusto, sendo que esse último reage física e quimicamente à luz, à água, e a elementos que se encontram na terra, à energia nuclear e à gravidade, por exemplo. Contudo, não há qualquer sinal de inteligência, nem de instinto. 

Em segundo lugar há seres do reino animal, que apresentam instintos (os quais Allan Kardec explicou com uma frase interessante: “inteligência sem raciocínio”, questão 73) e a inteligência, que Kardec associa, em seu primeiro livro espírita ao “pensamento, a vontade de atuar, a consciência de que existem e de que constituem uma individualidade cada um, assim como os meios de estabelecerem relações com o mundo exterior e de proverem às suas necessidades”. (questão 71).

Para explicar seres, como as plantas mesmo, que têm vida, mas não têm instinto nem inteligência, os espíritos com os quais dialoga Kardec se servem de um conceito muito usado à época e meio abandonado nos dias de hoje pelas ciências naturais: o princípio vital. 

A biologia de nossos dias não fala mais de um vitalismo (há pequenas exceções), porque desenvolveu-se o conhecimento no sentido de explicar a vida a partir da estrutura e funcionamento dos corpos e em associação com a física e a química, exclusivamente, tornando as argumentações metafísicas ou filosóficas, não baseadas em evidências, mas em princípios ideais, como não sendo conhecimento científico, de forma geral. Isso não significa que não exista algum princípio vital, apenas que a ciência decidiu mudar o rumo de sua nau e abandonou esse objetivo por considerá-lo metafísico.

Assim, as “pedras” são matéria com uma força inerte (questão 585) sem princípio vital, nem instinto, nem inteligência; as plantas têm matéria e princípio vital, algumas parecem mostrar algum instinto rudimentar, como a dionéia (questão 589), os animais têm a tal “força inerte”, o princípio vital, os instintos mais ou menos desenvolvidos e alguns têm uma inteligência rudimentar. Kardec explicita algumas características dos animais, como capazes de se comunicar, muitas vezes sem serem capazes de emitir sons (isso parece mais desenvolvido nos animais de reinos superiores na taxonomia de Lineu, do século 18), terem um livre arbítrio limitado às suas necessidades e instinto de imitação (como em papagaios, que imitam os sons, e macacos que imitam os gestos – questão 596). 

Na questão 597 temos uma afirmação que se tornou polêmica, entre os espíritas que insistem em estudar frases soltas: Kardec diz que os animais têm um princípio independente da matéria que sobrevive ao corpo. Seria uma espécie de precursor do Espírito (questão 76), uma alma muito inferior à humana (questão 597-a), que conserva sua individualidade após a morte, mas não tem consciência de si mesmo (questão 598), que não pode fazer escolhas psicológicas, por não ter livre arbítrio propriamente dito (questão 599), que tem um intervalo curto entre a desencarnação e reencarnação, controlado por espíritos responsáveis por isso (questão 600), sujeita ao progresso pela força das coisas e não por sua própria vontade (questão 602). 

A última distinção que Allan Kardec faz entre os animais e os homens diz respeito à inteligência. A inteligência que os animais (superiores) possam vir a desenvolver diz respeito exclusivo à “vida material” e a dos seres humanos abrange também a “vida moral”, entendida aqui como vida psicológica ou psíquica, que envolve escolhas morais e diversas escolhas que os animais não fazem.

Observando detidamente o todo da argumentação kardequiana, a matéria intelectualizada são os animais que apresentam inteligência rudimentar (lato sensu) e os seres humanos que se servem da inteligência (stricto sensu) e do livre-arbítrio  para atender suas necessidades e escolher uma vida moral (no sentido mais amplo, de vida psicológica). Os espíritos deles têm acesso a corpos capazes de permitir a individualidade, o movimento e outras características necessárias à ação de inteligências no meio ambiente.

Os seres materiais que não são inertes, que apresentam vida, mas não têm uma vida psicológica, seriam matéria não-intelectualizada, e dentre esses, os que vivem e morrem, não teriam ainda um espírito individual, mas seriam portadores do princípio vital.

Hoje a biologia fala em cinco ou mais reinos, na medida em que com o avanço dos conhecimentos, se tem mais informações sobre os seres para classificá-los, mas isso não é necessário à compreensão do pensamento de Allan Kardec no ponto em questão.