Foto: Vista Aérea de Belo Horizonte - MG
Lendo sobre a história da FEB e o
papel de Bezerra de Menezes no movimento espírita, que foi muito
descaracterizada sob a imagem mítica do filantropo (que não tenho dúvida que
ele foi) e do apaziguador, fiquei a meditar sobre um ponto sobre o qual ele fundou
sua ação no movimento: a organização da divulgação do Espiritismo. Dispersas,
as poucas sociedades formais disputavam entre si por pontos menores, entrando
em conflito interno por assuntos até relevantes, mas deixando que as diferenças
entre si transformassem em um obstáculo para uma tarefa claramente superior:
levar à sociedade brasileira uma visão mais clara do espiritismo, que vinha
sendo atacado por segmentos organizados, como os médicos, os católicos e
algumas elites conservadoras, através de legislações e ações de governo. Os
conflitos também impediam algo fundamental: a ação coordenada e conjunta das
instituições espíritas.
Quando reflito sobre o movimento
belorizontino de hoje, continuo surpreso com a conformação que ele tomou com o
passar dos anos. A política geral dos órgãos federativos no Brasil sempre
preservou a necessária autonomia das sociedades espíritas. Houve tempos de
orientações mais diretivas, mas desconheço qualquer ação no sentido da
fiscalização das atividades realizadas intramuros de cada casa, tão
fantasiosamente temidas pelos desinformados. Apesar disso, são poucas as ações
organizadas no sentido de aproximarem-se as associações, apesar da quantidade
imensa de eventos, ações de captação de recursos para as obras, iniciativas
ligadas à arte, palestras, seminários e outros.
Parece que as iniciativas dos
grupos concorrem com as iniciativas do movimento espírita. Batem cabeça. Fazem
mais do mesmo, sem qualquer diferença. E a falta de uma limitação clara do
público-alvo, assim como de compromissos entre lideranças, concorre para esta
transformação do movimento em movimentação. As iniciativas são, geralmente,
individuais, projetos de pessoas e não projetos coletivos. Há sempre uma
liderança com um sonho pessoal, e escasseiam lideranças e trabalhadores para
iniciativas articuladas das casas espíritas, o verdadeiro papel dos órgãos
federativos e das casas de grande porte.
Penso que a iniciativa mais
próxima desta integração das casas, não através de códigos de funcionamento,
mas através de atividades conjuntas organizadas, com objetivos traçados com
base nas necessidades e interesses comuns, na capital mineira é a realização
das Confraternizações de Mocidades Espíritas de Belo Horizonte - COMEBHs, cuja
separação setorial comprometeu a capacidade de aproximar trabalhadores jovens,
futuras lideranças de sociedades espíritas diferenciadas. Vejo também um
esforço organizado no movimento de evangelização infantil, mas os eventos são
mais de formação que de aperfeiçoamento e reflexão. Espero não estar sendo
injusto com outras iniciativas.
Um sintoma da fragilidade
federativa é a falta de órgãos de comunicações que atinjam ao movimento.
Pergunte aos frequentadores, trabalhadores e dirigentes de sua casa: qual é a
revista, ou mídia eletrônica voltada à divulgação do que acontece em BH que
eles lêem? Mesmo os mais estudiosos parecem focalizar seus interesses em livros
de conteúdo doutrinário (ou nem tanto), mas desconhecem as iniciativas coletivas
(será que existem ou são apenas uma teimosia de pequenos grupos organizados nos
órgãos que tentam atender e organizar as necessidades das associações como um
todo?)
Esta multiplicidade de eventos
abertos a todos, mas não voltados a ninguém, fez desaparecer pequenos gestos
que encontramos ainda nos grupos do interior mineiro: o envio de representantes
das casas espíritas em encontros de sociedades espíritas, a realização de
atividades conjuntas para o fortalecimento das casas locais, o envio de
correspondências formais das lideranças justificando ausências, ou seja, estas
pequenas considerações e o diálogo que faz o todo ser mais que a justaposição
das partes. Estas pequenas gentilezas, em meu tempo, eram uma espécie de
obrigação, que parece ter ficado fora de moda com o tempo.
Outro fenômeno que incomoda muito
é a banalização da figura do expositor. Talvez seja um efeito indesejado do
planejamento tipo “rolo compressor” dos estudos nas associações. Perguntemos
aos associados: quem gostaríamos de assistir nas casas espíritas, porque trarão
contribuições originais, incentivarão as atividades, nos trarão conhecimentos
úteis e relevantes? Quem nos faria sair da rotina semanal da reunião, passe,
tarefa, que incentivaria o encontro dos trabalhadores de grupos diferentes, que
nos faria sair motivados e reflexivos da casa espírita? Quem é um estudioso com
domínio diferenciado de um determinado tema ou atividade? Isto parece estar
desaparecendo. Lembro dos tempos de juventude, quando receber Divaldo Franco,
Raul Teixeira, Honório Abreu, Jorge Andréa dos Santos, era um desejo e uma
alegria. Lembro de ter viajado para o interior em busca dos estudos de Deolindo
Amorim, que após muitos anos pôde vir a Minas Gerais. Recordo-me das propostas
instigantes de revisão da assistência social apresentadas pelo Dr. Mário
Barbosa. Eram nomes de primeira linha que não apenas ouvíamos, mas líamos com
avidez e interesse.
Esta autonomia individualista e a
falta de cuidado com os órgãos federativos e representativos do movimento geram
eleições esvaziadas, grupos de trabalho sem respaldo, e, o pior, a falta de significado
real do esforço de construção coletiva do espiritismo na mente dos
frequentadores. Ouvi de uma liderança importante da casa que frequento que os
órgãos federativos são “sopas de letrinhas”. E não posso ficar irritado com
tamanha franqueza, tenho que refletir como foi que a casa que frequento e os
órgãos que a representam deixaram de ser membros de um trabalho conjunto para
se transformar no “lugar da missa”, um espaço geográfico que acostumamos a
frequentar semanalmente, tomar o passe, ouvir uma palestra ou participar de uma
reunião mediúnica, fazer uma tarefa assistencial e voltar para casa.