Muitos colegas dos tempos de
juventudes espíritas, agora com os cabelos grisalhos, estão escrevendo sobre
suas experiências, vividas no movimento espírita, tentando repassá-las para as
novas gerações e as direções de trabalhos.
Tive duas experiências
importantes no passado: fui professor de desenvolvimento de recursos humanos e
fui coordenador de evangelização infantil para crianças em situação de
vulnerabilidade social, em uma unidade nossa próxima de muitas favelas da Belo
Horizonte dos anos 80. Desde então, nossa casa tem um problema crônico de
formação de pessoas para este tipo de tarefa, não sei dizer o quanto este
problema atinge os demais centros espíritas.
Há uma discussão atual sobre o
nome a ser dado. Evangelização sugere apenas o ensino do evangelho e tem um pé
na prática eclesiástica, então o nome educação espírita parece bem mais amplo e
adequado. Contudo, isto não significa abandonar o ensino dos Evangelhos e dos
princípios que embasam fortemente a ética espírita. E também, penso que a
mudança de nomes não é algo que deva se transformar em “cavalo de batalha”,
porque já vi as pessoas discutindo para mudar palavras, sem qualquer
preocupação com a alteração da prática. Kardec dizia que “para ideias novas,
palavras novas”, então esta mudança deve ser o objeto central das nossas
preocupações, e não discutir para usar termos novos para conceitos velhos.
Nossa questão neste texto, contudo, é: como preparar evangelizadores ou educadores espíritas para o exercício de sua prática?
Tenho visto a realização de
cursos intensivos para a preparação deles. Contudo, é uma atividade bem
complexa, que não se resume a um curso de final de semana. Eles trabalham com a educação
de crianças em faixas etárias e condições socioeconômicas muito diferentes.
Para formar um professor de educação infantil nas escolas em geral, é
necessário o magistério ou a graduação em pedagogia. Nosso trabalho é voluntário
e pontual, então não há como exigir esta formação dos interessados, mas é
possível realizar uma série de ações complementares para o seu desenvolvimento na
tarefa.
No Lar Espírita Esperança, em
Belo Horizonte, implementamos nos anos 80 uma série de ações que visavam o
desenvolvimento do corpo de educadores espíritas, que foram.
- O horário da atividade foi expandido. Evitamos que os voluntários chegassem “correndo”, na hora da aula e saíssem “voando” após a entrega dos alunos aos pais.
- Reuníamos o grupo sessenta minutos antes, não apenas para uma prece e avisos gerais, mas para um pequeno estudo ligado à evangelização. Os temas eram teóricos ou práticos e variados. Podiam tratar de alguma aula bem sucedida, alguma questão psicológica no relacionamento professor-aluno, algum tema pedagógico. Era feito pelo coordenador, mas podia contar com a colaboração de algum convidado ou membro do grupo. Assim o grupo começava a se tornar o que os cientistas sociais chamam de “comunidade de prática”.
- Os novos educadores não iniciavam sua prática em uma sala de aula fixa. No primeiro ano, eles ficavam por dois meses em cada sala de aula (tínhamos turmas divididas por faixas etárias), observando como os educadores planejavam suas aulas, como lidavam com as crianças, e colhiam experiência. Ao final dos dois meses, eles eram responsáveis por uma aula na turma em que "estagiavam". A cada quinze dias, os “estagiários” se reuniam com a coordenação para compartilhar suas experiências e seus problemas. Nesta conversa rápida de trinta minutos, ia ficando mais claro se eles se identificavam com o trabalho, quais suas preferências e suas dúvidas e demandas. Esta conversa poderia gerar temas para a reunião anterior às aulas.
- Como os voluntários tinham dificuldade em reunir-se durante a semana para planejar suas aulas, eles se reuniam no dia da tarefa, após a saída dos alunos, para preparar as próximas aulas. Trabalhavam em conjunto, podiam conversar sobre os alunos, seus acertos e erros, seus problemas em sala de aula. Com esta prática, os educadores mais experientes interagiam com os novatos e os “estagiários”. Tinham acesso a todo o material pedagógico (não era muito) disponível na unidade e podiam usar os recursos da mesma para preparar as aulas. Uma hora era mais que suficiente para esta fase do trabalho.
- No meu primeiro ano como evangelizador, meus colegas mais experientes tinham por prática fazer os planos de aula. Eu aprendia a técnica com eles, e a usei muito depois, até mesmo na minha experiência como professor universitário. Da forma que era elaborado, o plano permitia a visualização do tema, dos conteúdos, das estratégias didático-pedagógicas a serem usados, da distribuição das atividades pelo tempo e de como avaliar sua apreensão pelas crianças.
- Como registrávamos os planos em cadernos, eles passaram a ser usados como material de consulta por outros evangelizadores. Infelizmente eu os perdi nas muitas mudanças que fiz ao longo da vida. Por esta razão tenho publicado no Espiritismo Comentado as histórias de Antonina e de outros educadores, mesmo sabendo que ainda não conseguimos atingir o público-alvo: os educadores infantis de espiritismo.
- Oferecíamos um curso de curta duração para formação geral pelo menos uma vez por ano. Uma limitação era que visávamos apenas os jovens da casa. Hoje, neste tipo de iniciativa, há uma interação entre casas diferentes na capital de Belo Horizonte, e públicos diferentes, como os frequentadores de grupos de estudo, ESDE e até mesmo reuniões públicas.
- Na capital mineira, hoje, há eventos voltados para educadores experientes. Infelizmente, muitos deles não veem a necessidade de participar. É importante que a programação destes eventos deixe claro o que eles irão agregar à sua experiência, para que não reajam com o velho preconceito de que não irão aprender nada, que é “mais do mesmo”.
- Montamos grupos de estudo de voluntários para desenvolver material sobre diferentes estratégias de educação. Chamou-se Projeto Evangelizar. Um grupo preparou um trabalho sobre música nas aulas. Outro grupo trabalhou com fantoches, com teatro de sombras e com como preparar material de apoio pedagógico em geral. Um terceiro grupo preparou um trabalho sobre planejamento de ensino. Um quarto grupo ensinou sobre jogos e recreação... Já nem me lembro mais de quantos trabalhos foram feitos. Ao final da elaboração os membros do grupo apresentavam ao corpo de educadores da Associação Espírita Célia Xavier para que o conhecimento circulasse e atingisse seu objetivo.
- O Professor Raul Teixeira, de Niteroi – RJ, em sua pós-graduação teve contato com a “elaboração de objetivos de ensino”, de Mager e Pipe (e outros autores), e fez uma oficina com todos os que trabalhavam com educação (infância, juventude e adultos) em nossa casa espírita. Os autores mudavam o foco do planejamento do ensino para o planejamento da aprendizagem, e discutiam a articulação entre objetivos gerais (de planos) e objetivos específicos, técnicas de escrita de objetivos, entre outros.
- Observamos que a aprendizagem das crianças em geral, e principalmente das crianças em situação de vulnerabilidade social era baixa. Pensamos à época em fazer uma programação mais voltada à conexão entre o espiritismo e a vida infantil, que uma adaptação do roteiro de ensino do espiritismo para adultos.
Alguns dos
voluntários desta época continuam na tarefa até hoje, levaram sua experiência
para onde foram, para outras casas espíritas, para outras cidades... Creio que hoje há
muito o que agregar à experiência de trinta anos atrás. Pedagogia de projetos, construtivismo,
novos recursos com a revolução da informática, barateamento de publicações,
surgimento de novas editoras espíritas, aumento da formação superior nos meios
espíritas...
O mais
importante é que a educação espírita infantil não seja um mero improviso, que
não seja uma mera exposição ou um esquema padrão de aulas, que ela envolva as
crianças e que crie laços entre elas e a casa espírita. Que se pense não em
treinamento de educadores, mas no seu desenvolvimento continuado através de
ações diversificadas e na construção e reconstrução do conhecimento não formal através das
gerações. Não sei se nossa experiência é útil a outras casas, em outros
lugares, mas sei que há muito o que ser feito e que precisa ser bem feito.