Imagem: Capa do livro Autismo, de Hermínio Miranda.
A jovem chegou na sala de evangelização, indicada pelo médico
espírita. Já tinha 15 anos, mas, após conversa com a coordenação do trabalho,
os pais a levaram para a turma de 11 e 12 anos.
O primeiro dia foi particularmente difícil para todos os
envolvidos. Os pais ficaram no corredor, do lado de fora da sala. Tudo era
muito novo para a nossa jovem e para a turma, que em grande parte já se
conhecia. Os evangelizadores perguntavam-se se daria certo. Eles se perguntavam
qual seria o benefício para a nossa nova aluna. Será que ela aprenderia?
Ela se portou de forma quase irrepreensível. Ficou
quietinha, no seu cantinho. Entrou em luta interna para estar presente naquele
ambiente estranho, diferente. Não permitiu que ninguém encostasse nela, e
desviou-se silenciosamente das mãos dos passistas ao final da aula, mas não
gritou, nem destratou ninguém.
Outro dia, ela não quis levar o trabalho que fizeram em sala
para casa. Exerceu seu direito cidadão de deixá-lo na sala de aula, mesmo
informada que era seu. Mas o trabalho foi feito por ela. É uma vitória, algo a
ser comemorado internamente pelos envolvidos, sem alacridade, apenas respeito.
Respeito, por sinal, não falta na relação dos colegas para com ela. É uma
colega diferente, mas é colega como outra qualquer. Eles têm um cuidado
caprichoso, quase carinhoso, de não fazer o mesmo tipo de brincadeiras, às
vezes provocativas, que fazem uns com os outros. Não há queixas, nem perguntas
indiscretas sobre a presença dela. Acho que é uma aula de vida para eles, na
qual ela dá mais que recebe. E eles recebem com elegância. Quem sabe, um dia,
não terão a honra de receber alguém em sua vida com as mesmas necessidades
especiais de sua colega?
Passaram-se as semanas e o comportamento só melhora. Ela já
se sente meio em casa na sala de aula. Assiste as aulas, com seu silêncio, ora
com o olhar introspectivo, ora com o olhar de quem se interessa, mas fica “na
sua”.
O passe já faz parte da rotina da aula, e ela vai tomar o
copo de água fluidificada, espontaneamente, após o passe. Já não é mais
necessário desviar das mãos dos passistas. Como será que ela registra o passe?
Será que ela se beneficia das sensações e emoções que o passe desperta em quem
está em oração? Talvez.
Vale a pena o esforço dos pais? Levá-la semanalmente,
confiar nos evangelizadores e na turma, deixar sua pérola com eles? Vale, sim. Vale muito.
Oxalá outros pais
despertem para a importância da evangelização inclusiva, e nós aprendamos
também cada vez mais a conviver com as diferenças e a apreender as vitórias que
passam despercebidas ao mundo.