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26.9.16

SONHOS: DESEJOS OU FANTASMAS?



Um dos livros que li na disciplina de psicanálise, quando cursava a graduação foi “A interpretação dos sonhos”, de Sigmund Freud. O livro foi publicado em 1899, mas com a data de 1900. Lembro-me que minha professora comentara que Freud acreditava que seria uma grande contribuição para o século que iria se iniciar.

De uma forma geral, não estudamos no curso de Psicologia os autores do século XIX e início do século XX que também escreveram e pesquisaram sonhos, especialmente os filósofos espiritualistas, então Freud fica apenas com os interlocutores que ele próprio escolheu em seu livro.

Há pouco traduzi o livro “Os fantasmas e suas aparições” de Alfred Russel Wallace, naturalista de renome na história da biologia. Os artigos que compõem este pequeno livro foram publicados em 1891, e, curiosamente, têm uma parte de análise de sonhos, alguns deles descritos no livro “Os fantasmas dos vivos”, publicado ainda antes pela “Society for Psychical Research”. Os sonhos não são o tema central do livro, mas achei muito interessante ver que Wallace estava discutindo a tese do “segundo self”, ou “ego inconsciente”.

Um dos sonhos que ele analisa é:

“o caso da Sra. Menneer, que sonhou por duas vezes na mesma noite que ela viu seu irmão decapitado aos pés da cama com sua cabeça dentro de um cofre ao seu lado.” (Wallace, pág. 68)

Seguindo a explicação do pai da psicanálise, este sonho seria entendido como uma realização “alucinatória” de um desejo, ainda que tendo sofrido a distorção onírica, em função da defesa.

Voltando à história, o irmão da sonhadora estava em Sarawak, com Sir James Brooke, e foi morto durante a insurreição chinesa, tentando defender a Sra. Middleton e suas crianças. Seu corpo foi levado ao rajá e sua cabeça foi “cortada e carregada em triunfo, seu corpo foi queimado na casa do rajá”.



Sir James Brooke

A data do sonho “coincide aproximadamente” com a morte do Sr. Wellington, e seguramente a notícia ainda não tinha sido dada à Sra. Meenner, o que exclui a explicação a partir dos “restos diários”, ou seja, de se sonhar algo que foi visto ou vivido em estado de vigília, mas que carrega um conteúdo emocional.

Estou citando apenas um caso, dos que foram analisados e descritos por estudiosos espíritas e espiritualistas, e até mesmo por estudiosos sem vínculo com o espiritismo, para defender que de alguma forma houve a percepção de um evento acontecido à distância, seja por telepatia, seja por comunicação com espíritos desencarnados.

Acredito que psicanalistas que entendem que todo sonho é realização de desejo irão sustentar sua teoria, ante este fato, entendendo tratar-se de coincidência ou acaso (que o evento tenha acontecido à distância). Contudo, há muitos casos documentados, posso assegurar que às dezenas, se, além das obras de Wallace, considerarmos também o livro “O desconhecido e os problemas psíquicos” de Camille Flammarion, que apresentam associações entre conteúdo onírico e eventos acontecidos à distância, desconhecidos do sonhador.

Não adoto a posição extrema de Wallace, que ataca as teorias do inconsciente, mas concordo com ele, que em matéria de ciência, as teorias têm que explicar o conjunto de fatos, e não apenas os que deixam o pesquisador mais confortável com sua forma de pensar. Quanto a Freud, cabe, talvez um reparo: Os sonhos podem ser uma forma alucinatória de realização de desejos, mas nem sempre...

15.6.08

História do Espiritismo é Capa da Revista de História


A Revista de História da Biblioteca Nacional publicou dois excelentes artigos sobre a história do Espiritismo no Brasil.
O primeiro artigo é de um antropólogo namorador de história, já conhecido e reconhecido pelos seus estudos sobre o Espiritismo, Emerson Giumbelli. Ele ganhou em 97 o segundo lugar nacional do prêmio "Arquivo Nacional de Pesquisa" pelo seu trabalho "O Cuidado dos Mortos".
Giumbelli apresenta no seu artigo o surgimento do Espiritismo no Brasil e suas conexões com a mediunidade receitista. Ele valoriza o papel da assistência social através da mediunidade receitista no Brasil, que se tornou o primeiro grande elo entre os espíritas da elite e o povo (tese que desenvolve a partir do pensamento de Sylvia Damázio). Não sei se esta maxivalorização da mediunidade receitista reflete bem a época, se olharmos o movimento intramuros. Talvez tenha sido um dos eventos que maior visibilidade deu ao Espiritismo Brasileiro na imprensa leiga.
O autor apresenta um velho objeto de seus trabalhos, os episódios dos conflitos entre a sociedade brasileira e o movimento espírita devido ao código penal de 1890.
Depois trata de outros assuntos interessantes: O crescimento das adesões à FEB nas décadas de 20 a 40 e o papel de Chico Xavier na consolidação do Espiritismo no Brasil.
Ele propõe uma conexão temporal entre o lançamento do conhecido "Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho", a escolha de Nossa Senhora Aparecida como padroeira do Brasil, a inauguração da estátua do Cristo Redentor e a constituição da Umbanda como movimento e primeira religião genuinamente brasileira. Seriam o médium de Pedro Leopoldo e o autor espiritual influenciados por um espírito de época no qual se tentava não apenas na esfera religiosa, mas também na política e cultural, uma reconstrução da identidade nacional?
Outra contribuição original do autor é a passagem que ele faz da mediunidade receitista no movimento espírita pela desobsessão e tratamento através de passes. É uma questão instigante, mal desenvolvida, mas que me parece ter outros contornos, inclusive o próprio surgimento da Umbanda e os conflitos internos do movimento devido às influências orientalistas. Cabe lembrar que a desobsessão é prática desde os tempos de Kardec.
O segundo artigo é um retrato vivo da reação dos médicos da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro ao movimento espírita. O Espiritismo é tomado como uma questão de saúde pública (pasmem!) e uma das teses aprovadas defende que ele deve ser combatido da mesma forma que se fazia "à sífilis, ao alcoolismo, aos entorpecentes, à tuberculos, à lepra e às verminoses". A influência naturalista de Haeckel e dos Higienistas.
Juliano Moreira outro autor influente nesta escola, com formação alemã, propôs a criação de "semanas antiespíritas" que mobilizassem a sociedade contra o "mal".
Um resgate importante do segundo artigo de Arthur Isaia nesta revista é a tese (recusada) do desconhecido (por nós, espíritas) Brasílio Marcondes Machado. Considerada corajosa, ele se opôs ao pensamento do establisment da FMRJ, e defende posições espíritas com base no pensamento de Bezerra de Menezes, e voltando-se contra Franco da Rocha, que pensava poder conseguir explicar os fenômenos espíritas com a Psicanálise Freudiana, reduzindo-os ao inconsciente. Machado usa Flammarion para opor-se a Grasset, e acrescenta a noção de "superconsciente", que posteriormente será endossada por André Luiz em sua obra. Possivelmente Machado teria sido influenciado pela obra de Gustave Geley, que, anteriormente a ele, já defendia a existência de uma "subconsciência superior".
As matérias estão ilustradas com fotos muito significativas, são uma bela contribuição ao pensamento espírita e à sociedade brasileira.

9.6.07

Carlos Imbassahy


Vendo o rumo que tomam os debates no Movimento Espírita, recordei-me de um grande homem a quem tento, mas não consigo seguir os passos. O texto abaixo mostra um dos inúmeros episódios de polêmica no qual fez a defesa do Espiritismo, com uma elegância tal que não fazia inimigos. Acho que estes tempos se foram, mas nada impede que voltem.

"Certo dia o grande Medeiros e Albuquerque, autor de "Graves e Fúteis", membro da Academia Brasileira de Letras, orador renomado e uma das mais brilhantes penas do Rio de Janeiro, resolveu atacar o Espiritismo. Era psicanalista e escolheu para tema de um de seus inúmeros artigos os fenômenos espiríticos, procurando demonstrá-los à luz da interpretação freudiana.

Meu pai arvorou-se em rebater-lhe o artigo: escreveu a réplica e pediu a meu avô, crítico musical do Jornal do Brasil, que o fizesse publicar no referido periódico.

Como genitor, também dedicado às letras, antes de atender ao pedido do filho, fez-lhe ver que aquilo era loucura: querer discutir com um homem cuja pena todos temiam com justa razão.

- Não se importe, meu pai: ele sabe escrever, porém não conhece Espiritismo e nisso não leva nenhuma vantagem.

O redator do jornal adorou a idéia dessa polêmica e mandou publicar o trabalho, embora comentasse para o velho Arthur:

- Seu filho vai se meter em palpos de aranha; o Medeiros irá reduzi-lo, que não lhe poupa ninguém!

Mas a resposta do grande Medeiros e Albuquerque que tardava, para espanto geral.

Estava meu pai em seu trabalho, na "Estatística", à Rua Luiz de Camões, quando um contínuo veio anunciar-lhe que um senhor meio surdo desejava falar-lhe.

- Mande-o entrar.

E o convidado não se fez esperar. Um senhor bem apessoado dirigiu-se a meu pai:

- Talvez não me conheça... sou Medeiros e Albuquerque.

- !

- ... Vim porque li seu artigo e desejo respondê-lo, porém, por um princípio íntimo de honestidade, gostaria de debater alguns pontos críticos...

E começou a indagar coisas de Espiritismo. Uma conversa agradabilíssima de um homem erudito, fino, polido em toda íntegra, a inquirir pelo desejo de conhecer, debatendo o tema.

No dia seguinte, fez publicar um artigo no qual declarava que tomava conhecimento da resposta de meu pai e que, em breve, voltaria ao assunto, assim que reunisse elementos para a polêmica.

E as visitas tiveram continuidade, só a contra-resposta é que nunca foi escrita: dizem mesmo que, ao fim da vida, Medeiros e Albuquerque houvera declarado.

- Fui materialista durante esta existência; se houvesse religião que eu pudesse aceitar, esta seria o Espiritismo." (Memórias Pitorescas de Meu Pai, Carlos de Brito Imbassahy, 2a. ed, 1989, p. 283-284)


Passaram-se os anos e Medeiros e Albuquerque, espírito, deixa duas pérolas no livro "A Canção do Destino", citado abaixo.