Estávamos em um táxi, na região da Luz, em São Paulo, com um motorista silencioso, quando passamos em uma localidade que, em
princípio pareceu-se com uma concentração de moradores de rua. Aos poucos, o
carro foi passando e a nossa impressão é que se tratava de muita gente para ser
apenas moradores de rua. Quem sabe não seria uma manifestação?
A multidão continuava. Eram
pessoas assentadas, outras deitadas, algumas desacordadas. Muita fumaça de
cigarro, alguns enrolados em palha, como vi muitas vezes os moradores da roça
fazerem e usarem na minha infância.
O ambiente era ruim, estranho, e
a pergunta saiu de chofre:
- Esta é a cracolândia? Estamos
na cracolândia?
O motorista quebrou seu silencio,
e com uma expressão de desconforto respondeu, lacônico.
- É.
Começamos a observar as pessoas,
e nosso condutor resolveu nos explicar.
- Ficam aí de dia e de noite. O
prefeito tentou interná-los, mas houve reação dos “direitos humanos” e eles
voltaram para a rua.
- É por isso que há policiais ao
redor? Perguntou minha esposa.
- Sim, mas não adianta nada. De
vez em quando eles saem em forma de multidão, saqueando. Estão vendo aquelas
lojas? Já estão quase todas fechadas, após terem sido saqueadas diversas vezes.
Quando isso acontece, a polícia não tem reação.
Ele nos mostrou as instalações
construídas pelo prefeito de São Paulo para triagem, banho e acolhida. Uma
enorme estrutura, com aspecto de abandono. Nosso condutor continuou sua
explicação:
- Ficam algumas assistentes
sociais em meio ao povo, oferecendo auxílio do Estado. De vez em quando uma
pessoa aceita ajuda, mas a maioria é indiferente ao trabalho delas.
Mesmo morando na capital mineira, nunca havíamos visto algo
igual. Eu já havia visto as imagens da
cracolândia através da tela da televisão, mas a impressão de estar ao lado das
pessoas, mesmo de dentro de um automóvel, é incomparável.
Ficamos lembrando das descrições
que encontramos sobre o “umbral”, através da mão de Chico Xavier, guiada por
André Luiz. Espíritos que compartilham o mesmo espaço, em sintonia uns com os
outros, esquecidos da vida, ou pior, acreditando que a vida se resume a essa
experiência que se encontram vivendo.
As assistentes sociais em meio ao
magote de pessoas lembram os espíritos que ingressam em tarefa, tentando
sensibilizar os “habitantes” do umbral a mudar seus pensamentos e a abrir
espaço para outro tipo de vivência. Nem sempre são bem sucedidos, porque muitos
sofrem, mas preferem continuar com seu estilo de vida.
Manoel Philomeno de Miranda e
André Luiz descrevem espíritos que se agrupam e tentam algum tipo de violência
coletiva, algo semelhante aos “cracklanders” que furtavam os vendedores da
região.
Não é uma penitenciária, um lugar
para se cumprir uma pena posta por autoridade da lei, mas uma escolha, aos
nossos olhos, infeliz. Quanta gente jovem, que poderia escolher outra
trajetória de vida largada no amontoado, no meio da rua. Que fazer para ajudar
as pessoas a escolher melhor seu destino?