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30.5.20

A HISTÓRIA DA REDAÇÃO E TRADUÇÃO DA BÍBLIA CONTADA POR HISTORIADORES


Bíblia de 1200 anos recuperada de contrabandistas


Os historiadores e arqueólogos têm se dedicado bastante a escrever uma história baseada em documentos, achados arqueológicos e história comparada do cristianismo, com bons frutos. Na França do século 19 iniciou-se o afastamento entre a teologia e a história do cristianismo, que ficou cada vez menos apologética e mais compreensiva e crítica.


A cada dia se descobre mais sobre a Bíblia e, em especial sobre os textos dos cristãos primitivos. A hipótese mais aceita pelos historiadores é que houve inicialmente uma tradição oral, que os primeiros escritos devem ter sido as Cartas de Paulo e que aos poucos surgiram registros escritos dos ensinos de Jesus. Aceita-se também, nos dias de hoje, que o primeiro evangelho escrito foi o de Marcos (64), sucedidos por Mateus e Lucas (70-80). É também aceita uma hipotética fonte Quelle, também um proto-evangelho, que teria sido consultada na formação dos dois últimos evangelhos sinóticos. Analisando o grego e as imagens contidas no evangelho segundo João (90-110), os estudiosos entendem que ele teria sido o último a ser escrito ou composto, já influenciado pelo pensamento grego. O livro de Atos dos Apóstolos seria uma espécie de continuidade do texto do evangelho segundo Lucas. 



Os historiadores não têm como afirmar quem escreveu os evangelhos que lemos hoje. Sabe-se que eles se originam da tradição oral e, talvez, escrita, daqueles que lhe compõem o nome. Assim, os evangelhos segundo Lucas e Mateus, se originariam dos ensinamentos desses dois hagiógrafos sobre Jesus, embora essa posição não seja consensual. O evangelho de Marcos, tem a influência de Pedro, com quem João Marcos conviveu bastante. O evangelho segundo João é herdeiro da experiência do apóstolo considerado “mais amado”. 



Fonte: Apresentação "O cristianismo e o cristãos primitivos", Jáder Sampaio, 2020

Os textos originais não eram divididos em capítulos e versículos. Talvez tenham sido escritos como logia, ou ditos do Senhor. Frases curtas, narrativas rápidas, que aos poucos foram compondo um livro de ensinos cristãos. Eles não foram escritos com a finalidade de fazer história, nem têm finalidade biográfica, mas a de divulgar Jesus e seus ensinamentos. 


No último século descobriram-se textos cristãos no Egito (Nag Hammadi) e em Israel (Qmram) que datam dos primeiros séculos, o que ampliou o conhecimento sobre os cristãos primitivos. Sabe-se que com a divulgação do cristianismo pelos discípulos de Jesus, formaram-se comunidades pela Ásia, pela Grécia e depois por todo o Império Romano. 


Surgiram textos e textos nessas comunidades, todos tratando de Jesus e dos apóstolos, mas compostos de informações diversas dos demais, o que promovia diferenças entre as comunidades e as ideias teológicas cristãs. Diante esta multiplicidade de textos e de ideias, buscou-se um entendimento nos primeiros séculos sobre que livros deveriam ser reconhecidos e que ideias teológicas seriam corretas. Surgiu então o debate sobre as heresias, ainda no segundo século.

Essa escolha não é uma decisão fácil de ser implementada, especialmente considerando-se que algumas comunidades aceitavam um conjunto de textos e se estruturaram em torno deles, funcionando há décadas ou séculos. Surgiram estudiosos que sofreram o ataque de filósofos gregos, munidos da razão, e alguns procuraram usar a razão como forma de diálogo, ainda que uma razão serva da fé. Até nos dias de hoje nos perguntamos se as ideias rejeitadas realmente merecem anátema, e se as ideias aprovadas são as que representam o que era veiculado pelos primeiros cristãos, e se mereceram ser transformadas em dogmas.


Sabemos que os livros que hoje formam o cânon, ou seja, os 27 livros do novo testamento, foram escritos em grego popular (Koiné), com algumas palavras e expressões em aramaico, a língua falada na região da Judeia, Samaria e Galileia da época de Jesus. Há também citações do Antigo Testamento nos muitos diálogos retratados, como era costume dos judeus. O grego era uma boa escolha, porque até mesmo em meio aos judeus havia os helenistas, que cresceram em ambiente grego e falavam a língua. Assim os ensinos de Jesus atingiriam mais facilmente os chamados gentios, ou não-judeus. Pode-se dizer que o grego Koiné seria uma espécie de "língua internacional" em boa parte do Oriente Médio e na Grécia. Mesmo em Roma as classes superiores estudavam o grego e muitos liam os clássicos gregos, como é o caso do imperador Augusto.


Após o fim da clandestinidade do cristianismo no Império Romano, que aconteceu durante o governo do imperador Constantino, empreendeu-se um esforço de entendimento entre os cristãos, o que era do interesse também do imperador, que não poupou esforços para interferir no meio religioso com essa finalidade. O mais importante evento patrocinado por ele foi o Concílio de Nicéia (325), que, dentre muitas resoluções, tornou heresia a teologia de Ário ou Árius, e estabeleceu ideias para o que hoje os historiadores denominam como ortodoxia cristã. Na impossibilidade de uma solução lógica ou dialógica, optou-se por uma escolha política e uma espécie de imposição da maioria, que é questionada até os dias de hoje pelos estudiosos, em função da intervenção do Estado Romano. Na literatura espírita, Wallace Leal V. Rodrigues se posiciona dessa forma no livro A esquina de pedra.



Eusébio de Cesareia, em 330, tinha uma lista de 26 livros para o Novo Testamento muito próxima da atual. Ele considera questionáveis (antilegomena) diversos livros hoje considerados pseudepígrafos ou apócrifos, e até mesmo o Apocalipse de João ficou como dúvida.



No Sínodo de Laodiceia (363-364) ficou acertado que os livros aceitos seriam os atuais, com exceção ao Apocalipse de João. Houve também a proibição dos livros não-canônicos nas igrejas, o que vai fechando a possibilidade de discussão de ideias não pertencentes ao conjunto do cristianismo chamado ortodoxo pelos historiadores. Um texto que trata claramente sobre a reencarnação, como o Apocalipse de Paulo, não pode ser lido pela comunidade de cristãos (uma vez que pela palavra igreja não se entendiam as construções ou templos, mas o conjunto de membros). Os textos de Pelágio, que defendem o livre-arbítrio também. Podemos considerar essas decisões como precursoras do Index Prohibitorum, só que ao contrário (definiram o que se pode ler, em vez de o que não se pode ler).



A criação da vulgata latina que é a Bíblia em latim, é mais ou menos próxima da época em que o Império Romano permitiu a prática do cristianismo, e depois o tornou religião oficial do império. Viu-se que a língua grega, com que haviam sido escritos os textos do Novo Testamento, atingia apenas parte do império: não era mais a língua universal dos Romanos. É possível também que os interesses em se aprovar uma teologia única para a Igreja visse na tradução para o latim uma forma de divulgar os textos que compunham o cânone por todo o império e isolar os textos escritos em grego, copta ou outras línguas, considerados apócrifos. O mais importante é que quem falava latim (todo o Império Romano, presumo) e fosse alfabetizado, poderia ler a Vulgata. Os cristãos poderiam realizar suas práticas em latim, os responsáveis pela instrução poderiam ensinar o evangelho em latim e com essa língua, todo falante de latim teria acesso ao cristianismo. A palavra “Vulgata” significa para o povo.



Os atores dessa aventura cristã foram o papa Dâmaso I (Bispo de Roma), que em 383, baseando-se nas decisões do Concílio de Roma (382). Jerônimo de Estridão corrigiu a Vetus Latina, que era uma tradução latina do Novo Testamento existente, e terminou a tradução do Antigo Testamento hebraico para o latim em 405, em sintonia com o judaísmo rabínico, que considerava inadequada a Septuaginta (o antigo testamento escrito em grego).



Os anos se passaram, o cristianismo foi divulgado em outros povos, o Império Romano do Ocidente foi invadido por povos bárbaros, e embora muitos adotassem o latim, as línguas foram se modificando até atingir a pluralidade de línguas europeias que temos hoje. 



O império Romano do Oriente tornou-se o Império Bizantino, e a língua falada era o grego, que no início coexistiu com o latim e depois foi predominando. A igreja expandiu-se aos povos germânicos, eslavos e foi para a península escandinava e para as ilhas britânicas. Os missionários, para poder evangelizar, aprendiam e ensinavam o cristianismo nas línguas locais. A Bíblia, contudo, continuava em latim.



Passaram-se os anos e o latim era ensinado nas escolas para uma pequena elite religiosa e política e intelectual, mas não mais pelo povo. Perdeu-se o objetivo inicial, que era levar o conteúdo do texto cristão para o vulgo. Nessa história, a tradução da Bíblia para as mais diversas línguas faladas pelos cristãos só aconteceu após a reforma protestante. 



Como Lutero e os reformistas precisavam explicar ao povo a sua interpretação da Bíblia, isso só seria possível se o povo fosse capaz de ouvir e entender o que havia nas escrituras em seu próprio idioma. Foi uma das atividades que Lutero acabou realizando, após alguma relutância: traduzir a Bíblia para o alemão, o que fez em 1534. Com o surgimento da imprensa (1430), um século antes, as pessoas podiam ter mais acesso ao texto básico do cristianismo. 



Após Lutero, “protestantes” começaram a traduzir a Bíblia para seus idiomas, e, ainda assim, o Concílio de Trento (1546 – 1563) "bateu o pé", insistindo no latim. 

Li um livro  no qual os conservadores argumentavam que se a Bíblia fosse traduzida para as línguas faladas nos países, e qualquer pessoa pudesse ler, surgiriam interpretações “erradas” da leitura das traduções, o que geraria confusão [1]. A questão era tão delicada, que só no Concílio Vaticano II (1961 – 1962) a Igreja Católica declarou que as missas fossem celebradas nos respectivos idiomas das diferentes comunidades, encerrando o que se pode chamar de período latinizante.


___________________________________
[1] O livro dos Mártires, John Foxe. São Paulo: Mundo Cristão. Versão Kindle.

22.2.20

OS LIVROS SOBRE OS CRISTÃOS PRIMITIVOS


Fragmento de papiro do século 4, escrito em Copta, língua do antigo Egito. Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/12/sociedad/1397258047_321465.html

Um leitor interessado me pediu as fontes bibliográficas do seminário “Os cristãos primitivos e o espiritismo”, que fizemos no Cenáculo Espírita Thiago Maior. Confesso que a ressonância do trabalho foi muito maior do que imaginávamos. Atendendo aos estudiosos de plantão, sempre interessados em conhecer mais, vou fazer uma pequena lista das principais obras utilizadas.

Não estou apresentando livros cujo objetivo principal é a interpretação dos evangelhos, o que pode parecer desconhecimento ou restrição de autores importantes deste tipo de atividade, mas não é.

Como o leitor pode ver, não é uma lista feita por especialista para seus pares, mas um registro do percurso amador pela questão em estudo, feito por um espírita, compartilhada para um grupo de interessados.

Livros espíritas

Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo. Diversas editoras.

Allan Kardec. A Gênese. Diversas editoras.

Allan Kardec. Revista Espírita. (1858-1869) Edicel.

Léon Denis. Cristianismo e espiritismo. FEB.

Hermínio Miranda. Cristianismo: a mensagem esquecida. O Clarim.

Hermínio Miranda. O evangelho de Tomé: texto e contexto. Arte e Cultura. (Publicado hoje pela Lachâtre com o título: O evangelho gnóstico de Tomé)

Hermínio Miranda. Os cátaros e a heresia católica. Lachâtre.

Wallace Leal V. Rodrigues. A esquina de Pedra. O Clarim.

Wesley Caldeira. Da manjedoura a Emaús. FEB.

José Lázaro Boberg. O evangelho de Maria Madalena. EME.

Severino Celestino da Silva. O evangelho e o cristianismo primitivo. Ideia.

Cairbar Schutel. Vida e atos dos apóstolos. O Clarim

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Quando voltar a primavera. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Luz do mundo. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Primícias do reino. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Há flores no caminho. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Trigo de Deus. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. A mensagem do amor imortal. Leae.

Humberto de Campos psicografado por Chico Xavier. Boa Nova. FEB.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Paulo e Estêvão. FEB.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Há dois mil anos. FEB.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Cinquenta anos depois. FEB.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Ave Cristo. FEB.

Mauro Camargo. Ombra e Lutz (Romance) Lachâtre (Trata dos cátaros)
Pinheiro Martins. História da formação do Novo Testamento. CELD.

Canuto Abreu. O evangelho por fora. Edições LFU.

A Editora da Federação Espírita Brasileira publicou recentemente uma coleção de livros intitulada “O Evangelho por Emmanuel”. É uma compilação de todos os textos publicados, encontrados pela equipe. Foi organizada por Saulo Cesar Ribeiro da Silva e cada livro do Novo Testamento é precedido por informações históricas, literárias e hermenêuticas. Às informações encontradas em livros acadêmicos seguem-se as informações encontradas em livros ditados por espíritos, a maioria deles citados acima.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Interpretação dos textos sagrados. In: Caminho, verdade e vida. FEB.


Autores de Filosofia Patrística (Pais da Igreja)

Eusébio de Cesareia. História eclesiástica. Paulus.

Diversos autores. Padres apologistas. Paulus. (Inclui a Carta a Diogneto, de autor desconhecido).

Diversos autores. Padres Apostólicos. Paulus. (Inclui as epístolas de Clemente Romano, as de Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, O pastor – atribuído a Hermas – Carta de Barnabé e Didaqué).

Orígenes. Tratado sobre os princípios. Paulus.

Orígenes. Contra Celso. Paulus.

Philip Schaff. The early church fathers collection: the ante Nicene Fathers. (Tertulian, Minucius Felix, Commodian, Origen). (e-book)

Autores diversos

Da Terra aos Povos: A difusão do cristianismo nos primeiros séculos. Mostra arqueológica em painéis. Centro Cultural Presença.

Elaine Pagels. Os evangelhos gnósticos. Cultrix.

Henry Virkler. Hermenêutica avançada. Vida acadêmica.

Paul Veyne. Quando o nosso mundo se tornou cristão. Texto & Grafia.

Tim Dowley. Os Cristãos: uma história ilustrada. Martins Fontes.

Tim Dowley. Atlas da Bíblia e da História do Cristianismo. Vida Nova.

Bart D. Ehrman. Quem foi Jesus? Quem Jesus não foi? Ediouro. (e-book)

Bart D. Ehrman. Jesus existiu ou não? Agir. (e-book)

Henry Percival. The seven ecumenical councils. (e-book)

Flavius Josephus. Complete Works. Annotated Classics. (Translated by William Whiston). (e-book)

The gnostic gospels of Thomas, Mary and John. Dancing Unicorn Books. (e-book)

Carlos Verdete. História da igreja: das origens ao cisma do oriente (1054) Paulus. (e-book)

Giovani Reale e Dario Antiseri. História da filosofia: patrística e escolástica. Paulus.

Cassiano Floristán Samanes e Juan-José Tamayo-Acosta. Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. Paulus.

Simone Resende Mendes. Paulo e a Ekklesia de Corinto: conflitos sociais e disputas de autoridade no período paleocristão. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da UFES.

Bíblias

O novo testamento. (Tradução do grego para o português de Haroldo Dutra Filho) Edicei.

A Bíblia de Jerusalém. (Tradução por equipe de tradutores do Hebraico e do Grego para o português). Edições Paulinas.

Bíblia do Peregrino. (Edição Brasileira) Tradução original e notas de Luis Alonso Schökel. Paulus.

A Bíblia Sagrada (Edição Brasileira) Tradução de João Ferreira de Almeida. Imprensa Bíblica Brasileira.

Bíblia Sagrada. (Traduzida da Vulgata e anotada pelo Padre Mattos Soares). Edições Paulinas.



11.4.19

ENCONTRANDO JESUS A PARTIR DA ANÁLISE DOS EVANGELHOS





Ante a sugestão do Marcelo Bernardo, tenho lido nas horas vagas os livros de Bart Ehrman, um historiador e teólogo norte-americano, agora agnóstico, especializado no Novo Testamento e no cristianismo primitivo.

Ehrman tem um livro sobre a existência de Jesus (o Jesus humano e histórico). Há alguns autores defendendo a ideia de que Jesus seria um mito, oriundo de outros mitos divinos, sobre o qual os cristãos contaram histórias entre si e “inventaram” o cristianismo.

Um texto como costumo publicar no Espiritismo Comentado não tem tamanho suficiente (e se tivesse, não teria leitores...) para apresentar toda a discussão da questão, que envolve um grande número de argumentos, e, portanto, um debate significativo.

Uma das evidências que Ehrman usa para defender a existência de Jesus é a análise do texto evangelhos. Todos sabemos que os evangelhos foram escritos em grego. Como os escritores eram “bons de escrita”, possivelmente eruditos, os historiadores entendem que não devem ter sido os apóstolos, que eram possivelmente iletrados e que falavam aramaico (exceto Paulo e Lucas, que não conviveram com Jesus). Eles teriam dificuldade para aprender, falar e escrever corretamente o grego. Esse assunto também é polêmico, mas para entender Ehrman, vamos prosseguir desse ponto.

Um dos argumentos dele é a existência de palavras em aramaico no meio da narrativa grega. Dificilmente um escritor grego conheceria qualquer coisa de aramaico. Os evangelhos trazem, no entanto, palavras como rabi, talita cumi, messias, Cefas (o nome que Jesus deu a Pedro), entre outras. Não bastasse a existência das palavras, muitas vezes os escritores dos evangelhos a traduzem para o leitor, certos de que ele não entenderia seu significado.

Esta é uma das dezenas de evidências que as narrativas em torno de Jesus, surgiram na Palestina e eram faladas em aramaico, e que posteriormente os autores dos evangelhos ouviram e recontaram em grego. Se Jesus e os apóstolos fossem um mito, uma história baseada em histórias de deuses, considerando a amplitude das comunidades cristãs no século I, cada uma teria criado histórias próprias, sem um núcleo comum, totalmente diferentes umas das outras, o que não acontece nem mesmo nos evangelhos considerados apócrifos, que trazem em si muito dos textos dos outros evangelhos (como O evangelho de Tomé).

As palavras em aramaico, e os textos comuns, levam necessariamente o início do cristianismo para a região da Judeia, Galileia, Samaria, em torno dos anos 30 (outro ponto a ser sustentado, com as cartas de Paulo), por pessoas que originalmente falavam o aramaico e que depois se espalharam por cidades ao redor do mediterrâneo e dos países vizinhos aos antigos reinos de Israel e Judá.

Como disse acima, o livro é repleto de debates com os miticistas (pessoas que defendem que Jesus era um mito) e tem argumentação bem fundamentada. Quem se interessar pelo assunto leia:




Ehrman, Bart. Jesus existiu ou não? Rio de Janeiro: Agir, 2014. [Tradução da editora Nova Fronteira, feita por Anthony Cleaver]


5.3.19

UMA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SOBRE A EPÍSTOLA DE PAULO AOS CORÍNTIOS


Ruínas em Corinto

Jáder Sampaio

Ao preparar um estudo sobre o cristianismo primitivo, esbarrei na tese “Paulo e a Ekklesia de Corinto: conflitos sociais e disputas de autoridade no período paleocristão”, escrito por Simone Resende da Penha Mendes.

O trabalho é interessante, porque a autora se dispôs a articular o que se conhece em história com a interpretação do texto da epístola de Paulo aos coríntios.

Corinto era uma cidade grega importante, mercantil, situada na passagem entre o Mar Jônico e o Egeu. Foi destruída em 146 pelo general romano Lúcio Múmio, com o massacre e escravização dos gregos, tornando-se romana. A cidade que Paulo conheceu era um centro comercial habitado por romanos (pobres agraciados por César e veteranos de guerra), gregos (alguns com cidadania romana), judeus e outros estrangeiros.

As diferentes origens dos cidadãos de Corinto fez com que essa comunidade se tornasse uma espécie de “caldo de culturas”, embora as decisões políticas e o poder fossem exercidos segundo Roma. Outra questão que foi revista pela autora nos autores da historiografia, foi a relação patronal na comunidade nova. Ricos e pobres formavam a nova ekklesia fundada por Paulo.

Na perspectiva cristã, as relações sociais seriam pouco relevantes nas relações dos membros da ekklesia ou comunidade. Uma nova ética é proposta por Jesus e se impõe aos códigos de moral das diferentes culturas existentes. Apesar disso, era inevitável, que uma autoridade romana tivesse problemas de convivência no espaço da comunidade com um estrangeiro, escravo ou pobre. Era provável que houvesse também um conflito entre os costumes dos membros da comunidade, porque os costumes judaicos são bem diferentes dos romanos, por exemplo. O pensamento grego também se distingue da tradição judaica, mais interpretativo-religiosa que sistêmico-filosófica. Os pequenos conflitos começam a surgir no dia-a-dia após a criação de uma nova forma de estabelecer relações sociais em uma cidade romana.

A comunidade de Corinto foi fundada no ano 50 por Paulo de Tarso. A autora afirma que ele provavelmente ficou na cidade por 18 meses (p. 56 e Atos 18:11). Nesse tempo ele trabalhava como tecelão, fabricando tendas (Atos 18:3) com Áquila e Priscila (ou Prisca[1]). É curioso, porque na cultura hebraica, aos sacerdotes era devido algum pagamento, o que fez com que Paulo lembrasse isso à comunidade em uma de suas epístolas.

A autora discute as teorias sobre quantas epístolas Paulo realmente teria escrito. Os autores consultados falam em oito epístolas, das quais uma se perdeu e as demais foram usadas na composição dos textos das duas epístolas da Bíblia. Simone conclui que duas se perderam (p. 62), que I Coríntios é composto de duas epístolas e que II Coríntios é composto de outras quatro epístolas, em resumo. Ela, contudo, defende a autoria de Paulo.

Além de Áquila e Priscila, outros personagens são nominalmente citados nas epístolas, dentre eles, Apolo. Simone (p. 137) localiza no livro de Atos (cap. 18), que se trata de um judeu nascido em Alexandria, eloquente e versado nas escrituras. A autora explica que ele tinha habilidade retórica, possivelmente superior à do próprio Paulo, o que o levaria a justificar que seu trabalho era “anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria da linguagem” (I Coríntios). Apolo era amigo de Paulo, e é um dos que levam a ele informações sobre a comunidade cristã de Corinto. Simone Mendes especula se ele não teria sido influenciado por Filo ou por autores do paleocristianismo de Alexandria, antes de ter vindo a Corinto.

Os Conflitos

Simone classifica os conflitos da ekklesia de Corinto em dois tipos: os conflitos políticos e os de conduta.

Um dos conflitos políticos foi a divisão de alguns dos membros da comunidade entre os “de Paulo” e “de Apolo”, que a autora interpreta como sendo a origem de uma série de considerações que Paulo faz nas epístolas. Apolo teria uma formação mais filosófica e Paulo falaria mais diretamente. Simone entende que os “simpatizantes” de Apolo (I Coríntios 3:3-6) valorizavam mais a sabedoria do mundo, o que teria levado Paulo a contrapô-la com a sabedoria de Deus, revelada pelo "espírito", (I cor 1:17, 2:16 e pág. 139 da dissertação de Simone Mendes).

A autora identifica 14 conflitos políticos em seu trabalho (p. 135) que os interessados podem estudar posteriormente.

Outra categoria foi identificada como conflitos de conduta, que a autora mostra ter origem nas diferenças culturais e morais dos membros da comunidade. Assim se encontra uma discussão sobre o uso de véu nas reuniões da ekklesia, outra sobre um membro que passou a viver com a mulher do pai, o recurso a tribunais gentios, possível manutenção de relações sexuais de membros com prostitutas, questões relativas a virgindade e casamento, consume de carnes sacrificadas aos ídolos, e ocupação de lugares na ceia do senhor (não havia missa à época, mas uma refeição comunal). A explicação de cada um desses conflitos pode ser lida nas páginas 121 e seguintes da dissertação.

Costumes diferentes, ética cristã e uma nova moral

O que se observa no trabalho do Programa de Pós-Graduação em História da UFES é uma análise das epístolas de Paulo aos coríntios que mostra a dificuldade em se construir uma comunidade formada de pessoas de diferentes origens, culturas e costumes. Ao resolverem viver como comunidade, os membros de Corinto são desafiados a reconstruir seus valores em uma perspectiva cristã. Paulo age como uma liderança, discutindo os problemas que surgem à luz dos ensinos de Jesus.

As epístolas são analisadas pela autora como uma reflexão paulina diante dos desafios que o convívio entre cristãos-judeus e cristãos-gentios se amplia, em lugar de ser lidas como um código de conduta cristã. Muitas das questões de conduta, por exemplo, são de ordem prática, e não foram abordadas por Jesus em suas pregações ou em seu convívio com os apóstolos, uma vez que todos eram oriundos da cultura hebraica e não havia conflito naquilo que habitualmente já faziam da mesma forma. As soluções paulinas para os problemas da época ganharam visibilidade e aceitação pela comunidade cristã como um todo, o que mostra que eram problemas comuns e que as soluções eram bem vistas.

O estudo do cristianismo primitivo ou paleocristianismo interessa a nós, espíritas, porque há diferenças marcantes entre as comunidades primeiras e as que se formaram após a fusão entre o movimento cristão e o estado romano. Esse evento “divisor de águas” se inicia no governo de Constantino, no século IV.




[1] Πρισκιλλαν, do grego, pode ser traduzido para o latim como Prisca. As diferentes Bíblias que lenho traduzem o nome da esposa de Áquila para Priscila. Na Bíblia em latim (Sacra Vulgata), o nome se encontra grafado Priscillam.

14.1.17

QUEM É O PRÓXIMO?

Fonte: http://iejusa.com.br/civilizacoesantigas/imagens/7_55.jpg


Na parábola do Bom Samaritano (Lucas 10:29-36) o doutor da lei pergunta a Jesus: “Quem é o meu próximo?”, esta pergunta havia sido feita após se ter conversado sobre a lei moisaica, mais especificamente sobre uma passagem do Levítico, na qual se fala para “amar ao próximo como a si mesmo” (Levítico 19:18)

Lendo mais detidamente a citação, no texto de Moisés, Yahweh está tratando da justiça no julgamento. Inicialmente ele fala para não tratar de forma diferente o pobre e o rico (19:15), depois fala do compatriota (irmão) e recomenda repreender, para que não se cometam crimes de vingança entre os israelitas. Então se escreve:

“Não te vingarás e não guardarás rancor contra os filhos do teu povo. (grifos meus) Amarás  o teu próximo como a ti mesmo” (Lev. 19:18)

Vê-se aqui que a lei mosaica tenta fazer que os israelitas se tratassem como irmãos, ou seja, que se aceitassem sem distinção de riqueza ou pobreza e que renunciassem à vingança de sangue entre si, para tratar suas diferenças dentro da lei. Neste contexto, o próximo a que se refere Yahweh são os compatriotas.

Se aceita esta acepção, faz sentido a questão proposta pelo doutor da lei a Jesus. Quando ele pergunta quem é o próximo dele, ele esta perguntando se o alcance da exigência da lei são os seus compatriotas, apenas, mas Jesus vai estabelecer que se deve amar as pessoas sem a distinção de nacionalidade.

Ao contar a parábola, Jesus elege como herói um samaritano. Ele toca em uma rixa antiga dos descendentes de Abraão. Após o reinado de Salomão, os hebreus se dividiram em dois reinos: Israel e Judá. O reino de Israel tem a Samaria como capital, mas foi conquistado pelo  assírio Sargão II em torno do século VIII a.C., o que gerou uma espécie de influência religiosa oriental nos costumes da região. Os samaritanos, contudo, continuavam aceitando os cinco livros da lei moisaica, mas os judeus, na época de Jesus, condenavam estas diferenças e alimentavam a separação. A rixa com os samaritanos ia ao ponto destes terem seu próprio templo, o que os isolava do templo de Jerusalém.

Habitantes do reino de Judá e habitantes do reino de Israel se viam como diferentes. Eles, por consequência, não se viam como "próximos", embora ambos vivessem sob as regras da lei moisaica.

Os Romanos dividiram a o antigo reino de Salomão, na época de Jesus, em regiões administrativas, entre as quais se encontram  a Judeia, a Samaria e a Galileia. Eles geralmente observavam as semelhanças culturais para que seu domínio fosse principalmente na esfera de governo, evitando controle militar ostensivo. Era uma ideia política herdada dos gregos: "Dividir para conquistar". Estas três regiões continuam sob a influência da lei de Moisés, mas a divisão deve ter evidenciado a percepção das diferenças.

Na história que Jesus conta, um suposto judeu, assaltado e deixado ferido para morrer, é socorrido por um samaritano, ao mesmo tempo em que um sacerdote e um levita judeus o deixaram no caminho. Então Jesus pergunta ao doutor da lei quem era o próximo da vítima de assalto, e seu interlocutor admite que é o samaritano, com as palavras “aquele que usou de misericórdia para com ele”.
Jesus propunha uma ampliação da noção de “próximo”. Ela incluiria até mesmo os estrangeiros, e mesmo os que fossem inimigos dos Judeus, como os romanos, por exemplo. É por esta razão que Jesus afirma no sermão da montanha:

“Ouvistes o que foi dito: “Amarás o teu próximo” e “odiarás o teu inimigo”.  Eu, porém, vos digo: Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem, para que vos torneis filhos do vosso Pai [que está] nos céus, já que seu sol desponta sobre maus e bons, e cai chuva sobre justos e injustos” (Mateus 5:43-45)

Jesus propunha que culturas diferentes pudessem conviver sob uma lei maior, a do Pai. Que não houvesse xenofobia e preconceito no trato entre diferentes. Como alguém que morou a vida quase toda na Galileia, ele percebia que os galileus eram vistos pelos habitantes da Judeia como inferiores,  não importa o quanto vivesse de acordo com a lei.

A universalidade da noção de próximo possibilitou aos cristãos uma ampliação além dos limites da cultura e costumes hebraicos. Como estas questões regionais ficaram distantes no tempo, e passamos a estudar apenas superficialmente a época, a noção de próximo passou para o nível individual, e é geralmente interpretada, hoje, como “qualquer pessoa”, o que gerou um problema para o entendimento dos inimigos, que deixaram de ser inimigos do estado ou da cultura hebraica, e passaram a ser entendidos como inimigos pessoais. Allan Kardec percebeu a estranheza da frase “amai os vossos inimigos” no capítulo XII de O Evangelho Segundo o Espiritismo.
Nos dias de hoje, em que o mundo, e especialmente a Europa, se vê diante da questão da xenofobia, decorrente das migrações oriundas de regiões de guerra e fome, o ensinamento de Jesus nunca foi tão atual.

5.1.16

TERTULIANO E OS CRISTÃOS DO SEGUNDO SÉCULO



Tertuliano


Consegui na internet uma tradução para o português do livro Apologia (feita por José Fernandes Vidal e Luiz Fernando Karpss Pasquotto), escrito por Tertuliano no ano 197. O autor é citado por Léon Denis no seu Cristianismo e Espiritismo, pela proximidade de algumas ideias com o espiritismo. Ele foi mestre de Orígenes, que defendeu abertamente a preexistência das almas, como forma de explicar a justiça divina, entre outras posições que lhe valeram, no futuro, a acusação por heresia.

Tertuliano era de Cartago, no continente africano. "e exercia a profissão de advogado quando se converteu".

Nos primeiros capítulos de sua Apologia, Tertuliano faz uma peça de defesa contra o "crime de ser cristão", que é encantadora. Neste texto se vê o que já li em Amélia Rodrigues e outros autores espirituais, que bastava ao cristão negar ser cristão publicamente, e sacrificar aos deuses, para ser absolvido.

Tertuliano desenterrou um texto de Plínio, o moço, no qual ele questiona ao imperador Trajano por que perseguir os cristãos, que, em suma, nada de mal faziam ao império, a não ser não sacrificar aos deuses. Trajano afirma que não deveriam ser perseguidos, mas se fossem trazidos diante dele, deveriam ser punidos.

O advogado cartaginês vai apontar passo a passo todas estas contradições do discurso imperial, comparando o cristão ao criminoso comum. Ele mostra que o criminoso comum costumava ser torturado até admitir seu crime, enquanto o cristão, entregava-se imediatamente se questionado. - "Sou cristão". Ao contrário do criminoso, iniciava-se toda uma manobra para que ele mentisse em público e fosse inocentado.

Usando de ironia, ele escreve:

"Assim, o nome odiado é usado preferencialmente a uma reforma de caráter. Alguns até trocam seus confortos por este ódio, satisfazendo-se em cometer uma injúria para livrarem sua casa dessa sua mais odiosa inimizade. O marido, agora não mais ciumento, expulsa de sua casa a esposa, agora casta. O pai, que costumava ser tão paciente, deserda o filho, agora obediente. O patrão, outrora tão educado, manda embora o servo, agora fiel. Constitui grave ofensa alguém reformar sua vida por causa do nome detestado."

O texto, longe de ser monótono, é muito interessante. Ressalvada a intenção do autor, que é de defesa do cristianismo, um texto desta época é um documento importante para conhecermos melhor o que aconteceu com o cristianismo em sua trajetória. Com certeza, há uma diferença marcante entre os cristãos dos primeiros séculos descritos pelo cartaginês, e os clérigos renascentistas ironizados por Boccaccio em Decamerão.

2.12.15

O MÉDIUM DE JERÔNIMO DE PRAGA ESTUDOU O CRISTIANISMO




Léon Denis publicou em 1900 um livro intitulado “Cristianismo e espiritismo”, que li nos anos 1980, mas confesso que à época saltei a introdução e o prefácio. Depois o consultei muitas vezes e preparei estudos com ele, mas não voltei a estes dois escritos.

Com o passar dos anos, fiquei fã dos prefácios do autor francês, porque ele costuma explicar e contextualizar seus livros.

Na introdução do livro, Denis se preocupou muito em explicar que seu trabalho não é um ataque ao catolicismo, religião que ele abandonou ainda jovem pela “filosofia espírita”. Ele se detém na exterioridade do catolicismo (que confessa ainda causar algum encanto nele) para elogiar a interioridade do protestantismo, que parece ter conhecido a partir de algumas das fontes que ele consultou para escrever sobre o cristianismo.

Minha primeira surpresa foi identificar algumas ideias de origem deísta ou da religião natural que encontrei em sua argumentação inicial. Elas influenciaram a constituição do espiritismo, embora este não possa ser reduzido a elas.

“Consagramo-nos à tarefa de destacar da sombra das idades, da confusão dos textos e dos fatos, o pensamento básico, pensamento de vida, que é a fonte pura, o foco intenso e radioso do Cristianismo, ao mesmo tempo que a explicação dos estranhos fenômenos que caracterizam as suas origens, fenômenos renováveis sempre, que efetivamente se renovam todos os dias sob os nossos olhos e podem ser explicados mediante leis naturais.” (p. 8 e 9)

No prefácio, escrito dez anos depois, Denis não poupou críticas ao catolicismo. Este havia sido separado definitivamente do estado francês, pelo que pude entender, a partir de uma lei conhecida como concordata, que proibiu o ensino religioso para a infância e a juventude, tornando-o leigo.

O autor analisou o declínio da influência do catolicismo na sociedade francesa, tendo ficado restrito a “um punhado de adeptos”. Ele afirma que a igreja vivia uma crise com o direito novo francês.

Denis entende que há uma doutrina cristã, pura (p. 10), que não se confunde com o catolicismo, construído após Constantino (p. 18), que acabou por influenciá-lo na direção da hierarquização, da politização em favor dos “grandes e poderosos”, da teologização que a afastou do “sermão da montanha”. (p. 19)

“Jesus não havia fundado a religião do Calvário para dominar os povos e os reis, mas para libertar as almas do jugo da matéria e pregar, pela palavra e pelo exemplo, o único dogma de redenção: o amor.” (p. 21)

Não posso deixar de comentar que o filósofo espírita deteve-se no espírito de sua época, preocupado com o hedonismo e o materialismo, posicionando-se, como Kardec, na oposição das “filosofias negativas” (p.13) Ele mergulhou na essência do Cristianismo para fazer oposição a ideologias que defendiam uma vida sem sentido, o fim da existência com a morte do corpo, “sofrimentos inúteis”, “trabalho sem proveito” e “provas sem compensação”. Estaria Denis fazendo uma menção a Nietzsche, ou a Darwin, quando escreveu o parágrafo abaixo?
“Em lugar desse campo cerrado da vida em que os fracos sucumbem fatalmente, em lugar dessa gigantesca e cega máquina do mundo que tritura as existências e de que nos falam as filosofias negativas, o Novo Espiritualismo fará surgir, aos olhos dos que pesquisam e dos que sofrem, a portentosa visão de um mundo de equidade, de amor e de justiça, onde tudo é regulado com ordem, sabedoria, harmonicamente.” (p. 13)

Assim Denis iniciou uma obra que aborda o cristianismo em uma perspectiva histórica e filosófica, e que encerra-se com a contribuição das descobertas experimentais da vida após a morte, da reencarnação e da mediunidade que o espiritismo trouxe com suas pesquisas. Ele articula cristianismo e espiritismo nas luzes do novo século, dando sua própria contribuição em forma de pesquisa e reflexão ao trabalho iniciado por Allan Kardec em 1864, com a publicação de “O evangelho segundo o espiritismo”.