O Príncipe Arjuna dialoga com Krishna (?)
Estava em um estudo na
Fraternidade Espírita Luz Acima (Belo Horizonte - MG), tratando do cristianismo do século I.
Basicamente, tratava-se de uma leitura rápida do livro dos Atos dos Apóstolos e
dos principais incidentes que ele relata para dar uma visão do “todo” deste
trabalho do Novo Testamento.
Um debate interessante iniciou-se
sobre a concepção cristã do espiritismo. Kardec, em “O Livro dos Médiuns” classifica
os tipos de espíritas de sua época e destaca os que ele intitula espíritas-cristãos,
ou verdadeiros espíritas. (O Livro dos Médiuns, capítulo III, item 28).
Essencialmente, Kardec parte de um diálogo com os espíritos sobre o
cristianismo para lançar os princípios de uma ética espírita, e desenvolve uma
proposta de um espiritismo que não se resume ao estudo dos fenômenos
espirituais, mas que tem uma proposta de ação no mundo para os sujeitos, uma
proposta ética.
Uma das participantes perguntou
se o único livro que estudávamos era a Bíblia. Em princípio, não entendi
direito a questão e achei que se tratasse de um evangélico “em missão” no meio
da comunidade espírita, mas não se tratava disso. Ela tinha interesse no estudo
dos autores indianos, e em textos como o Bhagavad-Gitã, que é um diálogo entre
o príncipe Arjuna e a divindade Krishna, que compõe o Mahabharata, um livro que
contém narrativa, reflexões filosóficas e morais. Imediatamente recordei dos textos
mimeografados que estudamos na Mocidade AECX nos anos 80, com passagens do
Gitã, tentando entender a simbologia da reencarnação que se encontra nas
questões propostas por Arjuna.
Como o espiritismo não elegeu “livros
sagrados”, o próprio Kardec mostrava uma abertura muito grande para a leitura e
entendimento de diferentes tradições religiosas, como é o caso dos artigos que
ele escreveu sobre o Islã (Maomé e o Islamismo, Revista Espírita, agosto de
1866 e novembro de 1866) e sobre os Celtas (O espiritismo entre os druidas,
Revista Espírita, abril de 1858). Léon Denis também se dedicou ao estudo dos
Celtas (O Gênio Céltico e o Mundo Invisível). Nada impede, portanto, que se faça uma leitura
espírita das obras de inspiração espiritual das diversas culturas, contudo, é
um trabalho de interpretação destas tradições religiosas a partir do espiritismo
e não o contrário, que seria uma forma de sincretismo, e deixaria os espíritas
a um passo da adoção dos ritos hindus.
Não é um estudo fácil, nem
imediato, porque demanda o conhecimento de uma cultura e tradição muito
complexa, com a qual não tivemos muito contato em nossa formação. O final de
uma leitura dessas, se empreendida, deixaria o estudioso com um conhecimento do
Bhagavad-Gitã pelo hinduísmo (o que geralmente aponta para muitas leituras e
interpretações, no livro Filosofias da Índia encontramos dezenas de escolas de
pensamento) e uma interpretação espírita do Gitã. Para ser sério, é um trabalho
que exige anos de estudo, viagens, diálogo com especialistas, estudo do idioma
hindu, etc. As iniciativas, portanto,
como as do nosso grupo de jovens, devem vir acompanhadas da devida humildade e
do reconhecimento das imensas limitações que temos ante uma cultura oriental
milenar, mas respeitando a condição do espiritismo como “interlocutor” e não
como “discípulo”.