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1.1.21

TRANSIÇÃO: UMA VISÃO RACIONAL



Há alguns meses fui convidado pela direção da reunião pública da Associação Espírita Célia Xavier para dialogar com o público sobre o tema “Papel do espírita em uma sociedade em transição”. Nesse trabalho, preparado originalmente para um encontro no C.E. Thiago Maior, também de Belo Horizonte, recuperamos o pensamento de Allan Kardec nos capítulos 16, 17 e 18 de “A Gênese, os milagres e as predições” de Allan Kardec.

A análise de Kardec sobre as predições é que elas não são uma espécie de “filme do futuro”, em que o “profeta” ou “médium” vê como se fosse um cinema o que vai acontecer. Ele associa a teoria da presciência a um agrônomo, por exemplo, que conhece o tempo da floração e do surgimento dos frutos de uma determinada plantação. Ele sabe quando deve acontecer, mas não é capaz de prever incidentes inesperados, como uma chuva de granizo que impeça o surgimento das flores e dos frutos. Quanto maior o conhecimento de um espírito, maior a capacidade dele falar de coisas que virão, embora não possa prever as escolhas das pessoas 

Isso é muito importante para entendermos a visão de transformação e de transição no pensamento de Allan Kardec. Ele faz uma interpretação do discurso apocalíptico de Jesus, o chamado Sermão Profético, como contendo descrições fortes para sensibilizar um povo com mentalidade rude. As guerras, os cataclismos e outras coisas descritas no sermão seriam apenas símbolos de conflitos de valores e de princípios que deveriam ser compartilhados no mundo, no futuro. Jesus defende uma sociedade regida pela fraternidade e solidariedade, ou seja, um mundo no qual todas as pessoas se tratam como merecedoras de respeito e que compartilham o mesmo status de sujeitos de direito, ou seja, como se diz, são iguais diante da lei (dos homens e de Deus).

Kardec chama a nossa atenção para o progresso material e moral do mundo. Reafirma que o progresso material, que tem por base o desenvolvimento do conhecimento, antecede o progresso moral. As transições podem ser lentas e graduais ou bruscas. Ele também diz que algumas partes do mundo podem avançar mais rapidamente que outras. 

O que se conclui é que a transição defendida por Allan Kardec não é a espera de um momento mágico a partir do qual se declara que o mundo deixou de ser de expiações e provas e se tornou um mundo de regeneração. Não é uma data. Não é uma declaração de entidade espiritual. É um processo de transformação das pessoas e das sociedades, uma mudança de mentalidades que gera transformações nas leis e na forma que vivemos.


14.9.19

A TEORIA DA PRESCIÊNCIA EXPOSTA POR ALLAN KARDEC

O muro das lamentações, parte que sobrou "de um muro de arrimo que sustentava" o segundo Templo de Jerusalém


Jáder Sampaio


Estávamos discutindo o tema da transição , ao mesmo tempo falado e polêmico, em um grande centro espírita de Belo Horizonte, e retomamos os conceitos centrais do gênero apocalíptico, para argumentar em favor da existência de uma mentalidade apocalíptica existente em nossa cultura brasileira e cristã ocidental.

Os textos em que Kardec trata dos discursos apocalípticos de Jesus, geralmente conhecidos como o Sermão Profético, estão nos dois últimos capítulos do livro A Gênese. Para entendê-los, é necessário ler o capítulo 16, que trata da teoria da presciência.

Nesse capítulo em específico, Kardec não entende as predições como uma visão antecipada e detalhada dos fatos futuros, uma espécie de antevisão do que acontecerá. O vidente ou profeta não vê através do tempo segundo essa teoria. Allan Kardec faz uma imagem, de um homem que se encontra sobre uma montanha e é capaz de ver o caminho pelo qual um viajante irá trilhar. Ele é capaz de ver o que vem à frente, mas não é capaz de precisar exatamente quando o viajante chegará lá, porque o ritmo da caminhada depende do último. Dessa forma o fundador do espiritismo articula as ideias de livre arbítrio individual e presciência.

“... os detalhes e o modo de execução se encontram subordinados às circunstâncias e ao livre arbítrio dos homens, podem ser eventuais os caminhos e os meios” (cap. 16, item 14).

E para que não fique obscuro, Kardec exemplifica:

“É assim ... que os Espíritos podem, pelo conjunto das circunstâncias, prever que uma guerra se acha mais ou menos próxima, que é inevitável, sem, contudo, poderem predizer o dia em que começará, nem os incidentes pormenorizados que possam ser modificados pela vontade dos homens.”  (cap. 16, item 14)

E ao desenvolver essa questão, Kardec ainda reafirma:

“Por isso os Espíritos verdadeiramente sensatos nunca predizem coisa alguma para épocas determinadas, limitando-se a prevenir-nos do seguimento das coisas que nos seja útil conhecer.” (cap. 16, item 16)

Ao empregar o raciocínio da teoria da presciência para explicar a previsão de Jesus sobre a destruição do segundo templo de Jerusalém, se vê que possivelmente ele conhecia como agiam os romanos e como reagiam os judeus. Ele conhecia as histórias de resistência como a dos Macabeus contra a helenização do povo judeu por Epifanes Antíoco no século 2 a. C., mais que ninguém ele conhecia a esperança do surgimento de um messias guerreiro que salvaria o povo judeu da dominação romana, e também sabia que os romanos não perdoavam insurreições, destruindo, matando e repovoando os territórios com sua própria gente, geralmente militares que participaram das campanhas.

- Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada . (Mateus 24:2)


Como seria o segundo templo de Jerusalém

Disse Jesus sobre o Templo, talvez se referindo à civilização judaica nas terras da palestina.

Um participante da palestra reagiu.

- Isso não! Ele disse. Jesus sabia tudo!

Saber tudo, ou onisciência, seria uma qualidade de Deus, consequência de sua eternidade, segundo Fénelon, que julgamos, a partir do pensamento espírita, tratar-se de um ser distinto de Jesus e de todos os demais Espíritos. O opositor tem razão em nos questionar nossa capacidade de saber o que se passa ou não na mente de Jesus de Nazaré, mas se a teoria da presciência exposta em A Gênese, estiver correta, seria algo semelhante ao exposto que teria acontecido.

A divinização de Jesus é algo que dificilmente aconteceu na Judeia, tão ciosa de seu Deus Único. Possivelmente ocorreu na exposição do cristianismo à cultura romana, na qual a multiplicidade de deuses foi uma das formas encontradas para a consolidação do seu pacto civilizatório, e mesmo Jesus esteve próximo de ser aceito como Deus pelo senado romano.

- Eu fico com a minha ideia e você fica com a sua! Ele afirmou após uma tentativa de argumentação da minha parte. Só um reparo, não se trata da minha ideia, mas da teoria da presciência desenvolvida por Allan Kardec. No mais, ele ficará mesmo com sua ideia, graças à democracia e o laicismo do Estado brasileiro, que protege as crenças institucionalizadas e, ainda mais as crenças pessoais. Todavia, um exame rápido nos permite concluir que sua crença pessoal não é coerente com o pensamento espírita.

Estudar o espiritismo é aceitar a possibilidade de romper com o nosso passado atávico cultural e rever ideias à luz da razão e da evidência empírica. 

Referências:

FÉNELON. Tratado da existência e dos atributos de Deus: provas da existência de Deus. S.d., Salus, 2015. [Tradução de Roberto Leal Ferreira e comercialização sob a forma de e-book pela Amazon.com.br]

KARDEC, Allan. A gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo. Brasília, FEB, 2018. [Tradução da primeira edição francesa por Evandro Noleto Bezerra]