Quando se pensa em assistência social, promoção social ou ação social espírita, acredito que se trata de um jogo de gato e rato com o Estado. Neste jogo, nós somos o rato, ou seja, estamos onde não está o Estado.
Todos conhecem a mensagem do espírto Cáritas em "O Evangelho Segundo o Espiritismo". Ela passeia pelos subúrbios de Paris, à época, uma capital européia sem políticas sociais. O espírito fica sensibilizado com famílias que não tinham o mínimo para sobreviver ou enfrentar o rigoroso inverno Europeu. Kardec preocupava-se em montar uma caixa de assistência, no seu projeto de 1868, período em que a Sociedade Parisiense deixara de ser um grupo de estudos para tornar-se uma espécie de associação comunitária, caráter que marcou muitos dos centros espíritas do Brasil.
Se Cáritas estivesse hoje, fazendo sua ronda em Belo Horizonte, ela teria algumas outras preocupações.
Vivemos em uma sociedade múltipla (pessoas abaixo da linha da miséria, pessoas pobres, pessoas de classe média e pessoas ricas ou muito ricas) com alguma ação do Estado contra a pobreza, a doença e a ignorância.
Uma família pobre, geralmente constituída de mãe e filhos, outras de mãe, companheiro temporário e filhos, e uma minoria de mãe, pai e filhos, tem acesso a direitos sociais, como posto de saúde, alguns medicamentos, escola pública e mais recentemente uma minguada, mas útil, bolsa escola.
As mães pobres não são apenas cuidadoras, mas provedoras, e muitas trabalham fora de casa, o que justifica o sistema de educação infantil (creches). Os dados oficiais informam que há 60 instituições publicas de educação infantil e 193 creches conveniadas, totalizando o cuidado de cerca de 38.500 crianças. Não consegui saber quantas são as crianças em situação de risco de 0 a 6 anos, mas em uma cidade com mais de dois milhões de habitantes, com certeza faltam vagas para educação infantil.
Penso que Cáritas também se incomodaria com o analfabetismo funcional dos pais. Ela veria crianças que não conseguem aprender e pais que chegam tarde em casa e não podem ensinar, porque têm o trabalho doméstico para fazer e porque não sabem.
Ela se preocuparia muito com o futuro destas crianças, porque sabe que para ganhar um salário que as sustente, elas precisam concluir o ensino médio, saber ler, escrever e dominar as matemáticas, pelo menos a álgebra.
Cáritas também veria traficantes a distribuir cestas básicas para ser aceitos pela comunidade e a recrutar crianças para sua organização, que dissemina o vício e leva à morte prematura. Ela veria as crianças com baixa auto-estima e núcleo familiar fragilizado como vítimas preferenciais do crime organizado e da violência familiar.
Quem, então, este espírito destacaria? Se fosse no movimento espírita, Cáritas, com certeza, valorizaria quem promove o reforço escolar, regado a lanche e brincadeiras (há que se lutar pela infância). Ela valorizaria quem recebe estas crianças fora do período escolar e as retiram da rua, que tornou-se espaço de risco social.
O espírito que foi martirizado em Roma, valorizaria quem ensina estas crianças e seus pais a acreditarem no futuro, trazendo pessoas que enfrentaram e venceram a pobreza sem optar pela via do crime.
Cáritas também valorizaria quem educa as jovens mães, para que aprendam a cuidar dos filhos.
Ela se emocionaria com a juventude espírita, se a encontrasse retirando algumas horas da sua semana, já atribulada, para ensinar àquelas crianças o que os pais não conseguem.
Ela escreveria pelos que montam bibliotecas comunitárias e pelos que facilitam o acesso ao material escolar, especialmente quando este não é disponibilizado pelas autoridades.
Acho que Cáritas pediria aos grupos de costura para fazerem e consertarem uniformes escolares, despesas relativamente altas para as famílias que mal conseguem comer, bancarem com seus salários minguados.
Os princípios cristãos continuariam intocáveis, mas a ação no mundo modificaria, porque o mundo mudou, e sempre que o governo conseguisse erradicar da nossa sociedade um mal social, os espíritas, influenciados por Cáritas, modificariam sua prática, porque ainda falta muito para vivermos em um mundo feliz.