- "Um charuto!" - foi a primeira impressão que tive ao ver a capa do livro que chegou pelo correio, mercê do livro do mês da Lachâtre. Aos poucos os olhos foram se acomodando à imagem e vi que se tratava de uma lombada de um livro antigo, com o título da obra: Diálogo com o invisível.
Ubiratan Machado é um velho conhecido, que nunca vi pessoalmente, mas que aprendi a apreciar através de suas letras, especialmente as que discorrem sobre o espiritismo. Escreveu uma obra de peso sobre o espiritismo no pensamento de intelectuais brasileiros do século XIX, que se tornou uma leitura obrigatória a quem se interessa pela história do espiritismo no Brasil.
Estava cheio de obrigações, mas seu texto insidioso combinou-se com uma limitação que me impedia de digitar durante as sessões de hemodiálise, e o livro do charuto estava lá, como quem não quer nada, na cadeira. Eu abri o livro, senti o cheiro de folhas novas e falei comigo mesmo, só um... Toda pessoa que faz dieta sabe muito bem o que isso significa. Veio o primeiro conto, mostrando assombrações na minha terra, bem no escritório de Pedro Nava, aquele escritor que tive que ler para o exame vestibular. Seguiu-se mais um, o desconhecido Eduardo Prado, igualmente assombrado, mas acompanhado do famosíssimo Eça de Queiroz. Depois vieram Humberto de Campos, Coelho Neto e, pasmem, Vinícius de Morais, todos atropelados pelo além!
Neste momento, vi que a dieta de leitura já tinha ido para o brejo e resolvi me esbaldar. Viriato Corrêa, Afonso Schmidt e o celebrado Murilo Mendes, este último acompanhado de Wolfgang Amadeus Mozart. Pensei comigo: ou os escritores são meio pancadas, do tipo psicótico, ou a experiência de escrever abre suas janelas interiores de alguma forma. Como é possível tanta gente famosa, passar pela mesma experiência dos médiuns que acostumei a observar nas tardes de sábado.
Mais alguns escritores e vem a segunda parte. Foi uma surpresa completa. Lembrei do velho e amarelado livro da biblioteca da minha tia, "A Montanha Mágica", que minha rinite não permitiu devassar até o final, e eis que encontro seu autor, o notável Thomas Mann, usando sua pena detalhista para descrever seu encontro com o Barão Von Schrenk-Notzing na intimidade de seu laboratório, preparado para vasculhar as faculdades de efeitos físicos de Willi Schneider. Willi, que era um verbete na minha cabeça, se tornou um personagem de filme hollywoodiano, contido pelas mãos do escritor, agitado como um epiléptico, em um parto difícil do qual nasceriam as artes do espírito Mina. Mann faz um texto no qual vemos ao mesmo tempo os eventos da sala e os pensamentos e sentimentos no íntimo do romancista alemão.
Outro texto extenso e sou apresentado ao informal Pitigrilli e às faculdades assombrosas de uma médium italiana. Apesar da extensão, fiquei com os olhos presos aos eventos que sucediam e dos quais não posso falar muito para não estragar a experiência primeira de quem agora me lê.
Finalmente, um autor do meu domínio. O Dr. Jung, sobre o qual já escrevi alguns trabalhos. Será que Ubiratan conhecia mesmo todos os encontros deste médium suíço com a mediunidade? Leitura fácil, narrativa simples e clara, quase morri de inveja ao ver como Machado ia contando, detalhadamente mas de forma a prender a atenção, cada detalhe com o além do psiquiatra suíço, desde a infância até o trabalho derradeiro, Memórias, Sonhos e Reflexões. Ubiratan faz mais, ele descreve com clareza as reuniões mediúnicas que Jung participou com a médium que Jung intitulou S.W. e que o autor do "livro do charuto" descobriu se chamar Helly. Ubiratan não cai na tolice do Dr. Sérgio de dizer que Jung estudou médiuns, como se ele acreditasse na mediunidade. Jung resistiu bravamente por toda a vida, usando suas teorias do anímico para explicar o que ia além do inconsciente. Atropelado por espíritos durante toda a sua vida, sempre hesitante, ao final ele aceita que suas teorias não são suficientes para explicar não apenas o que houvera visto, mas vivido. Afinal, como teria dito Freud, há horas que um charuto é apenas um charuto...