Mostrando postagens com marcador História do Cristianismo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador História do Cristianismo. Mostrar todas as postagens

30.5.20

A HISTÓRIA DA REDAÇÃO E TRADUÇÃO DA BÍBLIA CONTADA POR HISTORIADORES


Bíblia de 1200 anos recuperada de contrabandistas


Os historiadores e arqueólogos têm se dedicado bastante a escrever uma história baseada em documentos, achados arqueológicos e história comparada do cristianismo, com bons frutos. Na França do século 19 iniciou-se o afastamento entre a teologia e a história do cristianismo, que ficou cada vez menos apologética e mais compreensiva e crítica.


A cada dia se descobre mais sobre a Bíblia e, em especial sobre os textos dos cristãos primitivos. A hipótese mais aceita pelos historiadores é que houve inicialmente uma tradição oral, que os primeiros escritos devem ter sido as Cartas de Paulo e que aos poucos surgiram registros escritos dos ensinos de Jesus. Aceita-se também, nos dias de hoje, que o primeiro evangelho escrito foi o de Marcos (64), sucedidos por Mateus e Lucas (70-80). É também aceita uma hipotética fonte Quelle, também um proto-evangelho, que teria sido consultada na formação dos dois últimos evangelhos sinóticos. Analisando o grego e as imagens contidas no evangelho segundo João (90-110), os estudiosos entendem que ele teria sido o último a ser escrito ou composto, já influenciado pelo pensamento grego. O livro de Atos dos Apóstolos seria uma espécie de continuidade do texto do evangelho segundo Lucas. 



Os historiadores não têm como afirmar quem escreveu os evangelhos que lemos hoje. Sabe-se que eles se originam da tradição oral e, talvez, escrita, daqueles que lhe compõem o nome. Assim, os evangelhos segundo Lucas e Mateus, se originariam dos ensinamentos desses dois hagiógrafos sobre Jesus, embora essa posição não seja consensual. O evangelho de Marcos, tem a influência de Pedro, com quem João Marcos conviveu bastante. O evangelho segundo João é herdeiro da experiência do apóstolo considerado “mais amado”. 



Fonte: Apresentação "O cristianismo e o cristãos primitivos", Jáder Sampaio, 2020

Os textos originais não eram divididos em capítulos e versículos. Talvez tenham sido escritos como logia, ou ditos do Senhor. Frases curtas, narrativas rápidas, que aos poucos foram compondo um livro de ensinos cristãos. Eles não foram escritos com a finalidade de fazer história, nem têm finalidade biográfica, mas a de divulgar Jesus e seus ensinamentos. 


No último século descobriram-se textos cristãos no Egito (Nag Hammadi) e em Israel (Qmram) que datam dos primeiros séculos, o que ampliou o conhecimento sobre os cristãos primitivos. Sabe-se que com a divulgação do cristianismo pelos discípulos de Jesus, formaram-se comunidades pela Ásia, pela Grécia e depois por todo o Império Romano. 


Surgiram textos e textos nessas comunidades, todos tratando de Jesus e dos apóstolos, mas compostos de informações diversas dos demais, o que promovia diferenças entre as comunidades e as ideias teológicas cristãs. Diante esta multiplicidade de textos e de ideias, buscou-se um entendimento nos primeiros séculos sobre que livros deveriam ser reconhecidos e que ideias teológicas seriam corretas. Surgiu então o debate sobre as heresias, ainda no segundo século.

Essa escolha não é uma decisão fácil de ser implementada, especialmente considerando-se que algumas comunidades aceitavam um conjunto de textos e se estruturaram em torno deles, funcionando há décadas ou séculos. Surgiram estudiosos que sofreram o ataque de filósofos gregos, munidos da razão, e alguns procuraram usar a razão como forma de diálogo, ainda que uma razão serva da fé. Até nos dias de hoje nos perguntamos se as ideias rejeitadas realmente merecem anátema, e se as ideias aprovadas são as que representam o que era veiculado pelos primeiros cristãos, e se mereceram ser transformadas em dogmas.


Sabemos que os livros que hoje formam o cânon, ou seja, os 27 livros do novo testamento, foram escritos em grego popular (Koiné), com algumas palavras e expressões em aramaico, a língua falada na região da Judeia, Samaria e Galileia da época de Jesus. Há também citações do Antigo Testamento nos muitos diálogos retratados, como era costume dos judeus. O grego era uma boa escolha, porque até mesmo em meio aos judeus havia os helenistas, que cresceram em ambiente grego e falavam a língua. Assim os ensinos de Jesus atingiriam mais facilmente os chamados gentios, ou não-judeus. Pode-se dizer que o grego Koiné seria uma espécie de "língua internacional" em boa parte do Oriente Médio e na Grécia. Mesmo em Roma as classes superiores estudavam o grego e muitos liam os clássicos gregos, como é o caso do imperador Augusto.


Após o fim da clandestinidade do cristianismo no Império Romano, que aconteceu durante o governo do imperador Constantino, empreendeu-se um esforço de entendimento entre os cristãos, o que era do interesse também do imperador, que não poupou esforços para interferir no meio religioso com essa finalidade. O mais importante evento patrocinado por ele foi o Concílio de Nicéia (325), que, dentre muitas resoluções, tornou heresia a teologia de Ário ou Árius, e estabeleceu ideias para o que hoje os historiadores denominam como ortodoxia cristã. Na impossibilidade de uma solução lógica ou dialógica, optou-se por uma escolha política e uma espécie de imposição da maioria, que é questionada até os dias de hoje pelos estudiosos, em função da intervenção do Estado Romano. Na literatura espírita, Wallace Leal V. Rodrigues se posiciona dessa forma no livro A esquina de pedra.



Eusébio de Cesareia, em 330, tinha uma lista de 26 livros para o Novo Testamento muito próxima da atual. Ele considera questionáveis (antilegomena) diversos livros hoje considerados pseudepígrafos ou apócrifos, e até mesmo o Apocalipse de João ficou como dúvida.



No Sínodo de Laodiceia (363-364) ficou acertado que os livros aceitos seriam os atuais, com exceção ao Apocalipse de João. Houve também a proibição dos livros não-canônicos nas igrejas, o que vai fechando a possibilidade de discussão de ideias não pertencentes ao conjunto do cristianismo chamado ortodoxo pelos historiadores. Um texto que trata claramente sobre a reencarnação, como o Apocalipse de Paulo, não pode ser lido pela comunidade de cristãos (uma vez que pela palavra igreja não se entendiam as construções ou templos, mas o conjunto de membros). Os textos de Pelágio, que defendem o livre-arbítrio também. Podemos considerar essas decisões como precursoras do Index Prohibitorum, só que ao contrário (definiram o que se pode ler, em vez de o que não se pode ler).



A criação da vulgata latina que é a Bíblia em latim, é mais ou menos próxima da época em que o Império Romano permitiu a prática do cristianismo, e depois o tornou religião oficial do império. Viu-se que a língua grega, com que haviam sido escritos os textos do Novo Testamento, atingia apenas parte do império: não era mais a língua universal dos Romanos. É possível também que os interesses em se aprovar uma teologia única para a Igreja visse na tradução para o latim uma forma de divulgar os textos que compunham o cânone por todo o império e isolar os textos escritos em grego, copta ou outras línguas, considerados apócrifos. O mais importante é que quem falava latim (todo o Império Romano, presumo) e fosse alfabetizado, poderia ler a Vulgata. Os cristãos poderiam realizar suas práticas em latim, os responsáveis pela instrução poderiam ensinar o evangelho em latim e com essa língua, todo falante de latim teria acesso ao cristianismo. A palavra “Vulgata” significa para o povo.



Os atores dessa aventura cristã foram o papa Dâmaso I (Bispo de Roma), que em 383, baseando-se nas decisões do Concílio de Roma (382). Jerônimo de Estridão corrigiu a Vetus Latina, que era uma tradução latina do Novo Testamento existente, e terminou a tradução do Antigo Testamento hebraico para o latim em 405, em sintonia com o judaísmo rabínico, que considerava inadequada a Septuaginta (o antigo testamento escrito em grego).



Os anos se passaram, o cristianismo foi divulgado em outros povos, o Império Romano do Ocidente foi invadido por povos bárbaros, e embora muitos adotassem o latim, as línguas foram se modificando até atingir a pluralidade de línguas europeias que temos hoje. 



O império Romano do Oriente tornou-se o Império Bizantino, e a língua falada era o grego, que no início coexistiu com o latim e depois foi predominando. A igreja expandiu-se aos povos germânicos, eslavos e foi para a península escandinava e para as ilhas britânicas. Os missionários, para poder evangelizar, aprendiam e ensinavam o cristianismo nas línguas locais. A Bíblia, contudo, continuava em latim.



Passaram-se os anos e o latim era ensinado nas escolas para uma pequena elite religiosa e política e intelectual, mas não mais pelo povo. Perdeu-se o objetivo inicial, que era levar o conteúdo do texto cristão para o vulgo. Nessa história, a tradução da Bíblia para as mais diversas línguas faladas pelos cristãos só aconteceu após a reforma protestante. 



Como Lutero e os reformistas precisavam explicar ao povo a sua interpretação da Bíblia, isso só seria possível se o povo fosse capaz de ouvir e entender o que havia nas escrituras em seu próprio idioma. Foi uma das atividades que Lutero acabou realizando, após alguma relutância: traduzir a Bíblia para o alemão, o que fez em 1534. Com o surgimento da imprensa (1430), um século antes, as pessoas podiam ter mais acesso ao texto básico do cristianismo. 



Após Lutero, “protestantes” começaram a traduzir a Bíblia para seus idiomas, e, ainda assim, o Concílio de Trento (1546 – 1563) "bateu o pé", insistindo no latim. 

Li um livro  no qual os conservadores argumentavam que se a Bíblia fosse traduzida para as línguas faladas nos países, e qualquer pessoa pudesse ler, surgiriam interpretações “erradas” da leitura das traduções, o que geraria confusão [1]. A questão era tão delicada, que só no Concílio Vaticano II (1961 – 1962) a Igreja Católica declarou que as missas fossem celebradas nos respectivos idiomas das diferentes comunidades, encerrando o que se pode chamar de período latinizante.


___________________________________
[1] O livro dos Mártires, John Foxe. São Paulo: Mundo Cristão. Versão Kindle.

1.4.20

HERCULANO PIRES, ERNEST RENAN E CHARLES GUIGNEBERT



Uma das contribuições que Herculano Pires deu ao pensamento espírita foi o diálogo com os autores acadêmicos de sua época. Estou estudando o livro “Revisão do Cristianismo”. Estilo jornalístico, ele escreve um texto contínuo e apenas indica ao leitor os autores que comenta no corpo do texto, mas à medida em que se vai lendo, percebe-se com quem ele “conversa”.


Logo no início do texto há uma citação de Charles Guignebert. Quem é ele? Por que foi retirado do texto dele a epígrafe do livro?

Guignebert é um autor francês que nasceu dez anos após a publicação de “O livro dos espíritos”, mas que efetivamente começou sua contribuição à universidade então chamada de Sorbonne, em 1919, quando assumiu a cadeira de história do cristianismo. Em sua “aula inaugural” ele diz que vai fazer da história do cristianismo, “uma história como as outras”.

Por uma história como as outras, se entende que os professores de história do cristianismo deviam pertencer à igreja ou às confissões de fé cristãs da época, e de alguma forma mesclavam a história com a apologia ao cristianismo.

Nessa mescla se encontra o caráter mitológico imiscuído nos estudos históricos. Possivelmente os dogmas se articulavam com a razão. Guignebert se propõe a fazer um trabalho de caráter laico. 

Antes de Guignebert, temos Ernest Renan, que escandalizou sua época denominando Jesus como “homem incomparável”. A frase aparentemente comum para nós, espíritas, que o concebemos como espírito superior, causou espécie entre seus contemporâneos que enxergavam Jesus como Deus.

Renan e Guignebert estão no texto de Herculano, que vai em busca da distinção entre Jesus de Nazaré, o homem, e Jesus Cristo, o mito construído ao longo da história. Iniciativa talvez inédita nos meios espíritas, apesar do texto já existente de Allan Kardec, referindo-se (e criticando também) Ernest Renan na Revista Espírita.

Em que ano foi publicada a primeira edição de Revisão do Cristianismo? Como o livro foi acolhido pelo meio espírita da época? Isso fica a encargo dos historiadores e dos leitores de Herculano Pires, e, quem sabe, se torna objeto de outra publicação.

POST SCRIPTUM

Recebi, fruto da gentileza do Herculano Pires Filho, a informação abaixo:

"Mestre Jáder, eis as informações solicitadas: 

Revisão do Cristianismo 1a edição 1977 - Editora Paideia
        
Barrabás 1ª edição 1954 (recebeu o PRÊMIO DO DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE CULTURA  DE S.P.)
  
Lázaro 1ª edição 1971 Edicel

Madalena 1ªa edição 1979 Edicel"

Agradeço a contribuição ao Espiritismo Comentado!       

22.2.20

OS LIVROS SOBRE OS CRISTÃOS PRIMITIVOS


Fragmento de papiro do século 4, escrito em Copta, língua do antigo Egito. Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2014/04/12/sociedad/1397258047_321465.html

Um leitor interessado me pediu as fontes bibliográficas do seminário “Os cristãos primitivos e o espiritismo”, que fizemos no Cenáculo Espírita Thiago Maior. Confesso que a ressonância do trabalho foi muito maior do que imaginávamos. Atendendo aos estudiosos de plantão, sempre interessados em conhecer mais, vou fazer uma pequena lista das principais obras utilizadas.

Não estou apresentando livros cujo objetivo principal é a interpretação dos evangelhos, o que pode parecer desconhecimento ou restrição de autores importantes deste tipo de atividade, mas não é.

Como o leitor pode ver, não é uma lista feita por especialista para seus pares, mas um registro do percurso amador pela questão em estudo, feito por um espírita, compartilhada para um grupo de interessados.

Livros espíritas

Allan Kardec. O evangelho segundo o espiritismo. Diversas editoras.

Allan Kardec. A Gênese. Diversas editoras.

Allan Kardec. Revista Espírita. (1858-1869) Edicel.

Léon Denis. Cristianismo e espiritismo. FEB.

Hermínio Miranda. Cristianismo: a mensagem esquecida. O Clarim.

Hermínio Miranda. O evangelho de Tomé: texto e contexto. Arte e Cultura. (Publicado hoje pela Lachâtre com o título: O evangelho gnóstico de Tomé)

Hermínio Miranda. Os cátaros e a heresia católica. Lachâtre.

Wallace Leal V. Rodrigues. A esquina de Pedra. O Clarim.

Wesley Caldeira. Da manjedoura a Emaús. FEB.

José Lázaro Boberg. O evangelho de Maria Madalena. EME.

Severino Celestino da Silva. O evangelho e o cristianismo primitivo. Ideia.

Cairbar Schutel. Vida e atos dos apóstolos. O Clarim

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Quando voltar a primavera. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Luz do mundo. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Primícias do reino. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Há flores no caminho. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. Trigo de Deus. Leae.

Amélia Rodrigues psicografada por Divaldo Franco. A mensagem do amor imortal. Leae.

Humberto de Campos psicografado por Chico Xavier. Boa Nova. FEB.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Paulo e Estêvão. FEB.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Há dois mil anos. FEB.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Cinquenta anos depois. FEB.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Ave Cristo. FEB.

Mauro Camargo. Ombra e Lutz (Romance) Lachâtre (Trata dos cátaros)
Pinheiro Martins. História da formação do Novo Testamento. CELD.

Canuto Abreu. O evangelho por fora. Edições LFU.

A Editora da Federação Espírita Brasileira publicou recentemente uma coleção de livros intitulada “O Evangelho por Emmanuel”. É uma compilação de todos os textos publicados, encontrados pela equipe. Foi organizada por Saulo Cesar Ribeiro da Silva e cada livro do Novo Testamento é precedido por informações históricas, literárias e hermenêuticas. Às informações encontradas em livros acadêmicos seguem-se as informações encontradas em livros ditados por espíritos, a maioria deles citados acima.

Emmanuel psicografado por Chico Xavier. Interpretação dos textos sagrados. In: Caminho, verdade e vida. FEB.


Autores de Filosofia Patrística (Pais da Igreja)

Eusébio de Cesareia. História eclesiástica. Paulus.

Diversos autores. Padres apologistas. Paulus. (Inclui a Carta a Diogneto, de autor desconhecido).

Diversos autores. Padres Apostólicos. Paulus. (Inclui as epístolas de Clemente Romano, as de Inácio de Antioquia, Policarpo de Esmirna, O pastor – atribuído a Hermas – Carta de Barnabé e Didaqué).

Orígenes. Tratado sobre os princípios. Paulus.

Orígenes. Contra Celso. Paulus.

Philip Schaff. The early church fathers collection: the ante Nicene Fathers. (Tertulian, Minucius Felix, Commodian, Origen). (e-book)

Autores diversos

Da Terra aos Povos: A difusão do cristianismo nos primeiros séculos. Mostra arqueológica em painéis. Centro Cultural Presença.

Elaine Pagels. Os evangelhos gnósticos. Cultrix.

Henry Virkler. Hermenêutica avançada. Vida acadêmica.

Paul Veyne. Quando o nosso mundo se tornou cristão. Texto & Grafia.

Tim Dowley. Os Cristãos: uma história ilustrada. Martins Fontes.

Tim Dowley. Atlas da Bíblia e da História do Cristianismo. Vida Nova.

Bart D. Ehrman. Quem foi Jesus? Quem Jesus não foi? Ediouro. (e-book)

Bart D. Ehrman. Jesus existiu ou não? Agir. (e-book)

Henry Percival. The seven ecumenical councils. (e-book)

Flavius Josephus. Complete Works. Annotated Classics. (Translated by William Whiston). (e-book)

The gnostic gospels of Thomas, Mary and John. Dancing Unicorn Books. (e-book)

Carlos Verdete. História da igreja: das origens ao cisma do oriente (1054) Paulus. (e-book)

Giovani Reale e Dario Antiseri. História da filosofia: patrística e escolástica. Paulus.

Cassiano Floristán Samanes e Juan-José Tamayo-Acosta. Dicionário de conceitos fundamentais do cristianismo. Paulus.

Simone Resende Mendes. Paulo e a Ekklesia de Corinto: conflitos sociais e disputas de autoridade no período paleocristão. Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da UFES.

Bíblias

O novo testamento. (Tradução do grego para o português de Haroldo Dutra Filho) Edicei.

A Bíblia de Jerusalém. (Tradução por equipe de tradutores do Hebraico e do Grego para o português). Edições Paulinas.

Bíblia do Peregrino. (Edição Brasileira) Tradução original e notas de Luis Alonso Schökel. Paulus.

A Bíblia Sagrada (Edição Brasileira) Tradução de João Ferreira de Almeida. Imprensa Bíblica Brasileira.

Bíblia Sagrada. (Traduzida da Vulgata e anotada pelo Padre Mattos Soares). Edições Paulinas.



17.2.20

OS TEXTOS CRISTÃOS NOS TEMPOS DE PAULO DE TARSO, SEGUNDO EMMANUEL.




No último dia 09 de fevereiro, oferecemos o seminário “O espiritismo e os cristãos primitivos” no Cenáculo Espírita Thiago Maior, em Belo Horizonte-MG. 

Como o tema é vasto, escolhi alguns assuntos e autores que são pouco lidos pelo movimento espírita local, como Léon Denis, Hermínio Miranda, Wallace Leal Rodrigues, os autores de origem acadêmica e os autores da filosofia patrística, além, claro, dos Evangelhos que compõem o cânone que gerou a vulgata, alguns textos que fizeram parte do cânone e textos antigos considerados heréticos ou pseudoepígrafes ao longo da história da Igreja. Tudo isso sem esquecer de Allan Kardec.

Sobre a origem dos textos, especialmente os que foram reconhecidos por São Jerônimo, criando a Vulgata, há informações precisas no livro Paulo e Estêvão, que nosso amigo Carlos Malab teve o cuidado de separar e nos enviar. 

Percebendo que poderíamos ter exposto de forma mais clara as posições de Emmanuel, passo publicar no Espiritismo Comentado os recortes feitos pelo Malab. 

1. Sobre a autoria do Evangelho Segundo Mateus, e a hipótese de este ter sido escrito por alguém ligado a ele, e não por ele.

“Por dois dias ali permaneceu, em suave embevecimento. Sem revelar-se, procurou Levi, que o recebeu de boa-vontade. Mostrou-lhe sua dedicação e conhecimento do Evangelho, falou da oportunidade de suas anotações. O filho de Alfeu alegrou-se ao contágio daquela palavra inteligente e confortadora. ”

(Emmanuel. Paulo e Estêvão. FEB, página 241 do ebook publicado pela Amazon.com).

Nessa citação fica claro que Emmanuel entende que Mateus (Levi) era alfabetizado, sabia escrever e fez anotações que foram lidas por Paulo. Essas anotações podem não ser o texto que hoje temos com o nome de Evangelho Segundo Mateus, mas com certeza vão além de meras fontes orais que alguns especialistas consideram ser a origem dos textos dos quatro evangelhos. Essas anotações podem compor o que alguns especialistas denominam de Q (do alemão quelle, que significa fonte) e que teriam sido consultadas pelos autores do Evangelho Segundo Marcos, que hoje é considerado pela maioria dos especialistas como o primeiro evangelho a ser publicado.

2. Sobre a existência de textos sobre Jesus consultados por Paulo. Na narrativa de Emmanuel, Paulo e Barnabé são assaltados em viagem.

“Reparando nos pergaminhos do Evangelho que os missionários consultavam à luz da tocha improvisada, um dos ladrões interrogou desconfiado e irônico:

- Que documentos são esses? Faláveis de um príncipe opulento... Ouvimos referências a um tesouro... Que significa tudo isso?

Com admirável presença de espírito, Paulo explicou:

- Sim, de fato estes pergaminhos são o roteiro do imenso tesouro que nos trouxe o Cristo Jesus, que há de reinar sobre os príncipes da Terra.

Um dos bandidos, grandemente interessado, examinou o rolo das anotações de Levi.”

... “Os ladrões guardaram o Evangelho cuidadosamente”

... “nos subtraíram também as anotações evangélicas que possuíamos. Como recomeçar nossa tarefa?”

Paulo desabotoa a túnica e diz a Barnabé:

“- Enganas-te, Barnabé – disse com um sorriso otimista - , tenho aqui o Evangelho que me recorda a bondade de Gamaliel. Foi um presente de Simão Pedro ao meu velho mentor, que, por sua vez, mo deu pouco antes de morrer.” 

(Emmanuel. Paulo e Estêvão. FEB, páginas 312 - 313 do ebook publicado pela Amazon.com)

Nesta narrativa de Emmanuel temos diversas informações. Ele nos mostra que as anotações foram feitas em pergaminhos. Mostra também que Paulo e Barnabé sabiam ler, o que é considerado dúvida por estudiosos não espíritas, como Bart Ehrman. Emmanuel chama as anotações de Evangelho, mas se refere a elas também como anotações evangélicas, o que sugere que podem não ser um exemplar do Evangelho Segundo Mateus, mas as anotações realizadas por Levi, que podem ter a forma de logia, como supõe Hermínio Miranda (Cristianismo, a mensagem esquecida, O Clarim, 1988, p. 159-160).

Imagino que o tema seja polêmico, mas me admiro ainda mais com o texto psicografado por Chico Xavier e sua precisão, como falei no seminário. Que possamos continuar estudando sobre os evangelhos sem fanatismos.

18.4.19

A PÁSCOA E OS ESPÍRITAS


Ícone de Barnabé

Um estudo que o Hermínio Miranda começou a fazer em vida e chegou a publicar diversos livros, foi sobre os cristãos primitivos. Como era o cristianismo nos primeiros séculos após a desencarnação de Jesus? Tenho estudado há algum tempo os escritos dos primeiros cristãos aceitos pela igreja e há um autor chamado Barnabé, que não é o colega de Paulo de Tarso em Antioquia, mas que se considera que seja um instrutor de Alexandria, que escreveu o seguinte sobre o jejum, que era palco de discussões entre os cristãos judaizantes e não judaizantes:

“... “Eis o jejum que eu escolhi”, diz o Senhor. “Desata todas as amarras da injustiça; desfaz as cordas dos contratos iníquos; envia os oprimidos em liberdade; rasga toda escritura injusta; reparte teu pão com os famintos; se vês alguém nu, veste-o; conduz para a tua casa os desabrigados; se vês algum pobre, não o desprezes; não te afastes dos membros de tua família. Então tua luz romperá pela manhã, tuas vestes rapidamente resplandecerão, a justiça irá à tua frente e a glória de Deus te envolverá. Então outra vez gritarás, e Deus te ouvirá. Ao falar, ele te dirá: Eis-me aqui!” (Carta de Barnabé, 3:3-5)

A posição dele é clara. Em vez de atos exteriores, rituais, justificados pela tradição, atos interiores, ações em consonância com as mais caras ideias do Cristo, como a caridade moral e material, atos de justiça social e de reconhecimento do próximo, do que foi abandonado pelo mundo.

Jesus se pronuncia diversas vezes sobre isso, nas querelas com os fariseus e saduceus, tão voltados à letra morta, às exterioridades, às aparências de santidade. Pessoalmente gosto muito do diálogo com a mulher samaritana. Jesus a encontra em um poço e dá mostras de ser profeta, de saber coisas sobre a vida dela, como os seus cinco maridos. Ela então lhe faz uma pergunta sobre a religião judaica, que era objeto de disputa entre judeus e samaritanos:

“Nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que em Jerusalém é o lugar onde é necessário adorar. Jesus lhe diz: Crede em mim, mulher, porque vem a hora quando nem neste monte nem em Jerusalém adorareis ao Pai. (...) Deus é espírito, e aqueles que o adoram devem adorá-lo em espírito e verdade. João 40:20, 21 e 24

Este é um primeiro ponto a se discutir sobre o espiritismo e a páscoa. Herdeiro de valores construídos na forja do cristianismo, a relação dos espíritas com a religião ou a religiosidade é essencialmente interior e pessoal.

A Deusa Eastre também marcava a primavera no hemisfério norte. 
Como estamos no sul, aqui seria o outono.

Contudo, vivemos em sociedade. Herdamos uma salada de tradições, algumas dos cultos de deuses antigos, outras judaicas, todas exteriores. O coelho da páscoa, que povoa nossas televisões e a fantasia dos pequenos parece ser oriundo do culto da deusa germânica Eastre. O ovo vem de uma história desta mesma deusa que transformou uma ave em lebre. O ovo está presente na ceia pascal dos judeus. O cordeiro vem dos sacrifícios aos deuses e do episódio pascal judaico, que recorda a saída do Egito, quando se matou um cordeiro e passou seu sangue nos umbrais das portas.

Todos esses símbolos foram reapropriados pelo catolicismo e foi-lhes dado um significado cristão, ou, melhor dizendo, católico. O cordeiro hebraico passou a simbolizar a morte de Jesus no calvário para tirar os pecados dos homens. Convenhamos, isso não faz o menor sentido para o pensamento espírita. Nosso maior interesse no calvário é a demonstração inconteste da vida após a morte e da mediunidade dos que perceberam Jesus, e reconheceram que ele nos ensinou que a vida não termina no túmulo.

Refeição de páscoa judaica

Como ficamos nós, espíritas, então? Resta-nos, portanto, duas coisas:

1. Pensar no sentido da imortalidade da alma e da mediunidade, que se mostram após a desencarnação de Jesus, o que podemos fazer em família ou nos centros espíritas.

2. Aproveitar o feriado para estar junto com a família. Não vejo problemas em trocarmos ovos de páscoa com nossas crianças, em escondermos os ovos para os pequenos acharem, em deixar marcas de talco que lembram pés de coelho, em pintarmos cascas de ovos, como os católicos ucranianos, nem em fazermos juntos uma refeição, mas que isso seja uma grande brincadeira, um daqueles momentos mágicos de acolhimento que os pequenos guardarão para a idade adulta e a vida, e não um ato religioso (para que não fique dúvida, o centro espírita não é o local adequado para isso). 

Penso até que podíamos nos lembrar das “crianças sem ovos de páscoa”, das pessoas sem família, sofrendo de solidão, e abrir nossas portas a elas, ou visitá-las durante a páscoa, em memória de Jesus, se desejamos fazer algo diferente, em recordação à bela reflexão de Barnabé. 

11.4.19

ENCONTRANDO JESUS A PARTIR DA ANÁLISE DOS EVANGELHOS





Ante a sugestão do Marcelo Bernardo, tenho lido nas horas vagas os livros de Bart Ehrman, um historiador e teólogo norte-americano, agora agnóstico, especializado no Novo Testamento e no cristianismo primitivo.

Ehrman tem um livro sobre a existência de Jesus (o Jesus humano e histórico). Há alguns autores defendendo a ideia de que Jesus seria um mito, oriundo de outros mitos divinos, sobre o qual os cristãos contaram histórias entre si e “inventaram” o cristianismo.

Um texto como costumo publicar no Espiritismo Comentado não tem tamanho suficiente (e se tivesse, não teria leitores...) para apresentar toda a discussão da questão, que envolve um grande número de argumentos, e, portanto, um debate significativo.

Uma das evidências que Ehrman usa para defender a existência de Jesus é a análise do texto evangelhos. Todos sabemos que os evangelhos foram escritos em grego. Como os escritores eram “bons de escrita”, possivelmente eruditos, os historiadores entendem que não devem ter sido os apóstolos, que eram possivelmente iletrados e que falavam aramaico (exceto Paulo e Lucas, que não conviveram com Jesus). Eles teriam dificuldade para aprender, falar e escrever corretamente o grego. Esse assunto também é polêmico, mas para entender Ehrman, vamos prosseguir desse ponto.

Um dos argumentos dele é a existência de palavras em aramaico no meio da narrativa grega. Dificilmente um escritor grego conheceria qualquer coisa de aramaico. Os evangelhos trazem, no entanto, palavras como rabi, talita cumi, messias, Cefas (o nome que Jesus deu a Pedro), entre outras. Não bastasse a existência das palavras, muitas vezes os escritores dos evangelhos a traduzem para o leitor, certos de que ele não entenderia seu significado.

Esta é uma das dezenas de evidências que as narrativas em torno de Jesus, surgiram na Palestina e eram faladas em aramaico, e que posteriormente os autores dos evangelhos ouviram e recontaram em grego. Se Jesus e os apóstolos fossem um mito, uma história baseada em histórias de deuses, considerando a amplitude das comunidades cristãs no século I, cada uma teria criado histórias próprias, sem um núcleo comum, totalmente diferentes umas das outras, o que não acontece nem mesmo nos evangelhos considerados apócrifos, que trazem em si muito dos textos dos outros evangelhos (como O evangelho de Tomé).

As palavras em aramaico, e os textos comuns, levam necessariamente o início do cristianismo para a região da Judeia, Galileia, Samaria, em torno dos anos 30 (outro ponto a ser sustentado, com as cartas de Paulo), por pessoas que originalmente falavam o aramaico e que depois se espalharam por cidades ao redor do mediterrâneo e dos países vizinhos aos antigos reinos de Israel e Judá.

Como disse acima, o livro é repleto de debates com os miticistas (pessoas que defendem que Jesus era um mito) e tem argumentação bem fundamentada. Quem se interessar pelo assunto leia:




Ehrman, Bart. Jesus existiu ou não? Rio de Janeiro: Agir, 2014. [Tradução da editora Nova Fronteira, feita por Anthony Cleaver]


5.3.19

UMA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO SOBRE A EPÍSTOLA DE PAULO AOS CORÍNTIOS


Ruínas em Corinto

Jáder Sampaio

Ao preparar um estudo sobre o cristianismo primitivo, esbarrei na tese “Paulo e a Ekklesia de Corinto: conflitos sociais e disputas de autoridade no período paleocristão”, escrito por Simone Resende da Penha Mendes.

O trabalho é interessante, porque a autora se dispôs a articular o que se conhece em história com a interpretação do texto da epístola de Paulo aos coríntios.

Corinto era uma cidade grega importante, mercantil, situada na passagem entre o Mar Jônico e o Egeu. Foi destruída em 146 pelo general romano Lúcio Múmio, com o massacre e escravização dos gregos, tornando-se romana. A cidade que Paulo conheceu era um centro comercial habitado por romanos (pobres agraciados por César e veteranos de guerra), gregos (alguns com cidadania romana), judeus e outros estrangeiros.

As diferentes origens dos cidadãos de Corinto fez com que essa comunidade se tornasse uma espécie de “caldo de culturas”, embora as decisões políticas e o poder fossem exercidos segundo Roma. Outra questão que foi revista pela autora nos autores da historiografia, foi a relação patronal na comunidade nova. Ricos e pobres formavam a nova ekklesia fundada por Paulo.

Na perspectiva cristã, as relações sociais seriam pouco relevantes nas relações dos membros da ekklesia ou comunidade. Uma nova ética é proposta por Jesus e se impõe aos códigos de moral das diferentes culturas existentes. Apesar disso, era inevitável, que uma autoridade romana tivesse problemas de convivência no espaço da comunidade com um estrangeiro, escravo ou pobre. Era provável que houvesse também um conflito entre os costumes dos membros da comunidade, porque os costumes judaicos são bem diferentes dos romanos, por exemplo. O pensamento grego também se distingue da tradição judaica, mais interpretativo-religiosa que sistêmico-filosófica. Os pequenos conflitos começam a surgir no dia-a-dia após a criação de uma nova forma de estabelecer relações sociais em uma cidade romana.

A comunidade de Corinto foi fundada no ano 50 por Paulo de Tarso. A autora afirma que ele provavelmente ficou na cidade por 18 meses (p. 56 e Atos 18:11). Nesse tempo ele trabalhava como tecelão, fabricando tendas (Atos 18:3) com Áquila e Priscila (ou Prisca[1]). É curioso, porque na cultura hebraica, aos sacerdotes era devido algum pagamento, o que fez com que Paulo lembrasse isso à comunidade em uma de suas epístolas.

A autora discute as teorias sobre quantas epístolas Paulo realmente teria escrito. Os autores consultados falam em oito epístolas, das quais uma se perdeu e as demais foram usadas na composição dos textos das duas epístolas da Bíblia. Simone conclui que duas se perderam (p. 62), que I Coríntios é composto de duas epístolas e que II Coríntios é composto de outras quatro epístolas, em resumo. Ela, contudo, defende a autoria de Paulo.

Além de Áquila e Priscila, outros personagens são nominalmente citados nas epístolas, dentre eles, Apolo. Simone (p. 137) localiza no livro de Atos (cap. 18), que se trata de um judeu nascido em Alexandria, eloquente e versado nas escrituras. A autora explica que ele tinha habilidade retórica, possivelmente superior à do próprio Paulo, o que o levaria a justificar que seu trabalho era “anunciar o Evangelho, sem recorrer à sabedoria da linguagem” (I Coríntios). Apolo era amigo de Paulo, e é um dos que levam a ele informações sobre a comunidade cristã de Corinto. Simone Mendes especula se ele não teria sido influenciado por Filo ou por autores do paleocristianismo de Alexandria, antes de ter vindo a Corinto.

Os Conflitos

Simone classifica os conflitos da ekklesia de Corinto em dois tipos: os conflitos políticos e os de conduta.

Um dos conflitos políticos foi a divisão de alguns dos membros da comunidade entre os “de Paulo” e “de Apolo”, que a autora interpreta como sendo a origem de uma série de considerações que Paulo faz nas epístolas. Apolo teria uma formação mais filosófica e Paulo falaria mais diretamente. Simone entende que os “simpatizantes” de Apolo (I Coríntios 3:3-6) valorizavam mais a sabedoria do mundo, o que teria levado Paulo a contrapô-la com a sabedoria de Deus, revelada pelo "espírito", (I cor 1:17, 2:16 e pág. 139 da dissertação de Simone Mendes).

A autora identifica 14 conflitos políticos em seu trabalho (p. 135) que os interessados podem estudar posteriormente.

Outra categoria foi identificada como conflitos de conduta, que a autora mostra ter origem nas diferenças culturais e morais dos membros da comunidade. Assim se encontra uma discussão sobre o uso de véu nas reuniões da ekklesia, outra sobre um membro que passou a viver com a mulher do pai, o recurso a tribunais gentios, possível manutenção de relações sexuais de membros com prostitutas, questões relativas a virgindade e casamento, consume de carnes sacrificadas aos ídolos, e ocupação de lugares na ceia do senhor (não havia missa à época, mas uma refeição comunal). A explicação de cada um desses conflitos pode ser lida nas páginas 121 e seguintes da dissertação.

Costumes diferentes, ética cristã e uma nova moral

O que se observa no trabalho do Programa de Pós-Graduação em História da UFES é uma análise das epístolas de Paulo aos coríntios que mostra a dificuldade em se construir uma comunidade formada de pessoas de diferentes origens, culturas e costumes. Ao resolverem viver como comunidade, os membros de Corinto são desafiados a reconstruir seus valores em uma perspectiva cristã. Paulo age como uma liderança, discutindo os problemas que surgem à luz dos ensinos de Jesus.

As epístolas são analisadas pela autora como uma reflexão paulina diante dos desafios que o convívio entre cristãos-judeus e cristãos-gentios se amplia, em lugar de ser lidas como um código de conduta cristã. Muitas das questões de conduta, por exemplo, são de ordem prática, e não foram abordadas por Jesus em suas pregações ou em seu convívio com os apóstolos, uma vez que todos eram oriundos da cultura hebraica e não havia conflito naquilo que habitualmente já faziam da mesma forma. As soluções paulinas para os problemas da época ganharam visibilidade e aceitação pela comunidade cristã como um todo, o que mostra que eram problemas comuns e que as soluções eram bem vistas.

O estudo do cristianismo primitivo ou paleocristianismo interessa a nós, espíritas, porque há diferenças marcantes entre as comunidades primeiras e as que se formaram após a fusão entre o movimento cristão e o estado romano. Esse evento “divisor de águas” se inicia no governo de Constantino, no século IV.




[1] Πρισκιλλαν, do grego, pode ser traduzido para o latim como Prisca. As diferentes Bíblias que lenho traduzem o nome da esposa de Áquila para Priscila. Na Bíblia em latim (Sacra Vulgata), o nome se encontra grafado Priscillam.