Aurélio A. Valente
No início do século XX, Aurélio Valente, tendo obtido as primeiras letras espíritas no grupo dos "Filhos Pródigos" e no grupo "Paz e Harmonia", escreveu um livro sobre mediunidade, preocupado não apenas com a instrução em língua portuguesa, mas com os atavismos católicos que coexistiam em meio espírita à proposta de Allan Kardec. Em 1929, então presidente da União Espírita Paraense, ele proferiu uma conferência que serviu de base ao seu livro "Sessões Práticas e Doutrinárias do Espiritismo".
"... Casamentos, batizados e outros sacramentos da Igreja de Roma foram adaptados e adotados por alguns espíritas, incapazes de se desfazerem de pronto das tradições seculares."
"A Doutrina Espírita não ensina de forma alguma, nem admite, nem mesmo por tolerância, essas práticas que constituem verdadeira profanação da sua simplicidade característica."
Com estas palavras fortes Valente não apregoava a intolerância com o Catolicismo Romano, mas a resistência ao sincretismo do movimento espírita.
Na década de 1930, quando Aurélio Valente escreveu seu livro, ele comenta também as aproximações das sociedades espíritas aos cultos dos índios brasileiros e afrodescendentes.
"A maneira de praticar o Espiritismo vai, desde os grupos bem organizados e escrupulosos, aos desorientados e fanáticos. Chegou-se, até, a estabelecer distinção entre "sessões de mesa" e "sessões de linha". Estas, onde pontificam africanos e índios, de acordo com os propósitos bons ou maus, são chamadas "linha branca" ou "linha negra"." (1973, p. 193)
Ele descreve as práticas religiosas, que envolvem dança, roupas especiais, calças arregaçadas, etc., e afirma:
"A isso alguns dão o nome de Espiritismo, enquanto outros o denominam de afro-catolicismo. Uma coisa, porém, afirmamos: não é Doutrina Espírita. (1973, p. 194)
Não encontrei no texto de Aurélio Valente qualquer menção ao termo Kardecismo. Apesar de usar uma frase de efeito, ele emprega Espiritismo ao longo de seu livro, como sinônimo de Doutrina Espírita. Não encontrei também as expressões baixo e alto espiritismo, que Giumbelli atribuiu aos órgãos do estado brasileiro e à medicina de então.
Esta resistência ao sincretismo (assim como a confusão entre as propostas filosóficas e religiosas) é antiga e data da chegada das ideias espíritas ao Brasil, como se pode ler na correspondência entre Telles de Menezes e Desliens, mas isso é assunto para outra publicação.