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23.3.08

Às Margens do Eufrates: A Trilogia



Uma mistura equilibrada de ficção e realidade, sob uma ótica espírita. Esta é a impressão que fica após a leitura da trilogia "Guardiães da Verdade", "Veladores da Luz" e "O Vôo do Pássaro Azul".

O espírito Josepho, através da mediunidade de Dolores Bacelar, descreve as intrigas de uma corte assíria à época do século VII a. C. O personagem central é o imperador Assírio Sargon II, filho de Salmanazar e pai de Senaqueribe. Em foco, o domínio assírio sobre o oriente médio e o antigo egito, as guerras contra a Samaria e o domínio do reino de Judá. A resistência urartiana e a cultura persa também têm um papel importante nesta história.

Josepho cria personagens que encarnam a dualidade do ser humano, as suas contradições, as escolhas entre o poder e o dever. A pena deste espírito vagueia entre as paixões dos indivíduos e as análises sociais.

O enredo é bem tramado, sendo muito difícil ao leitor adivinhar o desfecho dos três romances que se seguem, contando apenas uma história. Mais uma vez, impressionam as citações, datas, informações sobre os personagens históricos que se entrelaçam com os personagens imaginados, a ficção. Josepho interrompe sua narrativa inúmeras vezes para tecer explicações com bases na doutrina espírita para o leitor, às vezes muito extensamente.

Outra articulação curiosa é a dos dados históricos com os dados da tradição hebraica. A cultura assíria é posta a nu, e o espírito defende a tese de Burns que propõe que uma sociedade não se sustenta apenas com o cultivo do militarismo e de um imperialismo predatório.

Esta política gera as bases da insatisfação e da busca de libertação pelos povos dominados, com tanto mais empenho quanto mais se lhes dilacerem os recursos e a perspectiva de futuro.

Deixando um pouco de lado os relatos o que invadiram o mercado editorial espírita brasileiro, com pouca qualidade literária, o realismo fantástico de Josepho merece ser apreciado pela comunidade espírita brasileira e internacional.

27.1.08

Um Romance com Personagens Bíblicos

Reler um livro vinte anos depois é como ler pela primeira vez. Tive em mãos a sétima edição de “O Alvorecer da Espiritualidade”, primeiro livro da série “Às Margens do Eufrates” e não resisti a fazer uma nova leitura.

O espírito que se identifica como Josepho seria o conhecido Flávio Josefo, escritor judeu-romano do século 1 DC? Independente da resposta à pergunta, o autor demonstra ter um grande conhecimento das tradições históricas e legendárias do antigo testamento.

A série é um relato de reencarnações de um mesmo espírito, o autor. Não sou capaz de dizer se se trata de uma estratégia literária ou se o autor pretende realmente fazer um relato memorialista das suas encarnações. A fragilidade documental da civilização hebraica, especialmente no período em que acontecem os eventos do primeiro livro da série, nos permitem dizer apenas que o autor parece conhecer os costumes hebraicos e a genealogia do livro do Gênesis.

Seu personagem central, Javan, mais que um representante de uma classe social ou homem de época, é um indivíduo diferenciado na tribo de Methusala (seria Matusalém, da Bíblia, como referencia Josepho?). Javan parece representar o espírita no mundo contemporâneo, de tendência espiritualista em meio a uma sociedade imediatista; romântico, em meio a pessoas sensualistas; com senso de dever e que toma decisões heróicas, pensando na comunidade e na vida após a morte antes dos interesses pessoais.

A cidade de Enoch, possivelmente a mesma que se diz no Gênesis Bíblico ter sido criada pelo filho de Caim, representa no contexto do livro a vida dirigida pelo poder, pela dominação e pelo sensualismo. Mesmo em Enoch, Javan encontra um patriarca que preza os valores e a tradição, Methusael, que convive com uma geração cainita dividida entre o poder dos guerreiros, simbolizados em Tidal e a teocracia dos sacerdotes de Baal.

Descendentes de Caim e de Seth se enfrentam no contexto do livro.

O autor espiritual e outros membros da equipe de Dolores Bacelar fazem inúmeras notas ao longo do texto e tecem explicações no contexto da ética espírita para muitos dos acontecimentos e decisões dos personagens.

A editora fez um excelente trabalho nas edições mais recentes. Ampliou os tipos, tornou a capa mais sugestiva, criou títulos para os capítulos, colocou as notas no rodapé das páginas, evitando que o leitor tenha que ir ao fim do livro para conhecer seu conteúdo, ampliou o tamanho das fontes facilitando a leitura e as limitações de leitores que, como eu, já passaram dos quarenta anos.

Apesar da profunda impressão que a leitura me causou, não me sinto informado o suficiente para a defesa do caráter histórico da narrativa, mas sem dúvida, seu caráter simbólico traz uma bela reflexão para a comunidade espírita, hoje.

No texto se encontram três ou quatro referências muito polêmicas: Capela, Lemúria, Atlântida e o dilúvio. O autor espiritual defende sua existência, embora relativize a questão do dilúvio, que aparenta ser regional. A referência aos avanços das sociedades atlantes e rutas (habitantes da Lemúria) são surpreendentes e causam estranheza, mas não chegam a comprometer o conjunto da obra.

Outra questão que apenas proponho, mas não tenho condições de desenvolver é se haveria uma influência do pensamento gnóstico no texto do autor espiritual.
Parece-me que conhecer e debater o conjunto da obra, que demonstra as muitas variações e possibilidades da faculdade mediúnica é uma tarefa importante para o movimento espírita, que ainda não lhe deu o devido valor.