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21.4.21

O CHICO DOS POBRES

 

Chico Xavier à sombra do Abacateiro: repare no público ao seu redor


Terminamos no último domingo a Semana de Chico Xavier, na TV Célia. Convidar pessoas próximas ao Chico nos trouxe uma nova luz sobre o que ele fazia. Uma coisa que percebemos dos expositores é o que podemos chamar de “o Chico dos pobres”.

Na minha juventude ouvi os militantes políticos na universidade criticarem a distribuição de bens, como cestas básicas, para os pobres. Eles chamavam essa prática de “amansar o cordeiro”, porque não resolvia o problema de sua exclusão social. Era um discurso raso, que não ia além da afirmação aparentemente óbvia.

Na nossa casa, por exemplo, a distribuição de cestas básicas tinha uma finalidade promocional. Ajudava famílias que haviam migrado da roça para a periferia de Belo Horizonte a se estabelecer. Muitas dessas famílias chegavam na esperança de um novo futuro, mas sem emprego nem bens. Algumas delas entravam em um ciclo negativo, cujas perdas contínuas e a fome levavam o pai ao alcoolismo, à depressão e ao afastamento do núcleo familiar. Uma cesta de alimentos nem de longe atendia as necessidades desses núcleos, mas combatia a fome e as reuniões mensais que fazíamos davam algum alento. Mantido o núcleo familiar, aumentavam as chances de adaptação à cidade grande.

No caso do Chico, o significado do que ele fazia era completamente diferente. Ele se dedicou à humanização dos miseráveis, ao estabelecimento de laços de afeto com eles. Parece bobagem aos olhos de um intelectual que deseja, justificadamente, a inclusão social do excluído, a existência de direitos mínimos, como o trabalho, a renda, a moradia, a saúde e a alimentação. Mas não é.

Roberto e Marival contaram-nos de uma tarefa na qual o Chico visitava as periferias de Uberaba. Lugares sem luz nem água encanada. Lampião na mão, lá ia um grupo de voluntários, visitar as periferias.  Marival surpreendia-se com a capacidade do Chico guardar os nomes das pessoas. E o Chico lhe explicava que quem ama, lembra. Esse é um primeiro ponto a se observar. Os pobres não eram “pessoas pobres” para o Chico. Eram o seu Antônio, a dona Maria de João, a Celestina, filha de Dica. Ele visitava a casa, e era uma visita tão ilustre, que o filho de uma família fez poesia para o Chico. A tarefa não era a distribuição do que quer que levassem. A tarefa era a convivência. Acho que ninguém entendeu direito o Chico.

Depois Juselma nos explicou a questão da moedinha. Uma garrafa de água de dois litros, acho, cheia de moedinhas de dez centavos, depois de vinte e cinco centavos, e vai subindo o valor na medida em que o tempo e a inflação corroíam a capacidade de compra do nosso dinheiro. Por que isso? Qual o sentido? Perguntava-se a professora Juselma, perspicaz. As moedas de pequeno valor de compra dificilmente fariam a diferença na vida das pessoas, embora quem ganhe muito pouco dinheiro tenha uma visão diferente de uma moeda de um real, por exemplo.

Mas não tinha nada a ver com distribuição de renda. Tinha a ver com proximidade psicológica. Com o aumento da fama do Chico, ele atraía espíritas e interessados de todas as classes sociais. Seguramente, os das classes superiores se insinuavam, se achavam no direito de serem recebidos, e se aproximavam, às vezes de forma importuna e inoportuna, o que também nos foi narrado. A moedinha era uma espécie de reserva de tempo para que o pobre também pudesse se aproximar do Chico. Ele se sentia no direito de pegar uma moedinha e de agradecer ao Chico. Juselma nos disse que era um pequeno momento, o pobre beijava a mão do Chico e o Chico beijava a mão do pobre, em retribuição. Nesse pequeno instante, uma palavra, um pedido, uma fala rápida. Tudo à sombra do abacateiro, para receber até quem tivesse alguma resistência com o espiritismo e os centros espíritas. Qualquer um poderia se aproximar nessas horas e os pobres não ficavam “no fundo do templo”, como percebia outro Francisco, o de Assis. O Chico não cobrava a conversão dos pobres, que eles se tornassem espíritas. Isso também nos foi contado pelo Marcel. A mulher que elogiou abertamente o marido, mas se queixava dele não ser espírita. O Chico teria dito:

- Se ele é tão bom assim, não mexe em nada não. Deixa ele ser quem é.

Outra percepção do Marcel, a do Chico diante da dor da perda. A mulher chegou desesperada com a morte do filho. Chorando, perdida. Um terremoto abalou seu mundo. E o que o Chico fez: abraçou-a e chorou com ela. Nem uma frase pronta, nem uma percepção sobrenatural, nenhuma esperança, nenhum “sermão espírita”, do tipo espírita não age assim, ou “a vida não termina com a morte”; apenas uma alma que sente a dor que sente a outra.

Por fim, um tema polêmico, o dos aparelhos de ar condicionado, um dos motivos do afastamento do Chico do Centro que ele fundou em Uberaba. Essa história se espalhou no meio espírita, e há até quem advogue que não se pode colocar ar condicionado na casa espírita, porque “Chico dixit”.

Lembrei de uma fala do Chico, antiga, replicada pelos que o conheceram. “O Centro Espírita tem que ser um lugar simples o suficiente, de tal forma que um pobre possa cuspir no chão se assim o quiser.”

O que entendi é que o problema não é o ar condicionado, ou o chão de terra batida do centro, mas o propósito de Chico Xavier, um propósito claramente franciscano, de conviver com os pobres. Há de se ter um lugar que os pobres possam frequentar sem se sentir “estrangeiros” ou constrangidos. Que possam se sentir em casa, acolhidos, um lugar que sintam que lhes pertence, sem qualquer constrangimento de serem pobres. Esse era o trabalho dele, como lemos na narrativa escrita por ele da rainha católica portuguesa que pede a ele que cuide dos “filhos peninsulares” dela. Era o trabalho do Chico, o que ele se propôs a fazer.

O grupo que o Chico frequenta precisa ser simples o suficiente para que ele possa continuar fazendo seu trabalho com os pobres: o de trocar uma palavra, ouvir uma aflição, cumprimentar pelo nome, perguntar pelo filho... Em outras palavras, humanizar a convivência e fazê-lo perceber que é tão pessoa como um rico, ou como um poderoso, ou como uma pessoa formada em nível superior.

Essa é apenas uma das conclusões das palestras dessa semana. Foi uma experiência muito rica e diferente do cotidiano. Espero que possamos, no futuro, fazer novos recortes da vida e da produção do Chico, como nos mostrou o Marcel Souto Maior.

6.4.21

SEMANA DE CHICO XAVIER NA AECX

 


No mês de abril o movimento espirita costuma se organizar para lembrar de Chico Xavier e falar de sua obra. No dia 02 de abril de 1910 ele reencarnava na então cidadezinha de Pedro Leopoldo, parada de trem próxima a Belo Horizonte, típica cidade do interior. O pai de Chico constituiu uma família extensa com dois casamentos: Maria João de Deus e Cidália Batista. 

Fico pensando se espíritos como Chico Xavier, que vêm com uma missão, escolheriam a pobreza e as experiências infantis de falta, como o período em que ele ficou sem família, com os irmãos sendo criados em casas distintas e ele próprio com uma madrinha que ficou marcada em sua memória por não lhe ter amor nem carinho, para que esse tipo de experiência fique escrito "a fogo" em sua alma, motivando ações no futuro. Tentar auxiliar a pobreza e valorizar a família, dedicar-se aos irmãos, primeiro os de casa, depois dos irmãos em Deus, foi um imperativo na vida desse médium.

Quando a casa de Célia Xavier nos convidou para integrar um grupo que organizasse uma semana em favor da memória de Chico, fiquei pensando como constitui-la. Trocando ideias com os colegas, acabamos aceitando a ideia de compor a semana com pessoas que conviveram com o médium de Pedro Leopoldo e de Uberaba e, se possível, que escreveram sobre ele. 

Resolvemos fazer na segunda semana, porque, seguramente, muitos centros e associações espíritas iriam homenageá-lo na primeira, escasseando os expositores. Apesar do pouco tempo que tínhamos, conseguimos um time de primeira divisão:

Jhon Harley tem dois livros (quase três) sobre Chico Xavier, no qual se lê seu entusiasmo e capacidade de pesquisa do médium.




Roberto e Marival Veloso são dois irmãos que conviveram com Chico Xavier quando moravam no triângulo mineiro. Eles são fontes orais da vida de Chico Xavier. Marival organizou o livro "Chico no Monte Carmelo" que foi publicado pela editora União Espírita Mineira. 



Juselma Coelho é ao mesmo tempo "prata da casa", dirigente da Sociedade Espírita Maria Nunes, presidente do Conselho de Administração do Hospital Espírita André Luiz e trabalhadora incansável. Ela conviveu com o Chico no período em que ele residia em Uberaba. 

Suely Caldas Schubert dispensa apresentação. Autora do livro Testemunho de Chico Xavier, fez uma análise extensa da correspondência de Chico com a Federação Espírita Brasileira, respondendo algumas questões e fazendo com que o leitor elabore outras novas.


Alexandre Caroli Rocha é acadêmico e se debruçou sobre dois aspectos da produção mediúnica de Chico Xavier. Na dissertação "A poesia transcendente de Parnaso de Além Túmulo", ele trata dos poetas e da poesia que ganhou as páginas psicografadas a lápis pelo médium de Pedro Leopoldo e em "O caso Humberto de Campos: autoria literária e mediunidade", trata do escritor maranhense, analisando sua produção antes e depois da morte, o que possibilitou à Unicamp dar ao Alexandre o título de doutor em teoria e história literária, em 2008. Seguem os links:

http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/269864

http://repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/270002

A tese, dissertação e dois artigos de Alexandre Caroli podem ser encontradas no portal Espiritualidade e Sociedade, que divulgou os links das bibliotecas digitais oficiais:

http://www.espiritualidades.com.br/Artigos/R_autores/ROCHA_Alexandre_Caroli_tit_Poesia_transcendente_de_Parnaso_de_Alem_Tumulo-A.htm

Um trabalho dele sobre as citações de Humberto de Campos em sua obra mediúnica se tornou um dos capítulos do livro "A temática espírita na pesquisa contemporânea", organizado pela Liga de Pesquisadores do Espiritismo e publicado pelo Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro.


Nosso último convidado é o jornalista, escritor e roteirista, Marcel Souto Maior. Seu livro "As vidas de Chico Xavier" tornou-se best seller e foi adaptado para o cinema, pela Sony Pictures, Globo Filmes e outros, que nos entregou o filme "Chico Xavier", dirigido por Daniel Filho. Marcel entrevistou Chico Xavier em Uberaba e colheu um volume significativo de informações com pessoas ligadas a ele. Empregando suas habilidades profissionais, escreveu uma biografia que "fisga" o leitor desde o início, levando-a a uma viagem ao longo da vida do médium.


O Marcel tem três entrevistas interessantes sobre o universo de Chico Xavier na sua página, que pode ser acessada via google digitando @marcelsoutomaior. Uma com a TV O Dia, outra com o jornalista e espírita André Trigueiro e a última com o psicólogo Rossandro Klingey.


Outro espaço interessante é o Marcel no Instagram. Ele está divulgando estórias e frases de Chico Xavier, além de outros projetos como o Calma e o Histórias para Contar. 

Com este time de convidados, acreditamos que as conversas contribuirão para a bagagem do participante e permitirão uma melhor compreensão da pessoa e produção mediúnica de Chico Xavier.

22.10.20

CINCO ESPÍRITOS ESCREVEM POR DOIS MÉDIUNS: CHICO XAVIER E DIVALDO FRANCO




Tem uns livros que compramos e lemos imediatamente, sem perder o fôlego. Há outros que nos chamam a atenção ao ponto de adquirirmos, mas que vão ficando na estante da biblioteca por muito e muito tempo, até que um dia surge a motivação inesperada para ler.

Tal é o caso do interessante “E o amor continua”, organizado por Nilson de Souza Pereira, amigo de Divaldo Franco, mas composto de mensagens psicografadas por Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco, além de depoimentos das famílias e identificação de algumas das informações objetivas fornecidas pelos espíritos desencarnados, como nomes de parentes citados, eventos, datas, informações sobre a desencarnação, etc.

O livro tem outras curiosidades. Ele documenta a visita de Divaldo Franco ao Grupo Espírita da Prece, em Uberaba, em 15 de maio de 1982 (quando fez palestra, enquanto Chico Xavier psicografava e psicografou uma das mensagens do livro) e comentando o evangelho no culto de assistência aos necessitados (em 29/07/1981), na mesma instituição. Ele documenta que Chico acolheu e trabalhou conjuntamente com Divaldo Franco já nos anos 1980, em Uberaba-MG.

Outra coisa que me chamou a atenção no livro, foi o que fizemos no último Encontro Nacional da Liga de Pesquisadores do Espiritismo: uma coletânea que nos mostra o mesmo espírito se comunicando por dois médiuns diferentes, no caso, dirigindo-se à família. As mensagens, sempre acompanhadas dos comentários e informações das famílias, que às vezes explicam não conhecer Divaldo, fornecem redações de seus afetos comunicantes ainda encarnados, tornam o livro ainda mais rico, embora contenha apenas as comunicações de cinco espíritos; seis, se compararmos também as mensagens de capa ditadas por Bezerra de Menezes aos dois médiuns, que foi publicada com forma de letra escrita à mão.

Chamou-me a atenção o “sotaque mediúnico” dos dois médiuns. Falta-me o conhecimento que seria próprio da área de letras para explicar, mas há algo no texto dos diferentes espíritos psicografado pelo Chico que me faz, como leitor, dizer: há a mão de Chico Xavier por detrás dos ditados, e o mesmo acontece com Divaldo Franco. A linguagem dos médiuns, por mais que façam um esforço de anulação da sua personalidade para serem mais fiéis ao ditado dos espíritos, trazem algumas de suas características. Talvez, se embaralhássemos as mensagens e as entregássemos a um leitor que conhece bem os estilos dos dois médiuns, ele fosse capaz de identificar, pelas singularidades de cada um, quem foi o escritor do ditado do além. 

Independente das singularidades ou idiossincrasias mediúnicas, as famílias reconhecem seus afetos que se foram, identificam os nomes de outros familiares (ou, às vezes, são surpreendidos com familiares já esquecidos aqui, mas ainda atenciosos no mundo espiritual com seus parentes).

O título parece sugerir um duplo significado: fala da continuidade do amor das pessoas que desencarnaram por seus afetos que continuam jornadeando no mundo, mas também sugere o amor entre Chico Xavier e Divaldo Franco, apesar das turbulências do passado, coisa muito comum na trajetória dos relacionamentos humanos.

Não sei se o livro teve uma segunda edição (na verdade, ao pesquisar a capa, encontrei-o disponível como e-book), nem se está esgotado ou se é de fácil acesso aos que se interessarem por ele, mas se tiverem acesso a ele, não percam a oportunidade de conferi-lo por si mesmos.


24.2.20

PRIMEIRO CONTATO DE CHICO XAVIER COM O LIVRO MEMÓRIAS DE UM SUICIDA





Ontem estivemos conversando sobre a trajetória de Camilo Castelo Branco, desde sua vida em Portugal até sua notícia de reencarnação em um centro espírita da capital mineira. Entre outras coisas, apresentamos a comparação entre as descrições dadas por ele de sua desencarnação a Yvonne Pereira, a partir de 1926 e a Chico Xavier em 1936, que foi publicada no livro O Martírio dos Suicidas, da editora da Federação Espírita Brasileira - FEB, compilado por Almerindo Martins de Castro.

Na saída, Danilo chamou minha atenção para o livro Testemunho de Chico Xavier, escrito pela Suely C. Schubert, que analisa a correspondência entre o Chico e os dirigentes da Federação Espírita Brasileira. Foi muito boa a referência.

Encontramos duas cartas escritas pelo médium mineiro, que tratam da médium fluminense. As duas referem-se aos dois primeiros livros publicados pela FEB. 

A primeira carta escrita pelo Chico data de 28/11/1955. Ele recebeu um exemplar do livro Nas telas do infinitoassinado pela Yvonne, e ficou curioso quanto ao contato da médium com o espírito Léon Denis. O Chico confessa que não conhece o “estilo camiliano”, não se colocando em condições de analisar a pequena novela O tesouro do castelo, que é uma das duas narrativas que compõem o livro, mas gosta muito do conteúdo doutrinário do texto. Esta carta nos permite supor que ele não conhecia pessoalmente a médium, já que pedia notícias que poderiam ter sido dadas por ela, pessoalmente.

A segunda foi escrita em 12 de dezembro do mesmo ano e trata do livro Memórias de um suicida. Faz sugestões muito pontuais para o texto do livro, o que dá a entender que a FEB teria enviado uma prova do livro ou cópia do texto datilografado para obter as impressões do médium mineiro. Ele antevia o sucesso do livro, que realmente aconteceu.

Agradeço ao Danilo a lembrança que contribui com o trabalho que publicamos no livro O espiritismo, da França ao Brasil, ano passado. Mais uma evidência de que o Chico não conhecia pessoalmente Yvonne, nem teve acesso ao texto do Memórias quando psicografou Camilo Castelo Branco em 1936.

17.2.20

OS TEXTOS CRISTÃOS NOS TEMPOS DE PAULO DE TARSO, SEGUNDO EMMANUEL.




No último dia 09 de fevereiro, oferecemos o seminário “O espiritismo e os cristãos primitivos” no Cenáculo Espírita Thiago Maior, em Belo Horizonte-MG. 

Como o tema é vasto, escolhi alguns assuntos e autores que são pouco lidos pelo movimento espírita local, como Léon Denis, Hermínio Miranda, Wallace Leal Rodrigues, os autores de origem acadêmica e os autores da filosofia patrística, além, claro, dos Evangelhos que compõem o cânone que gerou a vulgata, alguns textos que fizeram parte do cânone e textos antigos considerados heréticos ou pseudoepígrafes ao longo da história da Igreja. Tudo isso sem esquecer de Allan Kardec.

Sobre a origem dos textos, especialmente os que foram reconhecidos por São Jerônimo, criando a Vulgata, há informações precisas no livro Paulo e Estêvão, que nosso amigo Carlos Malab teve o cuidado de separar e nos enviar. 

Percebendo que poderíamos ter exposto de forma mais clara as posições de Emmanuel, passo publicar no Espiritismo Comentado os recortes feitos pelo Malab. 

1. Sobre a autoria do Evangelho Segundo Mateus, e a hipótese de este ter sido escrito por alguém ligado a ele, e não por ele.

“Por dois dias ali permaneceu, em suave embevecimento. Sem revelar-se, procurou Levi, que o recebeu de boa-vontade. Mostrou-lhe sua dedicação e conhecimento do Evangelho, falou da oportunidade de suas anotações. O filho de Alfeu alegrou-se ao contágio daquela palavra inteligente e confortadora. ”

(Emmanuel. Paulo e Estêvão. FEB, página 241 do ebook publicado pela Amazon.com).

Nessa citação fica claro que Emmanuel entende que Mateus (Levi) era alfabetizado, sabia escrever e fez anotações que foram lidas por Paulo. Essas anotações podem não ser o texto que hoje temos com o nome de Evangelho Segundo Mateus, mas com certeza vão além de meras fontes orais que alguns especialistas consideram ser a origem dos textos dos quatro evangelhos. Essas anotações podem compor o que alguns especialistas denominam de Q (do alemão quelle, que significa fonte) e que teriam sido consultadas pelos autores do Evangelho Segundo Marcos, que hoje é considerado pela maioria dos especialistas como o primeiro evangelho a ser publicado.

2. Sobre a existência de textos sobre Jesus consultados por Paulo. Na narrativa de Emmanuel, Paulo e Barnabé são assaltados em viagem.

“Reparando nos pergaminhos do Evangelho que os missionários consultavam à luz da tocha improvisada, um dos ladrões interrogou desconfiado e irônico:

- Que documentos são esses? Faláveis de um príncipe opulento... Ouvimos referências a um tesouro... Que significa tudo isso?

Com admirável presença de espírito, Paulo explicou:

- Sim, de fato estes pergaminhos são o roteiro do imenso tesouro que nos trouxe o Cristo Jesus, que há de reinar sobre os príncipes da Terra.

Um dos bandidos, grandemente interessado, examinou o rolo das anotações de Levi.”

... “Os ladrões guardaram o Evangelho cuidadosamente”

... “nos subtraíram também as anotações evangélicas que possuíamos. Como recomeçar nossa tarefa?”

Paulo desabotoa a túnica e diz a Barnabé:

“- Enganas-te, Barnabé – disse com um sorriso otimista - , tenho aqui o Evangelho que me recorda a bondade de Gamaliel. Foi um presente de Simão Pedro ao meu velho mentor, que, por sua vez, mo deu pouco antes de morrer.” 

(Emmanuel. Paulo e Estêvão. FEB, páginas 312 - 313 do ebook publicado pela Amazon.com)

Nesta narrativa de Emmanuel temos diversas informações. Ele nos mostra que as anotações foram feitas em pergaminhos. Mostra também que Paulo e Barnabé sabiam ler, o que é considerado dúvida por estudiosos não espíritas, como Bart Ehrman. Emmanuel chama as anotações de Evangelho, mas se refere a elas também como anotações evangélicas, o que sugere que podem não ser um exemplar do Evangelho Segundo Mateus, mas as anotações realizadas por Levi, que podem ter a forma de logia, como supõe Hermínio Miranda (Cristianismo, a mensagem esquecida, O Clarim, 1988, p. 159-160).

Imagino que o tema seja polêmico, mas me admiro ainda mais com o texto psicografado por Chico Xavier e sua precisão, como falei no seminário. Que possamos continuar estudando sobre os evangelhos sem fanatismos.

12.11.19

ORIGEM DA RESTRIÇÃO ÀS EVOCAÇÕES DE ESPÍRITOS NO BRASIL



Foto de Frederico Júnior, médium do Grupo Ismael


É sabido que Kardec usava as evocações como uma forma de obter informações sobre casos específicos que lhe chegavam às mãos. Contudo, ele não as recomendava como técnica universal e infalível na prática mediúnica.

As evocações nominais, segundo Kardec, demandam médiuns especiais, identificados por ele como flexíveis e positivos. [1] Os médiuns positivos, apresentados no capítulo 16 de O Livro dos Médiuns, segundo o próprio Kardec, são muito raros. Os médiuns flexíveis, que Kardec menciona apenas no capítulo 16, item 191, parecem ser o mesmo que os maleáveis, definidos acima. São capazes de dar comunicações de “diversos gêneros”, e ditadas por “quase todos os espíritos”.

Atento para com suas limitações ele advertia os espíritas para o risco de fraude por parte dos espíritos: “evoca um rochedo e ela te responderá. Há sempre uma multidão de espíritos prontos a tomar a palavra sob qualquer pretexto”[2].

Alguns autores atribuem a censura da prática das evocações a Chico Xavier. Eles geralmente se lembram da frase: o telefone toca de lá para cá. Honestamente, acredito que não seja verdade. Chico participava de reuniões onde ocorriam evocações mentais, nas quais parentes de pessoas desencarnadas pediam à espiritualidade a sua comunicação. Havia apelos mentais[3]. Tantos, que no livro Missionários da Luz, os espíritos em uma sessão de materialização recomendam que as pessoas cantem, para que se desligassem do petitório mental (p. 118). Isso significa que mentalmente se solicitava da espiritualidade a presença dos familiares, entre outros desejos, embora não se pudesse assegurar que eles estariam em condições de se comunicar, como vemos no capítulo 25 de O Livro dos Médiuns na pena de Allan Kardec: há diversos motivos para que os espíritos evocados não possam se manifestar. A explicação do Chico aos familiares, referindo-se ao telefone, é mais um eufemismo, visando preservá-los da dor da perda, mais uma vez revivida.

Estudando as informações publicadas sobre o Grupo Ismael, do Rio de Janeiro, encontrei algumas orientações dadas pelo “espírito guia” do grupo pela mediunidade de Frederico Júnior. Ele dizia:

“Não se ofereçam para evocações. Quando um centro não lhes parecer homogêneo, neguem-se ao trabalho, porque assim pouparão elementos do seu cérebro e não darão ocasião a divertimentos, a que muitos estão acostumados.
A sua linguagem deve ser esta:
Eu só trabalho quando meu guia esteja a meu lado, e desde que meus companheiros não me proporcionem a satisfação desta vontade, eu não trabalho: porque serei uma máquina sem maquinista, serei uma bússola sem agulha, serei um navio sem leme, e o meu estado é perigoso.” – Ismael via Frederico Júnior[4]

Creio que a orientação de Ismael se deve à época e aos conhecimentos do grupo. No Brasil ainda era muito comum a prática da mediunidade (e a de efeitos físicos também) para atrair adeptos. O grupo de Ismael era um dos primeiros a se dedicar ao exercício sistemático da mediunidade.

Se o público participante, que ignorava o espiritismo e os cuidados com a mediunidade, fosse incentivado a ir, movido exclusivamente pela curiosidade, os médiuns ficariam expostos a vexames públicos, às reações psicológicas dos assistentes da reunião e de outras consequências desagradáveis, diante da prática pública e oral de evocações. A prática mediúnica se tornaria uma espécie de espetáculo, onde as pessoas iriam querer que seus desejos e exigências pessoais fossem atendidos pelo médium. Muito diferente do ambiente de estudo criado por Allan Kardec na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em Paris. Talvez por isso tenhamos a orientação restritiva do espírito que se identificava como Ismael.

O cuidado intransigente da presença do "guia" sugere fragilidade da direção encarnada da reunião mediúnica. O médium se orienta preferencialmente através do espírito que reconhece como guia. Sabemos que é uma atitude arriscada, porque nem sempre o médium é capaz de identificar esse espírito e outro espírito pode se passar por ele. Seria um cuidado próprio para a época e específico para o Grupo Ismael? Penso que sim.

Não há como afirmar sem dúvida que essa é a origem da restrição às evocações verbais nas reuniões mediúnicas brasileiras, mas é o que encontrei de mais antigo, e Chico Xavier ainda usava calças curtas.




[1]KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte - Das manifestações espíritas. Capítulo 25 - Das evocações » Considerações gerais, item 269]
[2] KARDEC, Allan. Evocações dos animais in: O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte Segunda parte - Das manifestações espíritas - Das evocações. Capítulo 25 - questão 283 - 36ª.]
[3] LUIZ, André. Materialização. in: Missionários da Luz. 13 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980.  p. 117-118
[4] RICHARD, Pedro. Frederico Pereira da Silva Júnior, Reformador, Rio de Janeiro, ano 32, n. 18, 16 set. 1914,  p. 319


10.12.17

COM O CHICO NO CINEMA



Passei o final de semana com Chico Xavier. Não o Chico, espírito desencarnado, mas o Chico da mente de um autor espírita e mineiro.

Fiquei encarregado de falar sobre a vida de Chico Xavier no sábado, na reunião de encontro das mediúnicas, e me incumbi de concluir a leitura dos dois livros escritos por John Harley, espírita de Pedro Leopoldo que teve convivência direta e familiar com o médium.

“O voo da garça” e “Nas trilhas da garça”, publicados há pouco, são dois livros muito diferentes dos que já li sobre o Chico, porque John optou por uma narrativa culta, com palavras de fácil entendimento, que entremeiam a vivência dele, com a vivência de outros “amigos de Chico” e com a literatura disponível sobre a vida do orientando de Emmanuel. John nos deixa saber que ele tem uma trajetória pela psicologia, o que nos faz compreender por que ele busca o mesmo que nós: desconstruir a imagem de santo popular e entender a humanidade do Chico, coisa que o médium sempre prezou, até mesmo na escolha do seu pseudônimo.

As perguntas que ele se faz sobre o médium nunca têm respostas simples ou monocausais. Perguntas como: por que ele se mudou para Uberaba? São respondidas à luz de diversos eventos e opiniões de outros autores, que culminam em uma resposta sempre elaborada e complexa.

John não consegue ocultar a admiração que tem do médium, e nem precisa, já que sabemos bem “de onde vem” o texto, e para quem foi escrito. Admiração que não se confunde com ilusão porque ele percebe e deixa perceber o sofrimento do Chico com a sua idealização pelo público, o preço da fama (no caso, o sacrifício da intimidade), a invasão não desejada pelos seus admiradores, a luta com (ou contra) seus impulsos, as difíceis escolhas que ele fez pelo compromisso com a doutrina. Creio que ninguém vai querer ser Chico Xavier após ler os livros de Harley.



Hoje fui ao cinema com a minha filha que está de gesso no pé, mas se recuperando bem. Conseguimos uma cadeira de rodas no shopping, para que ela não tivesse que se deslocar de muletas e fomos assistir um cinema em família. A jovem na cadeira de rodas chamava a atenção das pessoas, que a olhavam com diversos estados de espírito, entre a dúvida e a piedade. As crianças não escondiam algum comentário com as mães, sempre generosos ou engraçados.

Ao fim do filme, uma das funcionárias do cinema nos atendeu com muita gentileza, facilitando a saída, informando sobre os espaços para cadeira de rodas e consolando minha filha, dizendo-lhe que em breve estaria andando novamente. Acolhemos com simpatia a generosidade dessa funcionária, que se sentiu respeitada e segura conosco. A conversa com minha filha foi até o ponto em que ela recomendou que aproveitasse o convívio com a mãe, que compunha o nosso trio, quando ela se emocionou. Ela nos disse que sua mãe havia ido há três meses, e que ela sentia muita saudade. Sabia que a mãe estava bem , mas nunca mais receberia um abraço dela.

Eu reagi como de costume, disse-lhe que ainda iria rever a mãe, mas ela não escutou.

Imediatamente, recordei a narrativa do John. Ele dizia que muitas pessoas levavam sua dor para o Chico e que uma vez ele ouviu uma mãe narrar a dor de perder a filha. O ímpeto dele foi de falar alguma coisa que normalmente dizemos, como “o tempo vai diminuir a sua dor”, ou “não fique triste”, ou ainda alguma frase daquelas que visam diminuir a manifestação de sofrimento, mas que expressam apenas a nossa incapacidade de entendê-lo ou nosso desejo oculto de afastá-lo de nós.

O Chico apenas abraçou e chorou. Chorou com a mãe. E o ato de perfeito entendimento, de empatia na dor, parece que tinha seu efeito mágico. O choro aliviava. Ela não estava mais sozinha em sua dor.

Quando me lembrei, quis abraçar também a funcionária, mas não seria conveniente. Entendi que o Chico não apenas fazia a coisa certa, mas criou o lugar certo e um momento socialmente aceito para que as dores pudessem ser repartidas. Eu entendi como era singelo e, ao mesmo tempo, grandioso, o trabalho que esse homem fez. Alguém com óculos diferentes dos meus, geralmente critica o que o Chico fazia, como assistencialismo ou sensacionalismo baratos. Geralmente são pessoas que enxergam o homem apenas com suas necessidades fisiológicas, de segurança e de conhecimento, visto como arte e cultura. Eles não estão errados, apenas são incapazes de compreender o que fazia o médium das Minas Gerais.

Agradeço ao John Harley ter compartilhado seu mundo íntimo. Nos dias de hoje, foi um ato de coragem.

13.10.17

CONVERSANDO SOBRE EDUARDO C. MONTEIRO, A LIHPE E O ESPIRITISMO COMENTADO


A jornalista Clícia Ribeiro do Vale, do Centro Espírita Bezerra de Menezes, em Arcos fez uma entrevista conosco sobre a Liga de Pesquisadores do Espiritismo e o Espiritismo Comentado. Como surgiram e para que vieram? Confiram os vinte minutos de conversa bem mineira no link abaixo.


Ouça também a palestra sobre Francisco Cândido Xavier feita por nós na mesma data no link abaixo:



6.10.17

A PEDRO LEOPOLDO DE CHICO XAVIER

Imagem de Maria João de Deus com Chico ainda criança, do filme "Chico Xavier, o filme"


Já apresentamos no EC a Casa de Chico Xavier em Pedro Leopoldo e as impressões que tivemos durante sua visita.

A Fundação Cultural Chico Xavier mantém um site que apresenta um roteiro turístico para quem desejar visitar a cidade natal do médium, que dista 46 km da capital mineira. 

Foram escolhidos nove pontos turísticos para os interessados:

1. A fábrica de tecidos Cachoeira Grande que o empregou aos 9 anos de idade (que hoje seria considerado trabalho infantil, portanto, proibido)
2. O memorial do Centro Espírita Luiz Gonzaga, com trinta quadros de óleo sobre tela referentes à vida do médium
3. O açude do Capão, onde Chico teria identificado Emmanuel pela primeira vez
4. A praça Chico Xavier, que contém uma estátua de bronze de tamanho natural do médium
5. A fazenda modelo, de posse da UFMG e administrada pela União Espírita Mineira, onde Francisco trabalhou durante 21 anos
6. A mostra permanente Chico Xavier, organizada por Geraldo Leão, contendo cartas, documentos e fotos, no prédio da UNIMED
7. A Escola Estadual São José, onde ele fez o curso primário de 1919 a 1923.
8. O Grupo Meimei, fundado por Chico em 1952
9. A Casa de Chico Xavier, transformada em museu e centro espírita

Fotos dos lugares podem ser acessadas em http://www.casadechicoxavier.com/caminhos-de-luz/

O site contém também a produção da editora Vinha de Luz, que vem trazendo à luz, entre outros livros, muitas psicografias inéditas de Chico.  

Os títulos podem ser acessados em: http://www.casadechicoxavier.com/editora-vinha-de-luz/


9.8.17

A POESIA TRANSCENDENTE DE PARNASO DE ALÉM TÚMULO



Texto exclusivo de Alexandre Caroli Rocha para o Espiritismo Comentado

Parnaso de além-túmulo, primeiro livro de Chico Xavier, é uma antologia poética psicografada que, em 1932, era composta por 60 poemas atribuídos a 14 autores. Ao longo de suas edições, o livro foi crescendo, até que, em 1955, estabilizou-se com 259 poemas atribuídos a 56 poetas brasileiros e portugueses.
Entre esses, encontram-se nomes consagrados, como Fagundes Varela, António Nobre, Júlio Diniz, Castro Alves, Olavo Bilac etc.; nomes pouco conhecidos, como Cornélio Bastos, Albérico Lobo, Lucindo Filho etc.; e mesmo poetas anônimos, como A. G., Alma Eros, Marta e Um desconhecido.

Em minha dissertação de mestrado (Letras, Unicamp, 2001), estudei mais detidamente os poemas atribuídos aos portugueses João de Deus, Antero de Quental e Guerra Junqueiro e aos brasileiros Cruz e Sousa e Augusto dos Anjos. Na pesquisa, utilizei importantes estudos a respeito desses poetas, a fim de verificar se particularidades descritas pelos críticos também fazem parte dos versos psicografados.

Notei que, em grande medida, características formais e temáticas dos autores estudados também estão presentes nos versos mediúnicos. A constatação nos permite inferir: quem concebeu os poemas, além de possuir diversas habilidades poéticas, conhecia muito bem singularidades sutis daqueles autores, as quais foram apreendidas e explicitadas nos estudos críticos em que me apoiei.

Durante os 23 anos que se passaram entre a primeira e a edição definitiva de Parnaso, a cada nova edição o volume ia crescendo; novos poemas e novos autores eram acrescentados, e alguns poemas foram suprimidos. Havia também revisões, igualmente atribuídas aos autores espirituais; era uma obra em construção.

Esse processo sugeria que alguém estava encaminhando a antologia para alguma direção, visto também que, no mesmo período, outros livros de poemas psicografados por Chico Xavier foram publicados. Haveria, assim, um planejamento particular ao Parnaso, que demorava tanto para chegar a sua forma definitiva? Ou se tratava de um acúmulo aleatório de poemas?

Ao analisar o histórico das edições, cheguei à conclusão de que sua versão final teve como propósito abranger, sob a forma poética, todos os principais temas de O livro dos espíritos, de Allan Kardec. Na dissertação, mostro o alinhamento temático que a antologia de Chico Xavier estabelece com o livro de Kardec.
A dissertação está disponível aqui:

http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/269864

16.4.16

ARNALDO ROCHA APRESENTA SUAS MEMÓRIAS DA VIVÊNCIA COM CHICO XAVIER




Encontrei este vídeo que apresenta uma entrevista feita por Wagner Paixão e Haroldo Dutra com o conhecido espírita da capital mineira, Arnaldo Rocha. O entrevistado conversa de forma franca e pessoal, fala de suas impressões e baixa os olhos como quem recupera histórias do fundo da mente. Arnaldo às vezes ri, às vezes se emociona. Ele, em sua franqueza, é imensamente humano, não ocultando suas vergonhas, seus atos impulsivos, seus pequenos arrependimentos.

Além de Chico Xavier, que foi muito presente em sua vida, ele apresenta memórias das sessões com Yvonne Pereira,  as sessões de materialização que ele presenciou, Rubens Romanelli, Clóvis Tavares, Peixotinho, entre outros.

A simplicidade de Arnaldo não consegue ocultar seu conhecimento do espiritismo e da obra psicografada de Chico, que aparece nos comentários e nas explicações. Esta entrevista pública nos mostra a relevância da história oral, capaz de perceber dimensões que não se encontram nos documentos, ainda que evidencie a forma peculiar das pessoas recordarem e narrarem o que vivenciaram.

1.6.15

NO CÉU DA VIBRAÇÃO



Sábado de noite na Praça Sete, coração do centro de Belo Horizonte. Eu já havia assistido muito cinema no Cine Teatro Brasil, que foi totalmente restaurado há alguns anos com a parceria da Vallourec e tornou-se novamente um espaço de cultura da capital.

Fomos assistir “No Céu da Vibração” um musical sobre a vida de Chico Xavier. Ao chegarmos no teatro, já fui vendo luz. A fachada exterior ganhou uma iluminação interna, que passa pelos vitrais e ilumina toda a frente e lateral do teatro. Ele estava morto e reviveu.



Como comprei de véspera, o que não é hábito de mineiro que se preza, consegui lugar apenas a última fila da plateia, embaixo do balcão, mas já encontrei uma colega de mocidade espírita que ficou ao lado da minha esposa e pudemos trocar impressões ao longo da peça.

Como todo musical, tinha um belo e chamativo figurino, uma caracterização dos personagens genial, especialmente a do nosso Chico, que vai da infância à idade avançada ao longo dos nossos olhos. Chapéu, peruca e boina, uma boina bem paulistana, ítalo-paulistana, saída das mãos de Marlene Nobre. Os artistas cantavam, dançavam, representavam. A iluminação completava o figurino.



O maestro, com um chapéu-boné que evocava o personagem Chico Xavier, regia a pequena orquestra que ficou ao fundo do palco, meio escondida pelo cenário, porque o Cine Teatro é mais cine que teatro, mesmo depois da reforma.

O espetáculo aos olhos mineiros tem algo que, por exemplo, não se vê na direção carioca do filme de Daniel Filho. Trata-se da mineiridade. Aos olhos das pessoas de centros mais tradicionais e ricos de nosso país, a mineiridade soa a brejeirice ou a ser jeca, um tolo alegre de quem todo mundo gosta. No texto do musical, o sotaque atrai gargalhadas gostosas, mas os personagens apresentam uma grandeza, uma luta, uma humanidade que não os torna inferiores, mas sublimes aos nossos olhos.

Daniel Kostás, diretor do musical, captou o espírito das lavadeiras, das beatas, dos homens de cidade pequena do interior, até mesmo das intrigas em torno do padre, que foi o menos mineiro dos personagens. Li algures que nosso sotaque deve muito à escravidão, que foi extensa por aqui, por causa do ouro, da colonização, da roça. E entendi bem a negritude da alma mineira quando vi os personagens em ação. A história do Chico, muito abrandada pela habilidade do roteiro, é uma história de muita violência, de morte, de dor. É uma história triste da violência que herdamos da relação entre senhor e escravo. Chico é o homem da superação. Ele tinha tudo para adoecer, para encher-se de bebida, para ser um homem mesquinho, mas resolveu trilhar um caminho diferente. Ele é o fraco que ficou forte na dor.

O personagem do pai de Chico não é o vendedor de bilhetes de loteria que povoa a minha infância. Daniel fez um upgrade. Ele é um jovem, e sua violência não convence. Penso que a violência do pai de Chico, hoje livre da carne, foi uma violência rude.

O romance com sua segunda esposa também não retrata o que vi com olhos de menino das relações verticais de marido e mulher, que como uma balança romana, a cada momento pendia para um lado, mercê da força e capacidade da mulher mineira. Cidália é uma jovem apaixonada e cheia de convicções, que escolheu o amado e teve romance. Essa Cidália saiu do fundo da alma de Daniel e não de relatos reais, mas encheu nossos olhos, porque é cheia de mineiridade.

Maria, conhecida nas casas espíritas como Maria João de Deus, é um espírito superior, mulher bonita e vistosa, mas humilde e altaneira, como uma montanha. Seu sotaque carregado atrai a admiração da multidão de cabeças que estava na minha frente.

A Rita, a madrinha-madrasta, é também um arquétipo, mais que uma pessoa. Eu escuto até agora o grito da infância “Chiiiiico!”, bem à moda dos lugares cheios de espaços e com poucos vizinhos para incomodar. A agressão foi oculta, minimizada pelo cenário, mas povoou nossas mentes. Doses homeopáticas.

Faltou dor nos olhos de Maria-espírito. Ela parecia superior à violência contra seu filho. Na minha mente pequena, seu lugar é o de quem não tem como interferir, que precisa dar forças ao pequeno, mas duvido que faltasse dor nos seus olhos, aquela dor estoica que ensinou o Chico a lidar com as atribulações da vida.



Emmanuel é um arquétipo da masculinidade, uma masculinidade estrangeira. É diferente do Emmanuel que fui construindo na mente ao ler a obra e ouvir os "causos" que falam do Chico. Por sinal, em Minas o Chico é mais um personagem de causos que um autor ou médium excepcional. É mais um homem bom, que uma liderança incansável de uma obra imensurável. É mais um homem simples, que uma potência política. Ele nos enganou direitinho. Tanto falou que é um cisco, que nós perdemos a real dimensão de quem estava conosco.

André Luiz é um personagem secundário. Entra, aparece e some. Falta a todos nós espíritas entender a intimidade do doutor com o Chico, intimidade que sobrou na relação com o senador romano. Ele é um sofredor que dita suas histórias após o resgate.

Os espíritos são um show à parte. Daniel os enfiou literalmente no meio das pessoas encarnadas, com uma roupagem clara esvoaçante, mas nada semelhante ao branco pobre das produções globais. Eles não são seres desumanos, sem cor nem nada. Estão com suas emoções preservadas, como o seu “dos Anjos” poeta simbolista, cuja morte não o tornou sem alma.



A cena do espírito que fala pelo Chico é sem adjetivos. Perfeita! Não posso falar muito para não roubar a surpresa do show.

Gostei da dor. A dor das mães sem filhos, das esposas sem marido, dos maridos sem esposa que procuravam o Chico. Gostei da dor dos que não encontraram na mediunidade um telefone que toca e recebe. Gostei da dor da espera, da paciência. Gostei da dor do médium que gostaria de poder fazer o impossível para alentar a dor dos que o procuravam. Os artistas se superaram.

Uma palavra de desprezo aos historiadores que enxergam Chico Xavier apenas como colaboracionista da ditadura. Um pouco de profundidade, doutores! Um pouco de psicologia não faria mal à sua história. Só entenderão resistência quando a matizarem, quando virem mais que apenas a resistência das armas e das revoltas. Se os autores de seus textos tivessem humanidade, talvez vocês entendessem mais. Isso o Daniel Kostás conseguiu.



Entendi perfeitamente o que é unificação quando vi o musical. Música do paranaense Plínio Oliveira, que ganhou corpo e expressão no trabalho de Kostás, completamente mineiro, em meio ao sotaque paulistano de dona Marlene. Uma encarnação! Esta foi a impressão que tive quando vi a música de Plínio ganhar forma diante de meus olhos.


O musical terminava. Aquela multidão de cabeças na minha frente, assoava os narizes, enxugava lágrimas discretamente. Por um momento, não havia homens e mulheres na minha frente. O musical interpretava “um cisco”. Os mortos vivem para sempre em nossas memórias.

25.4.15

O DIVALDO DE ANA LANDI




A jornalista e historiadora Ana Landi acaba de publicar o livro “Divaldo Franco: a trajetória de um dos maiores médiuns de todos os tempos”, pela editora Bella. Recebi a notícia de primeira mão, pelo confrade Washington Fernandes, que estava feliz com a venda do pré-lançamento, cerca de 40 mil livros.

O livro é delicioso de ler, mercê do lado jornalístico de Ana. Ela não fez um texto linear, mas um texto que, embora siga a linha da vida de Divaldo, vai e volta no tempo, detalhando situações que ela vai narrando. Ao ler, eu parecia estar ouvindo o próprio Divaldo, que já vi contar pessoalmente um grande número dos eventos biográficos escolhidos pela autora.

Apesar do interesse pelo Divaldo-médium, o que mais me tocou foi a preocupação de se mostrar sua dimensão humana e o alcance de sua obra. As histórias de Divaldo são quase inacreditáveis, se eu não o tivesse conhecido pessoalmente e visto um pouco de suas faculdades e qualidades.

A mais grata surpresa do livro não foi o texto fluente e magnético, nem as fotos muito bem escolhidas de diferentes momentos da vida do médium, assim como de algumas de suas psicografias. Foi a extensa narrativa sobre a relação de Divaldo com Chico Xavier, outro personagem que conheci em vida, embora muito rapidamente, e cujos amigos, livros e espíritos estão muito presentes na minha história pessoal como espírita.

Para quem conhece um pouco da história do espiritismo, o texto traz uma surpresa após a outra, dada a quantidade de personagens espíritas que aparecem na vida do baiano, oriundos do mundo físico e do mundo espiritual.
A Mansão do Caminho vai sendo construída, passo a passo, aos olhos do leitor. É uma espécie de patrimônio coletivo, porque tem as mãos e a generosidade de um número enorme de pessoas e instituições, que geralmente contribuem e passam. A mão amiga de Nilson está presente o tempo todo, fazendo justiça àquele que foi o esteio para que Divaldo pudesse realizar sua missão como expositor e psicógrafo.

O livro emociona, faz rir e chorar, assim como o próprio Divaldo. Ana não trabalhou como historiadora, uma vez que posso até estar errado, mas penso que o médium baiano insere “o seu tempero” nas histórias, já que são contadas para um público que o escuta por uma hora ou mais. Ganham um tom humorístico, mesmo em situações claramente dramáticas. Ela foi uma bela médium do médium, transmitindo a história que ele escolheu contar para todos nós.


O livro não foge dos temas polêmicos que envolveram a vida de Divaldo, e que tanto impactaram na terra de Chico Xavier, de onde escrevo a vocês. Não vou falar muito, para que fique aquela dúvida intrigante que faz com que o leitor desta história resolva adquirir, ajudando a obra social do médium (os direitos autorais foram cedidos) e embeber-se do texto.