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13.8.21

ÓCHÊMA: UMA CONCEPÇÃO NEOPLATÔNICA DO PERISPÍRITO

Jáder Sampaio



Desenho de Gustave Doré sobre a transfiguração. Passagem bíblica em que Moisés e Elias, mortos há séculos, se mostram ao lado de Jesus "iluminado", e são vistos pelos apóstolos. Para o espiritismo isso só seria possível em função da mediunidade e do perispírito.

Existe na história da filosofia um platonismo considerado tardio, uma espécie de revivescência de Platão que ficou conhecido como neoplatonismo. Amônio Sacas, filósofo romano radicado em Alexandria, da transição entre os séculos 2 e 3 da era comum (ou depois de Cristo, como se falava na minha juventude...) é considerado um dos fundadores dessa escola e influenciou diversos pensadores de sua época, como Plotino, e mesmo pensadores cristãos, como o “quase-pai” da igreja, chamado Orígenes, que entre outras coisas, aceita a realidade lógica de uma pré-existência do Espírito como forma de se entender as diferenças de condição dos homens no mundo.

João Castro e Murilo Castro nos explicam que no neoplatonismo “a alma tem outro corpo quase-físico ou óchêma, geralmente adquirido durante a «descida» pré-natal através dos céus (kathodos; ver Plotino, Enn. IV, 3, 15; Macróbio, In Somn. Scip. I, 12). Este torna-se gradualmente mais pesado e mais visível à medida que desce através do aer úmido (Porfírio, De antro nymph. II). Com a sua vulgar devoção textual os neoplatônicos dedicaram-se a descobrir a origem desta doutrina em Platão e particularmente no Tim. 41d-e onde o demiourgos semeia cada alma num astro «como num carro» (ochema; confrontar Fedro 247b), antes de incorporar algumas delas na terra e «armazenar» outras nos planetas (ibid. 42d).” (http://platon.hyperlogos.info/ochema)

Nessas doutrinas temos mais um conceito bem semelhante ao de períspirito e um conceito antigo cujas modificações no tempo vão dar no éter, também empregado por Kardec que prefere entendê-lo como um estado ou quinta-essência e preferir o nome de fluido universal, fluido cósmico e às vezes fluido cósmico universal, com o mesmo sentido.

Por que voltar aos filósofos e pensadores antigos em busca de Kardec? Para entender o que ele dizia quando considerava Sócrates, Platão e outros pensadores como precursores do espiritismo cristão. Autores clássicos como Delanne, Denis e Flammarion se serviam sempre desse “retorno ao passado”, que mostrava aos leitores a erudição de Allan Kardec e permitia a ele uma melhor compreensão do significado dos conceitos dele.

Os que procuram o espiritismo apenas como uma terapia complementar, um espaço de socialização ou uma espécie de rito semanal não devem se interessar por esse tipo de texto, mas o que o entendem como uma filosofia de vida, que exige ser conhecida para ser critério de escolhas, saberão valorizar a iniciativa.

3.8.21

EIDÔLON OU SOMBRA: EM BUSCA DA IDEIA DE PERISPÍRITO NA GRÉCIA ANTIGA

 


Gravura de Gustave Doré, Matelda imerge Dante no rio Letes.


Jáder Sampaio


Ângelo B. Soares Pereira (2010) escreveu uma dissertação de mestrado para o programa de pós-graduação em Filosofia da Universidade de Brasília, intitulada “A Teoria da Metempsicose Pitagórica”. Nela temos uma visão muito interessante da evolução do conceito de psyché (alma) e do conceito de eidôlon (períspirito), de Homero até Pitágoras. Ele deseja marcar a distinção de uma visão mítico-poética, até uma visão crítico-racional do filósofo grego.

Surpreendeu-me bastante a visão de Homero, que já trazia em si a noção de “transmigração das almas”, um dos conceitos próximos à de reencarnação em Allan Kardec.

Homero é um poeta-aedo, considerado o autor de livros como Ilíada e a Odisséia, mas os historiadores atuais questionam se ele teria ou não existido, e se seria o autor, ou apenas um compilador de lendas antigas, mas isso não diminui a influência de seus escritos e das histórias que contou na cultura grega.

O autor da dissertação nos explica os três conceitos: psyché (alma), eidôlon (imagem) e sôma (corpo). No processo da morte, a psyché sai do corpo no último suspiro ou hálito (p. 36), ou por uma ferida do corpo. O corpo morto, sem psyché, é o sôma. Ao sair do corpo, ela toma a imagem do corpo. Torna-se o eidôlon (p. 37), e, citando Bento Silva Santos, ele afirma que o morto é, portanto, uma “sombra do homem que vivia”. Isso explica o emprego da palavra sombra como sinônima de Espírito. O eidôlon é psyché sob a forma humana da mesma forma que, em Kardec, o Espírito é o princípio inteligente (ou espírito com “e” minúsculo) que anima um “corpo espiritual” ou períspirito.

Gabriel Delanne atribui a Platão, ao falar da transmigração das almas, a afirmação que após 1000 anos de Hades, se tiverem de voltar, bebem a água do rio Letes “que lhes tiram a lembrança de suas existências passadas”. Delanne também diz que a alma, “desembaraçada de suas imperfeições, ... não vem mais à Terra.” (Delanne, Gabriel. A reencarnação, cap. 1, p. 24)

Esta é mais uma questão que sugere a aproximação entre o pensamento de Allan Kardec a elementos da filosofia clássica, e a identificação de Platão como um dos espíritos que contribuiu com a elaboração do pensamento espírita.


12.6.16

O QUE É PSICÓFORO?





Jáder Sampaio

Um passeio por alguns textos do famoso pesquisador, Ian Stevenson, que estudou casos de recordações de eventos de outras encarnações em crianças, e recordei-me de uma frase do Sr. Virgílio Almeida. “Se os espíritas negligenciarem a divulgação das ideias espíritas, a ciência as redescobrirá”.
No livro “Where reincarnation and biology intersect” (Onde a reencarnação e a biologia se cruzam), publicado em 1997, o autor discute como uma personalidade desencarnada poderia influenciar a formação do próximo corpo físico. Ele havia encontrado em suas pesquisas, marcas de nascença, como manchas, cicatrizes e más formações, com clara associação a eventos recordados pelas crianças estudadas de uma vida passada. Ele percebe que no intervalo entre encarnações, se a hipótese da reencarnação estiver correta, as memórias precisam ser mantidas em algum lugar, e que este lugar deveria influenciar de alguma forma, ou o processo de fertilização do zigoto (p. 183), ou os embriões. Ele propõe diversas possibilidades para que as duas coisas aconteçam:

1.       modificar as secreções vaginais da futura mãe
2.       Influenciar de alguma forma a mãe para induzir o sexo do futuro bebê
3.       Influenciar o feto ou embrião diretamente, gerando, por exemplo, marcas ou defeitos de nascença

Qualquer que seja o processo, seria necessário um tipo de modelo que imprima os efeitos das memórias no embrião ou feto, gerando as características físicas que ele encontrou nas crianças que se recordam das vidas passadas. A partir deste raciocínio, ele propôs um conceito:

“O modelo precisa ter um veículo que carregue as memórias do corpo físico e também as cognitivas e as comportamentais. Eu sugeri a palavra psicóforo, que significa “veículo da mente”. (p. 183)

Creio que li em outro livro o termo psicosfera, como tradução de “psychophore”, mas não me pareceu correto. O pospositivo –sfera, quer dizer globo, esfera, bola. O Houaiss dicionarizou o pospositivo –fora ou -foro, com o sentido de “levar, carregar”, como deseja Stevenson. A melhor tradução para o português, portanto, é psicóforo.
O que originou este comentário é a similitude com uma das propriedades da palavra “períspirito”, criada por Allan Kardec e inicialmente empregada em “O livro dos espíritos”. Kardec não o emprega como modelo da formação do corpo, mas como laço de união entre o corpo e o espírito, contudo ele seria capaz de influenciar o corpo, como se lê em A Gênese:

Pela identidade da sua natureza, esse fluido, condensado no perispírito, pode fornecer princípios reparadores ao corpo; o Espírito, encarnado ou desencarnado, é o agente propulsor que infiltra num corpo deteriorado uma parte da substância do seu envoltório fluídico. (Kardec, A Gênese, cap XIV, páragrafo 31)

Depois, na literatura espírita brasileira, encontramos Gabriel Delanne, no livro “A reencarnação”, após citar um parágrafo sobre embriogênese, escrito por Claude Bernard:

“Uma vez que o períspirito organiza a matéria, e como esta ressuscita das formas desaparecidas, parece lógico concluir que ele conserva traços deste pretérito, porque a hereditariedade, como veremos, é impotente para fazer-nos compreender o que se passa.” (p. 64)

Não sei se Stevenson conhece a fundo o pensamento espírita, mas parece que Seu Virgílio está com a razão. Para os espíritas, ele redescobriu a roda ao criar esta nova palavra. De qualquer forma, é importante que o estudioso do espiritismo acompanhe as pesquisas sobre os assuntos que dizem respeito à doutrina, já que contribuem ao trazer novas evidências e discussões para questões centenárias.

Referências

Delanne, Gabriel. A reencarnação. Rio de Janeiro, FEB, 1992. Traduzido por Carlos Imbassahy.
Kardec, Allan. A gênese, os milagres e as predições segundo o espiritismo. 16 ed. Rio de Janeiro, FEB, 1973. Tradução da 5 ed. francesa por Guillon Ribeiro.
Stevenson, Ian. Where reincarnation and biology intersect. Westport-CT, Praeger, 1997. ISBN 0-275-95189-8