Entrada da Gruta de Maquiné
Cordisburgo é a terra de Guimarães Rosa, terra do interior mineiro em que um dia apeavam peões cheios de estórias e canções, falantes uns, silenciosos outros, mas todos com uma marca que quase não existe mais.
Nesta terra encantada, cheia de Deus e Diabo, cheia de lendas e heróis, cheia de fazendas e vendas, morou, por nove anos, o menino que foi ser doutor na cidade grande e cônsul nas Europas. Abençoado ou amaldiçoado por esta sina, Doutor Guimarães Rosa não perdeu Cordisburgo, após tantos anos longe dela, porque a cidadezinha ficou lá, no coração (cordis, em latim), e junto dela todo o povo encantado, com as histórias encantadas, que parecem ser coisa de outro mundo.
Cheguei na cidade do coração atraído por duas coisas nebulosas ou inexistentes na minha memória: o Museu Guimarães Rosa e a Gruta de Maquiné, cheia de Peter Lund, sábio dinamarquês cujo destino levou para o sertão mineiro.
Maquiné não é a maior das grutas, mas devia ser visitada por todos os psicanalistas de Minas. Os estalagtigtes e estalagmites formam imagens só interpretáveis pela fantasia, pela imaginação e, talvez, tutoradas pelo inconsciente. Beleza e mistério, natureza e espírito humano se encontram no seio da terra, no centro das rochas.
Por que estou escrevendo isso neste blog? Não é um blog de espiritismo?
Após os quilômetros de andança no coração da terra, ouvindo história natural e estórias de guia, saí, ofegante, rumo ao carro que ficou estacionado em frente às lojas de lembranças e coisas da terra, comuns nos pontos turísticos em todo o mundo.
Minha filha chamou-me para ver algo. Uma banca de livros espíritas e algo mais.
Livros espíritas? Nonada?
Dulce e o blogueiro de Espiritismo Comentado, apresentando o livro de Alfred Russel Wallace
Sim, e junto deles, promovendo-os, a simpática Dulce, da FRABEM, Fraternidade Bezerra de Menezes, que funciona há vinte anos no Bairro da Paz, na Rua Albertino Maciel, de número desconhecido. Mesmo porque, número é coisa de cidade grande, de lugar em que ninguém conhece ninguém, mesmo tendo um tantão de gente para poder se relacionar. Tenho certeza que os habitantes de Cordisburgo conhecem bem o Centro Espírita, que já deve ter atingido sua maioridade, ou quase, uma vez que funciona há mais de duas décadas.
Gentil, Dulce deixou-nos à vontade para ver os livros, até que minha esposa denunciou, do lado de fora da pequena livraria: "O Aspecto Científico do Sobrenatural"!
Dulce pegou o exemplar, cuidadosamente guardado dentro de um plástico, para conservação contra a umidade local. Ele estava lá, novinho, não sei dizer se da primeira ou segunda edições, mas possivelmente um dos últimos exemplares da primeira.
Ela ficou sem entender. - "Vocês estão estudando este livro?"
Meio sem graça, mas imensamente feliz, expliquei-lhe: - "Não. Eu o traduzi."
Wallace deve estar feliz, muito feliz. Se seu livro ainda não foi encontrado às margens do Rio Negro, pelo menos encontra-se à venda um século e meio depois de inicialmente publicado, em língua portuguesa, no sertão, pertinho de onde seu colega dinamarquês e seus sucessores acadêmicos encontrariam animais pré-históricos ainda não documentados e fundariam uma espeleologia e uma arqueologia brasiliensis.
Os espíritos também estão lá, em meio à literatura de Guimarães Rosa e na voz contida de médiuns do século XXI, que não se preocupam com a opinião pública, nem têm medo de cara feia. Fazem seu trabalho e exercem sua cidadania democrática, reunindo-se para estudar Allan Kardec e seus discípulos.
Crônica muito legal!
ResponderExcluirFelicidades!