Uma charge de época sobre a Lei Falloux
Kardec, o filme, começa com uma aula de Rivail em uma sala só de meninos, possivelmente em 1850. São crianças que aparentam, pela idade, estar no ensino primário francês. Kardec faz um discurso simpático e afetivo. A aula é interrompida por um padre que inicia a “hora do catecismo”. Depois Kardec se indigna com a interferência da igreja no ensino.
# Fato: o ensino primário na França em torno dos anos 1850 não aceitava escolas mistas.
#Ficção: na época de 1850, Rivail era diretor do Liceu Polímático [1] . Os Liceus eram escolas de ensino secundário, segundo a lei de 1808 [2] que criou a Universidade Imperial e que tinha sob sua gestão as seguintes instituições :
Academias, que poderiam ter outras instituições sob seu controle e eram regionais.
Faculdades: instituições de ensino superior, geralmente de medicina, direito, letras, filosofia, etc.
Escolas secundárias (Liceus), onde se estudavam línguas antigas, história, retórica, lógica (filosofia) e elementos das ciências
Escolas secundárias comunitárias (Colégios), nas quais se estudam línguas antigas e primeiros fundamentos das ciências
Instituições ou Institutos (Institutions), escolas administradas por instituteurs (um tipo de professor) particulares, semelhantes aos colégios.
Pensionatos (pensionats) pertencentes a professores particulares (mâitres) e dedicados a estudos inferiores às instituições
Escolas Primárias (petites écoles ou écoles primaires) nas quais se aprende a ler, escrever e se obtém as primeiras noções de cálculo.
# Ficção: O padre interrompe a aula de Kardec para ensinar catecismo
Desde a reforma de Napoleão, em 1808, a moral cristã é objeto de ensino aos alunos das escolas primárias e secundárias na França. Em 1850, que parece ser o período indicado pelo filme, é aprovada a Lei Falloux. Falloux eram um conde católico que ocupou o cargo de Ministro da Instrução Pública e encaminhou uma lei que reformava o ensino francês. Ele tinha ideias como “Deus na educação. O papa à frente da igreja. A igreja à frente da civilização””. Todavia, sua reforma é bem mais modesta, e sofreu a oposição de intelectuais como Victor Hugo, que dizia “A igreja na casa dela. O estado na casa dele”.
O programa aprovado pela Lei Falloux inclui o respeito pelas hierarquias sociais, e prevê a presença de bispos nos conselhos superior e secundários. A lei que a antecedia, a Lei Guizot, de 1833, propunha originalmente a presença de curas ou pastores nas comissões locais, teve esse artigo vetado, e elas ficaram exclusivamente sob o controle de representantes do estado.
A lei Falloux trata de um controle maior sobre os Instituteurs (professores, diretores de institutos), que pleiteavam melhores salários ao estado.
Falloux defende, na verdade, a liberdade de ensino proposta na constituição e abre espaço para o funcionamento livre das escolas confessionais, particulares e mantidas por associações. É uma ação de desestatização parcial do ensino e de possibilidade de oferta a partir da livre iniciativa [3].
Um retrocesso da lei é a autorização de ensino para ministros de culto, pessoas com certificado de estágio e, para as freiras, uma carta de obediência ao bispo. Antes somente pessoas com formação normal ou diploma de bacharel (bachelier) poderiam ser professores [3].
A presença dos bispos nos conselhos permite que, na prática, eles possam transferir professores e que mediante um relatório, o prefeito possa demiti-los.
O século 19 foi marcado pela disputa entre o ensino laico, obrigatório e universal e o ensino religioso, com avanços e retrocessos ao longo do século.
Não se trata, portanto, de se colocar padres nas escolas primárias e secundárias laicas, nem de uma invenção do ensino da moral cristã, que já existia desde Napoleão no ensino francês. A cena é ficcional, mesmo porque Kardec era o diretor do Liceu Polimático até 1850.
Referências
[1]
Chibeni, Silvio. Quadro dos principais
fatos referentes a Allan Kardec e às origens do Espiritismo. Disponível em www.autoresespiritasclassicos.com/Allan%20Kardec/5/Quadro%20dos%20principais%20fatos%20referentes%20a%20Allan%20Kardec%20e%20às%20origens%20do%20Espiritismo.htm.
Acesso em 10/10/2019
[2]
Artigo 5 da lei que criou a Universidade Imperial, e que à época era
responsável pela regulação e controle do ensino na França, do primário ao
superior.
[3] Loi Falloux. Disponível em:
https://howlingpixel.com/i-fr/Loi_Falloux Acesso em 10/10/2019
Muito bom, parabéns, mas o que tem a ver essa história com ESPIRITISMO?..Se a intenção tecer comentários sobre a Doutrina Espírita, o que tais fatos ou ficções comprometem ou alteram o conteúdo doutrinário espírita?
ResponderExcluirHistória do espiritismo.
ResponderExcluirObrigada por nos presentear com a sua pesquisa!
ResponderExcluirSimone, agradeço o interesse!
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