Foto de Frederico Júnior, médium do Grupo Ismael
É sabido que Kardec usava as
evocações como uma forma de obter informações sobre casos específicos que lhe
chegavam às mãos. Contudo, ele não as recomendava como técnica universal e infalível na
prática mediúnica.
As evocações nominais, segundo
Kardec, demandam médiuns especiais, identificados por ele como flexíveis e positivos. [1]
Os médiuns positivos, apresentados no capítulo 16 de O Livro dos Médiuns,
segundo o próprio Kardec, são muito raros. Os médiuns flexíveis, que Kardec
menciona apenas no capítulo 16, item 191, parecem ser o mesmo que os maleáveis,
definidos acima. São capazes de dar comunicações de “diversos gêneros”, e
ditadas por “quase todos os espíritos”.
Atento para com suas limitações
ele advertia os espíritas para o risco de fraude por parte dos espíritos: “evoca
um rochedo e ela te responderá. Há sempre uma multidão de espíritos prontos a
tomar a palavra sob qualquer pretexto”[2].
Alguns autores atribuem a censura
da prática das evocações a Chico Xavier. Eles geralmente se lembram da frase: o
telefone toca de lá para cá. Honestamente, acredito que não seja verdade. Chico
participava de reuniões onde ocorriam evocações mentais, nas quais parentes de
pessoas desencarnadas pediam à espiritualidade a sua comunicação. Havia apelos
mentais[3].
Tantos, que no livro Missionários da Luz, os espíritos em uma sessão de
materialização recomendam que as pessoas cantem, para que se desligassem do
petitório mental (p. 118). Isso significa que mentalmente se solicitava da
espiritualidade a presença dos familiares, entre outros desejos, embora não se
pudesse assegurar que eles estariam em condições de se comunicar, como vemos no
capítulo 25 de O Livro dos Médiuns na pena de Allan Kardec: há diversos motivos
para que os espíritos evocados não possam se manifestar. A explicação do Chico
aos familiares, referindo-se ao telefone, é mais um eufemismo, visando
preservá-los da dor da perda, mais uma vez revivida.
Estudando as informações
publicadas sobre o Grupo Ismael, do Rio de Janeiro, encontrei algumas orientações
dadas pelo “espírito guia” do grupo pela mediunidade de Frederico Júnior. Ele
dizia:
“Não se ofereçam para evocações. Quando um centro não lhes parecer
homogêneo, neguem-se ao trabalho, porque assim pouparão elementos do seu
cérebro e não darão ocasião a divertimentos, a que muitos estão acostumados.
A sua linguagem deve ser esta:
Eu só trabalho quando meu guia esteja a meu lado, e desde que meus
companheiros não me proporcionem a satisfação desta vontade, eu não trabalho:
porque serei uma máquina sem maquinista,
serei uma bússola sem agulha, serei
um navio sem leme, e o meu estado é
perigoso.” – Ismael via Frederico Júnior[4]
Creio que a orientação de Ismael
se deve à época e aos conhecimentos do grupo. No Brasil ainda era muito comum a
prática da mediunidade (e a de efeitos físicos também) para atrair adeptos. O grupo
de Ismael era um dos primeiros a se dedicar ao exercício sistemático da
mediunidade.
Se o público participante, que
ignorava o espiritismo e os cuidados com a mediunidade, fosse incentivado a ir,
movido exclusivamente pela curiosidade, os médiuns ficariam expostos a vexames
públicos, às reações psicológicas dos assistentes da reunião e de outras
consequências desagradáveis, diante da prática pública e oral de evocações. A
prática mediúnica se tornaria uma espécie de espetáculo, onde as pessoas iriam
querer que seus desejos e exigências pessoais fossem atendidos pelo médium.
Muito diferente do ambiente de estudo criado por Allan Kardec na Sociedade
Parisiense de Estudos Espíritas, em Paris. Talvez por isso tenhamos a
orientação restritiva do espírito que se identificava como Ismael.
O cuidado intransigente da presença do "guia" sugere fragilidade da direção encarnada da reunião mediúnica. O médium se orienta preferencialmente através do espírito que reconhece como guia. Sabemos que é uma atitude arriscada, porque nem sempre o médium é capaz de identificar esse espírito e outro espírito pode se passar por ele. Seria um cuidado próprio para a época e específico para o Grupo Ismael? Penso que sim.
Não há como afirmar sem dúvida que essa é a origem da restrição às evocações verbais nas reuniões mediúnicas brasileiras, mas é o que encontrei de mais antigo, e Chico Xavier ainda usava calças curtas.
[1]KARDEC,
Allan. O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte - Das
manifestações espíritas. Capítulo 25 - Das evocações » Considerações gerais,
item 269]
[2]
KARDEC, Allan. Evocações dos
animais in: O Livro dos Médiuns. 40 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978. [Segunda parte Segunda
parte - Das manifestações espíritas - Das evocações. Capítulo 25 - questão 283 - 36ª.]
[3] LUIZ,
André. Materialização. in: Missionários da Luz. 13 ed. Rio de Janeiro: FEB,
1980. p. 117-118
[4]
RICHARD, Pedro. Frederico Pereira da Silva Júnior, Reformador, Rio de Janeiro, ano
32, n. 18, 16 set. 1914, p. 319
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