Em viagem de lua de mel, uma amiga querida foi conhecer Dona
Yvonne. Era o início dos anos 80, e a grande médium fluminense viveria apenas mais
um par de anos em seu corpo físico. Ela acolheu os recém-casados com cordialidade
e conversaram muito sobre as atividades nos centros espíritas. Yvonne
queixava-se de uma certa transformação dos grupos em clubes recreativos.
Eu já conhecia a obra da médium. O estilo vívido de Tolstoi
através das mãos de Yvonne sempre me impressionaram muito. Os detalhes
da vida na Rússia dos Czares, da igreja ortodoxa, do campesinato e da nobreza,
fluem com vida incomum no texto de Ressurreição e Vida ou em alguns contos de
Sublimação.
Esta semana recebi o livro do amigo Pedro Camilo, já
publicado desde 2004 e em sua 5ª. edição, chegando aos 11 mil exemplares.
Comecei a leitura dentro do CTI, em recuperação de uma pequena cirurgia que
havia feito. As palavras se transformavam em imagens muito vivas, e entrei em
uma oscilação psíquica que vai da recordação à imaginação ativa. Eu já havia
lido quase todos os livros citados por Pedro, alguns diversas vezes, mas o seu
texto admirado fez-me recordar. As passagens da vida de Yvonne foram misturadas
e reorganizadas em uma linha singular, belíssima, porque a literatura mediúnica
desta médium traz uma narrativa de muitas vidas.
Charles, Roberto de Canalejas, Victor Hugo, Denis, Bezerra,
e muitos outros homens e mulheres espíritos povoaram meus olhos novamente. Os
suicídios e suicidas, tratados como seres humanos e parceiros na via dolorosa
da recuperação da alma que atentou contra sua própria vida, vidas a fio, como
Camilo Castelo Branco, invadiram a baia de tratamento intensivo, com suas
memórias. Yvonne consegue traduzir não apenas a dor, mas as cores, os cheiros,
as visões, como se fôssemos todos expectadores, vendo e entendendo à luz do
consolador.
Um técnico puxou conversa, no plantão interminável do
tratamento intensivo e confessou-me: você não imagina quantas pessoas vêm parar
aqui por atentar contra a própria vida, sem sucesso. Jamais havia pensado
nisso. O sofrimento dos suicidas e dos familiares dos suicidas que falharam
(felizmente) está impregnado naquelas paredes muito limpas e brancas. A dor
deles é compartilhada pelos encarnados que cuidam dos corpos mutilados, ainda
vivos, não se sabe por quanto tempo.
Os amigos dela também são meus amigos. Eu os conheci pessoalmente
ou através do rastro de luz que deixaram no movimento espírita. Chico Xavier,
Divaldo Franco, Carlos Imbassahy, Hermínio Miranda, Rizzini, Affonso Soares...
Pedro conta a história de um agricultor do interior do
nordeste, perdido na capital por ter dado um passo em falso e vendido todas as
suas posses em busca da esperança de um emprego que desse uma existência digna
aos filhos e a ele mesmo. Desiludido, abandonado nas ruas, possivelmente
atordoado com a fome e o frio dos filhos, veio-lhe à mente à ideia nefasta
quando uma senhora de cabelos brancos puxou conversa. Que palavras diríamos a
um homem sem futuro, só sofrimento, com uma ideia fixa na mente? Ela soube
exatamente o que dizer e reacendeu-lhe a esperança, mais uma vez. Coisa
perigosa para quem já chegou à beira do precipício. Ele escreveu, ante sua
orientação uma carta nominal a uma diretora do Centro Espírita Yvonne Pereira,
em Rio das Flores – RJ, terra natal de Yvonne. Num misto de admiração e
espanto, os trabalhadores daquela casa conseguiram que ele voltasse à sua
terrinha, espantados que em 1989, uma pessoa morta em 1984 pudesse fazer-se
vista, ouvida e identificada em lugar tão remoto, atraída pelo socorro a um
candidato ao suicídio de outro plano.
Eu saí do CTI cheio de vida e de amor à vida. Eu já conhecia
a história e as histórias, mas foram contadas de forma tão bela que deu vontade
de compartilhar com os leitores do EC.