14.4.15

JOÃO




A sociedade brasileira está votando a diminuição da maioridade penal para dezesseis anos. A razão se divide entre partidários do sim e do não, e os argumentos se multiplicam. Parte da sociedade teme a violência, um de nossos maiores problemas no momento.

- Você me arranja um emprego? Perguntou-me um jovem de pele negra e história sinistra.

- Eu não tenho vagas no momento, respondi-lhe.

João baixou os olhos, meio decepcionado, mas como se já esperasse a resposta. Eu me senti péssimo, mas sem recursos para ajudá-lo e jovem demais para conseguir alguma coisa na minha rede de contatos, que se reduzia aos companheiros de centro espírita e pequenos empresários que trabalhavam com vídeo.

Naquela época os telefones eram caros e raros. Eu não tinha um aparelho na minha locadora de vídeo, e o primeiro que conseguimos foi uma extensão de um número de nossa casa. Não tinha como entrar em contato com ele, que se foi naquele momento de desemprego e estagflação. Tive a clara impressão que sua busca seria improdutiva. João vestia-se com muita simplicidade, era muito tímido e trazia dentro dele uma tristeza que não conseguia esconder.

Parei para pensar e recordei de sua história.

João era o mais velho de uma grande quantidade de filhos de mãe solteira daquelas que são usadas por homens que só se interessam por sexo e são abandonadas a seguir. Eu conhecia bem o olhar e o comportamento da mãe de João. Ela levava aos sábados os filhos para a nossa evangelização infantil. Não era preciso ser psicólogo para perceber que ela era doente mental, portadora de uma possível psicose, e apesar das imensas limitações e das alterações de humor, mantinha os filhos na atividade espírita.

João foi meu aluno na turma de 11-12 anos. Trabalhávamos com  crianças, jovens e mães que residiam na região vizinha do bairro Salgado Filho, onde ficava o Lar Espírita Esperança. Sempre calado, diferentemente da maioria dos alunos, era bem comportado, um comportamento que parecia uma extrema dificuldade de se permitir brincar. Ele assistia às aulas ora com atenção, ora como se a mente estivesse em outro lugar, mas nunca era preciso chamar-lhe a atenção. Quando o conheci, devia ter uns doze anos de idade.

A casa de Célia, mercê do empenho do Sr. Evaristo, montou uma marcenaria com maquinário profissional. A ideia inicial era fazer brinquedos para distribuir no natal e posteriormente dar uma formação inicial para jovens interessados. Haveria uma seleção e João me perguntou:

- Será que eu posso ir?

- Claro, João, é aberta a todos. Tente!

Na semana seguinte eu perguntei a ele:

- E aí, João. Como foi?

- Eu não fui escolhido. Respondeu com voz e olhar baixos.

Procurei o selecionador e lhe perguntei o que havia acontecido. Sincero, ele me respondeu:

- Ele não mostrou interesse.

Percebi o que acontecera. Seu jeito tímido e introvertido, sua dificuldade de se expressar e sua aparente falta de energia o condenaram. Não houve pedido que alterasse a decisão do administrador, que deseja jovens que demonstrassem interesse, que se engajassem.

Escrevo esta história real para dizer que não sei o que aconteceu depois com João. Eu desejaria muito que ele tivesse conseguido alguma forma de inclusão em nossa sociedade, que tivesse feito um curso profissionalizante mesmo que rápido, que pudesse lhe assegurar o mínimo do mínimo. Creio que pesava em suas costas os deveres de ser irmão mais velho, sem ter tido pai e educação capazes de ajudá-lo minimamente neste esforço desumano.

Eu desejaria muito que houvesse um final feliz, mas temo que ela não tenha acontecido. Jovem, necessitando do básico, querendo cuidar da família e com uma mãe portadora de transtorno mental, ele era uma vítima fácil para o tráfico e para outros criminosos adultos, à cata destas aves sem ninho.


Esta recordação sempre me faz refletir, como espírita e como brasileiro,  sobre a necessidade apoiar da forma possível ações de proteção à infância e de inclusão social, mesmo que emergenciais.

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