A sociedade brasileira está
votando a diminuição da maioridade penal para dezesseis anos. A razão se divide
entre partidários do sim e do não, e os argumentos se multiplicam. Parte da
sociedade teme a violência, um de nossos maiores problemas no momento.
- Você me arranja um emprego?
Perguntou-me um jovem de pele negra e história sinistra.
- Eu não tenho vagas no momento,
respondi-lhe.
João baixou os olhos, meio
decepcionado, mas como se já esperasse a resposta. Eu me senti péssimo, mas sem
recursos para ajudá-lo e jovem demais para conseguir alguma coisa na minha rede
de contatos, que se reduzia aos companheiros de centro espírita e pequenos
empresários que trabalhavam com vídeo.
Naquela época os telefones eram
caros e raros. Eu não tinha um aparelho na minha locadora de vídeo, e o
primeiro que conseguimos foi uma extensão de um número de nossa casa. Não tinha
como entrar em contato com ele, que se foi naquele momento de desemprego e estagflação. Tive a clara
impressão que sua busca seria improdutiva. João vestia-se com muita
simplicidade, era muito tímido e trazia dentro dele uma tristeza que não
conseguia esconder.
Parei para pensar e recordei de
sua história.
João era o mais velho de uma
grande quantidade de filhos de mãe solteira daquelas que são usadas por homens que só se interessam por sexo e são abandonadas a seguir. Eu
conhecia bem o olhar e o comportamento da mãe de João. Ela levava aos sábados
os filhos para a nossa evangelização infantil. Não era preciso ser psicólogo
para perceber que ela era doente mental, portadora de uma possível psicose, e
apesar das imensas limitações e das alterações de humor, mantinha os filhos na atividade espírita.
João foi meu aluno na turma de 11-12 anos. Trabalhávamos com
crianças, jovens e mães que residiam na região vizinha do bairro Salgado
Filho, onde ficava o Lar Espírita Esperança. Sempre calado, diferentemente da
maioria dos alunos, era bem comportado, um comportamento que parecia uma
extrema dificuldade de se permitir brincar. Ele assistia às aulas ora com
atenção, ora como se a mente estivesse em outro lugar, mas nunca era preciso
chamar-lhe a atenção. Quando o conheci, devia ter uns
doze anos de idade.
A casa de Célia, mercê do empenho
do Sr. Evaristo, montou uma marcenaria com maquinário profissional. A ideia
inicial era fazer brinquedos para distribuir no natal e posteriormente dar uma
formação inicial para jovens interessados. Haveria uma seleção e João me
perguntou:
- Será que eu posso ir?
- Claro, João, é aberta a todos.
Tente!
Na semana seguinte eu perguntei a
ele:
- E aí, João. Como foi?
- Eu não fui escolhido. Respondeu
com voz e olhar baixos.
Procurei o selecionador e lhe
perguntei o que havia acontecido. Sincero, ele me respondeu:
- Ele não mostrou interesse.
Percebi o que acontecera. Seu
jeito tímido e introvertido, sua dificuldade de se expressar e sua aparente
falta de energia o condenaram. Não houve pedido que alterasse a decisão do administrador, que deseja jovens que demonstrassem interesse, que se engajassem.
Escrevo esta história real para
dizer que não sei o que aconteceu depois com João. Eu desejaria muito que ele
tivesse conseguido alguma forma de inclusão em nossa sociedade, que tivesse
feito um curso profissionalizante mesmo que rápido, que pudesse lhe assegurar o mínimo do
mínimo. Creio que pesava em suas costas os deveres de ser irmão mais velho, sem
ter tido pai e educação capazes de ajudá-lo minimamente neste esforço desumano.
Eu desejaria muito que houvesse
um final feliz, mas temo que ela não tenha acontecido. Jovem, necessitando do
básico, querendo cuidar da família e com uma mãe portadora de transtorno
mental, ele era uma vítima fácil para o tráfico e para outros criminosos
adultos, à cata destas aves sem ninho.
Esta recordação sempre me faz refletir, como espírita e como brasileiro, sobre a necessidade apoiar da
forma possível ações de proteção à infância e de inclusão social, mesmo que emergenciais.
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