Estamos estudando o livro “A Tragédia de Santa Maria”, ditado por Bezerra de Menezes a Yvonne Pereira e publicado pela Federação Espírita Brasileira, em nossa reunião de sábado.
Fiquei encarregado do capítulo 4 da segunda parte, que, a princípio, seria apenas uma mera narrativa do encontro dos personagens Esmeralda e Bentinho, via correspondência em Portugal e pessoalmente na Suíça.
Inicialmente é a descrição de um piano Pleyel para concertos, que é o tipo tocado por Chopin, por exemplo. Segundo o site do fabricante, ele começa a ser fabricado em 1807 (pleyel.com), ou seja, é provável que fosse comercializado e disponível em Portugal nos anos 1880.
Ao ler com cuidado, observam-se alguns detalhes muito curiosos. Primeiro é a descrição de flores e árvores da Quinta Feliz, em Coimbra-Portugal. Tive a curiosidade de procurar uma por uma na internet, e todas elas são encontradas no país lusitano. Algumas são trazidas de outros lugares, e são encontradas lá na época dos eventos da novela.
Depois, quando os personagens vão à Suíça, passar férias, a vegetação descrita é diferente e muito coerente com altitudes maiores e clima mais frio. Não há nenhuma flor igual à da primeira descrição. Algo muito difícil de ser feito apenas com imaginação, especialmente por uma pessoa que nunca saiu do Brasil.
O mais curioso, no entanto, é uma pequena frase escrita por Bentinho. Ele havia sido informado que Esmeralda iria estudar no “Educandário das Freiras de Sion em Paris”. À primeira vista, pareceu-me muito estranho. Freiras de Sion? Lembrei-me inicialmente do Sionismo, que era um movimento para a formação do estado de Israel. Olhando no dicionário, vi que Sion é uma palavra que originalmente designava uma fortaleza próxima a Jerusalém e que passou a ser usada para significar “a terra prometida dos Judeus”.
O que algo Judeu teria a ver com a igreja? Freiras de Sion? Saí à procura da expressão “Nossa Senhora de Sion”, em busca de alguma ordem religiosa católica, e da explicação do nome. Deu para descobrir muita coisa.
Théodore Ratisbonne era um descendente de judeus da cidade de Estrasburgo que se converteu ao cristianismo em 1827, ano em que batizou-se. Os textos consultados apontam para uma conversão pessoal, simultânea à conversão de outros amigos. Posteriormente ele converteu também seu irmão Alphonse, estudou e foi ordenado padre em 1830.
Alphonse o convenceu a fundar um espaço para a educação (catecumenato, segundo alguns autores) de filhas de judeus convertidos, em 1842, ano em que se encontrava em Paris. Eles fundaram, então a ordem de Nossa Senhora de Sion, com o objetivo de converter judeus à fé cristã. A ordem foi reconhecida por Roma em 1842.
Nesse ponto da história, estava achando que havia algum erro na narrativa do médico dos pobres-espírito. Esmeralda não era descendente de judeus, mas uma filha de latifundiário brasileiro em estudo na Europa. Por que ela estudaria em uma instituição dessa ordem?
Entre 1843 e 1884, a ordem foi crescendo e criou uma espécie de segundo objetivo. Criou 13 internatos de elite, em decorrência da reputação de Madre Rose Valentin. Os internatos lhe davam recursos para que ela pudesse dar consecução ao seu objetivo maior que era a conversão de judeus. (E assim o foi até o Concílio Vaticano Segundo, no século 20).
Bezerra de Menezes estava certo. Havia em Paris uma ordem das freiras de Sion e um internato para moças da elite!
Passados alguns anos, o governo francês promoveu reformas de laicização do ensino, especialmente o fundamental, que envolveu gratuidade e a obrigatoriedade do primário. Algumas das irmãs foram, então, convidadas a fundar uma instituição de ensino aos moldes franceses no Rio de Janeiro, pela nobreza brasileira com o apoio da princesa Isabel. Elas vieram em 1888.
Encontrei uma escola das Irmãs de Sion em Paris, mas parece ter sido fundada no século 20, em parceria com outra ordem religiosa.
A questão dos detalhes da literatura produzida por Yvonne Pereira, em contato com os autores espirituais é impressionante. Autores contemporâneos que fazem literatura com temas históricos, como Ken Follet, têm um número enorme de consultores, que são especialistas em aspectos pontuais da história e que o permitem escrever sem cometer equívocos. Yvonne tinha apenas lápis, papel e a assistência dos espíritos que lhe contavam as histórias.
Caro Jáder,
ResponderExcluirMuito interessante esses detalhes históricos apresentados nestes riquíssimos pontos.
Um abraço,
Tiago de Lima Castro
Obrigado, Tiago! O livro é muito interessante. Semana passada conversamos sobre os olhares de Bezerra sobre a escravidão no Brasil e o movimento abolicionista. Assim que tiver fôlego, verei se sai mais um post sobre isso.
ResponderExcluirJáder, bom dia. Ao ler o seu texto lembrei do tradicional Colégio Sion, de São Paulo. Você o conhece?
ResponderExcluirhttp://www.colegiosion.com.br/colegio-sion/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Col%C3%A9gio_Sion
Não, amigo. Vi pela internet que a ordem tem alguns colégios em cidades brasileiras, mas eles não são conhecidos em BH. No histórico desses colégios se encontra a vinda de Freiras de Sion da França com o apoio da coroa brasileira
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