31.5.17

OS ENLIHPES NO YOUTUBE


Logo antiga da LIHPE

Você tem uma Smart TV em casa? Aquela que acessa a internet? Então tenho uma notícia muito boa para você. Você pode assistir a todas as palestras feitas nos Encontros Nacionais da Liga de Pesquisadores do Espiritismo, assentado confortavelmente no seu sofá.

Nosso amigo Maurício Brandão, do portal Espiritualidade e Sociedade, tem gravado e publicado no Youtube todos os encontros nacionais da LIHPE, voluntariamente, o que nunca agradeceremos o suficiente.

Basta acessar o youtube (alguns televisores têm no controle remoto), em outros você acessa o Google e digita Youtube. Na parte superior da página, há uma janela para procura dos vídeos, basta escrever a palavra ENLIHPE e clicar na lupa, que é o botão de procura, ou no ENTER, do teclado na tela da televisão. Estou falando da TV, mas você pode assistir também no monitor do seu computador, no seu IPAD e até no seu Smartphone (telefone celular).


Logo do 9o. ENLIHPE

Vão aparecer diversos vídeos. Veja alguns dos temas que encontrei fazendo isto:

- Cristianismo nos primeiros séculos - Jáder Sampaio
- O que é pesquisar cientificamente a reencarnação? - Raphael Cassseb
- A terra da promessa (lançamento de livro) - Ada May
- O que é pesquisar a sobrevivência? - Sílvio Chibeni
- Alguns princípios espíritas antes de Sócrates - Luiz Fernando
- Relaxamento, imagens mentais e espiritualidade - Ana Catarina Elias
- Cálculo de tempo médio entre reencarnações sucessivas - Ademir Xavier
- Análise dos conceitos científicos de "A Grande Síntese" - Alexandre Fonseca
- A importância do planejamento para as instituições espíritas - José Lourenço
- Análise da teoria corpuscular do espírito e psi quântico - Alexandre Fonseca
- Geografia(s) do mundo espiritual - Christian Lavarini
- Hermínio Miranda: pesquisador espírita sobre a reencarnação - Adilson Assis
- José Herculano Pires e o debate filosófico - Tiago de Lima Castro
- Uma leitura espírita do Íon de Platão - Adilson Assis
- Em nome de Kardec (lançamento de livro) - Adriano Calsone
- Planejamento estratégico em centros espíritas - Marco Milani
- Análise do conteúdo da literatura mediúnica - Washington Fernandes
- A reencarnação: um estudo da ética espírita - Felipe Ribeiro e Sara Mandai
- Ação assistencial espírita: um estudo de Santa Catarina - Pedro Simões
- Síntese dos trabalhos de Antônia Mills sobre Reencarnação - Marco Milani
- O pensamento de Ian Stevenson e o estudo da reencarnação - Janaíne Oliveira
- Evidências biológicas da Reencarnação - Janaíne Oliveira
- Kardec e o desenvolvimento de um programa de pesquisas - Alexander Moreira-Almeida
- Voluntariado em uma instituição espírita - Yuri Gaspar
- Análise semiótica sobre Américo Vespúcio e Wilbur Wright - Sady de Souza
- Tem espíritos no banheiro? (lançamento de livro) - Tatiana Benites
- O espiritismo em Uberaba - Anna Lídia Gomes
- Vade Mecum - Luiz Pessoa Guimarães
- A pedagogia espírita em ambientes não escolares - Adriano Marthi
- Ser voluntário, ser realizado (lançamento de livro) - Yuri Elias Gaspar
- A sociedade parisiense de estudos espíritas - Marco Milani
- A negação do neovitalismo em Claude Bernard - Paulo Henrique Figueiredo
- Homenagem a Hermínio Miranda - Alexandre Rocha
- Allan Kardec, a ciência e o racismo - Adolfo Mendonça Júnior

E muitos, mas muitos mais.

Quando vejo que boa parte destes trabalhos foi iniciada em ambiente acadêmico, que muitos dos expositores usam seus conhecimentos adquiridos na Universidade para tratar do espiritismo, acho que a missão dos ENLIHPEs e seu impacto ainda está por ser avaliado. 

Alguns autores são autoridades em suas áreas de pesquisa e praticamente desconhecidos pelo movimento espírita, por não serem expositores de renome.

A maioria dos trabalhos tem apenas 20 minutos de apresentação, as conferências são maiores que uma hora. Quem quiser assistir agora clique no link: https://www.youtube.com/results?q=enlihpe&sp=SADqAwA%253D



Fique ligado. Vem aí o 13o. ENLIHPE




27.5.17

CONHECENDO A FORMAÇÃO DO TRABALHADOR DO GRUPO SCHEILLA EM BELO HORIZONTE-MG




Este mês, tive o prazer de apresentar um estudo sobre a classificação da mediunidade no Grupo de Fraternidade Irmã Scheilla (GFEIS), no bairro da Floresta, em Belo Horizonte.

O GFEIS tem uma experiência de décadas com a formação dos interessados no conhecimento da Doutrina Espírita. Eles não adotaram os trabalhos de Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita - ESDE, publicado pela FEB, mas têm um sistema de estudos em módulos, que é fruto do desenvolvimento de uma proposta de formação que foi primeiramente implantada na União Espírita Mineira (UEM) na década de 1970, salvo engano.

O módulo I trata de temas doutrinários, e apresenta 41 assuntos ligados ao pensamento kardequiano, que dão uma visão geral do que foi desenvolvido em "O livro dos espíritos". Cada assunto tem uma sugestão de objetivos, itens e bibliografia a serem desenvolvidos e/ou utilizados pelos expositores que participam deste trabalho. Ele pode ser acessado neste link: http://www.gruposcheilla.org.br/pages/acesso/acontece/2011/modulo1_caderno.pdf

O módulo 2 é uma seleção de temas sobre o evangelho e o cristianismo. Tem uma grande influência de "O evangelho segundo o espiritismo", de Kardec, mas como o módulo 1, encontra-se uma lista de fontes bibliográficas que vão dos livros do mestre francês até as chamadas "obras subsidiárias" contemporâneas, para o expositor preparar seu trabalho.  Há livros polêmicos, como o do roustainguista Antônio Luiz Sayão, mas eles não constituem escola ou ênfase na programação.

Encontrei uma programação antiga (2008) no seguinte link: http://gruposcheilla.org.br/pages/acesso/gerais/edu/programacao_mod2_2008.pdf

O módulo 3 trata da mediunidade, e tem temas de "O livro dos médiuns", de Kardec, mesclados com alguns temas desenvolvidos pelo espírito André Luiz pela psicografia de Chico Xavier e Waldo Vieira. Alguns temas (como o neologismo "vibracional"), ligados ao cotidiano da reunião mediúnica foram introduzidos com o passar do tempo ao programa original. A bibliografia sugerida também articula Kardec aos autores contemporâneos.

Encontrei uma programação de 2009 em: http://www.gruposcheilla.org.br/pages/acesso/modulo3.pdf

Posteriormente foi incluído um módulo IV, intitulado "O trabalhador espírita em ação", que trata das atividades da casa espírita. Reuniões públicas, evangelização no lar, formação de evangelizadores, integração fraterna, assistência social espírita, ação mediúnica e passes são os núcleos deste ciclo de estudos. 

Cada uma destas atividades é composta por diversas aulas, embora se trate de uma abordagem introdutória. As fontes bibliográficas são variadas, algumas polêmicas. No módulo de evangelização infantil, senti falta de fontes específicas sobre o trabalho do evangelizador. Ao longo do módulo, que é opcional, os participantes têm uma visão de todo das atividades do grupo, dos estatutos e da estrutura do movimento da fraternidade, chegando até mesmo a um pouco de história.


Uma leitura dos estatutos e regimentos mostra que os módulos 1, 2 e 3 são necessários para ser participante de reuniões mediúnicas e de passes, por exemplo. Cada atividade tem seu regimento que dispõe os critérios de participação, de coordenação e uma descrição do funcionamento, assim como situações que são vetadas. Estatuto e regimentos podem ser acessados publicamente a partir da página inicial: http://www.gruposcheilla.org.br/pages/acesso/ogrupo.html

A gestão do GFEIS proporciona aos seus participantes, pelo menos uma visão geral do espiritismo e dos autores espíritas, e ao mesmo tempo, exige deles esta formação mínima para participar de atividades que não poderiam ser realizadas apenas com boa vontade. Creio que décadas após a implantação deste projeto, a casa conta com um grupo de trabalhadores não apenas com uma visão doutrinária, mas também com uma visão do funcionamento da casa, das regras decididas ao longo do tempo por suas assembleias e direções, e do movimento espírita, em que pese a ênfase no movimento da fraternidade nos documentos que li e uma pequena citação da FEB e do movimento espírita federativo. Cabe deixar claro que o movimento da fraternidade é uma organização de grupos espíritas dentro do movimento espírita e não um movimento paralelo, pelo que se pode entender da leitura de seus documentos.


22.5.17

PSICOPATIA E DEVER DOS PAIS



Acabo de ler o livro "Mentes Perigosas", da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva e me ocorreram muitos pensamentos entre o espiritismo e o conteúdo do livro.

Minha colega-psi trata com clareza e simplicidade um tema que era muito pouco ensinado quando fiz minha formação de psicologia: a psicopatia. Ela evitou as discussões conceituais (sociopatia, etc.) e focalizou-se no entendimento das pessoas que não conseguem estabelecer vínculos de afeto com ou outros, que se relacionam com as outras pessoas como se fossem "coisas, alvos, objetos, objetivos, etc." 

Na explicação da psiquiatra, é possível que haja uma base orgânica para este transtorno. Certas áreas do cérebro, normalmente excitadas ante imagens de violência pela maioria das pessoas aos olhos de um exame de imagem (ressonância magnética), por exemplo,  não apresentam o mesmo grau de respostas quando pessoas sabidamente psicopatas são submetidas ao mesmo estímulo.

Deu inúmeros exemplos da sua clínica pessoal (evitando identificações, claro) e de casos que foram à mídia (evitando afirmações contundentes). Mostrou pessoas que em um grau menor (psicopatia leve) a um grau maior (psicopatia grave) são capazes de explorar o próximo, roubá-lo, fazê-lo sofrer e até torturá-lo, manipular pessoas em organizações, só para o seu prazer pessoal ou sua ascensão, sem qualquer sentimento de culpa, sem hesitações de origem ética ou preocupações, mesmo que suas vítimas sejam pais, mães, irmãos ou filhos.

Aceita a tese central da autora, alguns pontos merecem ser pensados à luz do espiritismo. Um deles é o da responsabilidade dos pais. Em "O evangelho segundo o espiritismo", muitos expositores destacam e focam a frase do texto de Santo Agostinho "Que fizestes do filho confiado à vossa guarda!", mas se esquecem de um parágrafo mais à frente que diz;

"Quando os pais hão feito tudo o que devem pelo adiantamento moral de seus filhos, se não alcançam êxito, não têm que inculpar-se a si mesmos e podem conservar tranquila a consciência. À amargura, muito natural que então lhes advém da improdutividade dos seus esforços, Deus reserva grande e imensa consolação, na certeza de que se trata apenas de um retardamento, que concedido lhes será concluir noutra existência a obra agora começada e que um dia o filho ingrato os recompensará com seu amor."

A psiquiatra narra histórias de pais e cônjuges que se recusam a aceitar que seus afetos não são não apenas incapazes de lhes corresponder o vínculo, como são capazes de prejudicá-los. No caso dos pais, há quem fique se culpando eternamente pelos erros que os filhos cometem, e alguns clientes levam anos para aceitar que seus filhos não são capazes, nesta encarnação de lhes corresponder as expectativas de honradez.

Neste caso, é preciso superar a culpa para agir de forma a proteger-se e a proteger outras pessoas que se consideram amigos do filho psicopata (só se usa esta categoria clínica para adultos).

Achei interessante que Santo Agostinho reconhece que a regeneração de um psicopata (embora não use este conceito), só poderá se dar no futuro, em outra encarnação. 

Outro ponto importante que a psiquiatra destaca, é que o ambiente pode afetar o desenvolvimento da psicopatia, ou seja, embora não seja possível transformar totalmente um psicopata adulto, se ele for criado em um ambiente não permissivo, poderá não cometer atos graves. Está bem de acordo com nosso compromisso com os filhos, de pai e mãe, e da importância de ensinar valores, respeito, e submissão à lei e às normas devidamente estabelecidas pelas instituições justas.

Por fim, recordei-me muito dos casos de psicopatia apresentados pela literatura espírita, como o obsessor Gregório, do livro Libertação. O que foi capaz de promover mudança em um espírito endurecido no mal, após diversas encarnações, foi a experiência do amor que ele trazia lá no fundo de sua alma. Mesmo que não consigamos nada em uma encarnação, tratar filhos pequenos com tendências psicopatas com afeto pode ser um "gatilho" para o futuro, mas dentro das perspectivas do "amor exigente" que não fecha olhos para os deveres deles.

16.5.17

ESTUDO SEM CONTEÚDO

Raul Teixeira, expositor e médium espírita


Uma de minhas grandes influências na formação como espírita foi o professor Raul Teixeira. Eu o conheci ainda na adolescência e pelo menos uma vez ao ano ele vinha em nossa casa. Físico, com um conhecimento amplo das obras de Kardec, dos clássicos, das obras complementares e de autores encarnados, como Carlos Imbassahy e Deolindo Amorim, que ele conheceu, Raul era um misto de orador e professor, sempre trazendo conteúdo com um raciocínio claro e direto.

Raul sempre exprimia, de forma clara, a posição doutrinária e a sua interpretação em suas exposições, e cobrava de nós a precisão do que falávamos. Certa vez ele perguntou quem era Andrew Jackson Davis ao público, e como ninguém respondesse, eu arrisquei:

- Médium norte-americano do século XIX, considerado o profeta da terceira revelação, autor de Penetrália e outros livros.

Ele anuiu, mas corrigiu:

- Terceira revelação fica por conta do Jáder, ele é considerado profeta da nova revelação.

Ele tinha razão. A ideia de três revelações está em Allan Kardec, e não era empregada (talvez por desconhecimento mesmo) pelos autores ligados ao espiritualismo moderno, de onde se origina Davis.

Ao contrário do que se pode pensar, suas exposições não eram excessivamente eruditas. Penso que ele se preocupava em falar para o grande público, embora sempre trouxesse alguma coisa nova, fruto de sua pesquisa pessoal, muitas vezes embaladas com sua grande capacidade narrativa.

Posteriormente estudei didática do ensino superior, com o professor Florêncio, da Universidade de Brasília, e ele nos explicou o método indutivo na educação, que é amplamente utilizado no movimento espírita, como uma espécie de provocação para que os alunos pensem e não percam a linha de raciocínio do professor, que apenas expõe. É algo que se deve fazer com critério, porque se pode consumir muito tempo, e sacrificar o conteúdo das aulas.

Sócrates usava deste recurso, pelo que lemos nos textos de seus discípulos, e o chamava de maiêutica, como comparação ao trabalho de sua mãe, que era parteira. Na maiêutica, acredita-se que os alunos conhecem a verdade (episteme), então o professor faz perguntas, geralmente criticando e apontando os pontos obscuros de sua argumentação, até que o aluno chegue à verdade (e não à sua verdade, como diz o Houaiss). Os gregos influenciados pelo pensamento socrático entendiam que mais que uma opinião (doxa), o conhecimento (episteme) deveria ser verdadeiro e justificado.

Sócrates se opunha aos sofistas, que ensinavam retórica, no sentido de ser capaz de convencer os outros de seu ponto de vista, sem se preocupar com a verdade, mas apenas com a imposição de seu ponto de vista. Isto está bem atual em nosso país. Os sofistas eram muito valorizados pelos pais que desejavam que os filhos fossem importantes, em uma sociedade na qual os cidadãos decidiam o que fazer na cidade (polis) de forma democrática.

Vimos acompanhando ao longo dos anos um uso indevido do método indutivo, nas casas espíritas, e, talvez nas mocidades espíritas. Não sei dizer se se deve a um uso indevido do construtivismo, no qual se valoriza a obtenção do conhecimento (episteme) pelos alunos, sem dependerem exclusivamente da exposição dos professores, e utilizando de sua capacidade de pesquisa e obtenção de informação, que está bastante multiplicada pelas novas mídias e tecnologias.

O abuso chegou ao ponto de um expositor apenas perguntar, inúmeras vezes, questões diferentes, sem nada concluir. O argumento que ouvi é que se deixa a cada um o trabalho de responder, subjetivamente, as questões que são levantadas. Sessenta ou noventa minutos, com dezenas de perguntas sem resposta. Na minha ótica, voltamos ao mundo da opinião (doxa) e abandonamos o conhecimento (episteme).

Quando penso em um programa de estudos todo baseado nesta forma de ensino-aprendizagem, preocupa-me que o pensamento de Kardec, por exemplo, que usava do recurso de perguntas e respostas para que um texto complexo se tornasse mais claro, se transforme em uma grande confusão, já que cada um conclui à sua maneira, sem as devidas informações.


Penso que os jovens devem realmente usar de diversas formas de ensino-aprendizado, até mesmo usando das artes e de outros recursos para que suas reuniões sejam mais agradáveis e prazerosas, mas sem abandonar sua finalidade principal, que é o acesso ao conhecimento espírita. 

29.4.17

MEMÓRIA DA CASA ESPÍRITA



Sala de leitura da Biblioteca do Congresso Norte Americano. Ao fundo, as estantes com livros. Com a digitalização e a internet, como será no futuro?



Recentemente, um irmão muito querido de nossa casa espírita resolveu pedir à diretoria para fixar um quadro com a foto de Célia Xavier em um de nossos corredores ou saguão de maior trânsito e o retirasse da biblioteca, que fica bem escondida, "nos porões" da Associação. Seu objetivo era nobre: que as pessoas conhecessem mais a história da casa. 

O primeiro questionamento, é se ao ver o quadro, talvez com o  nome de Célia Xavier, se as pessoas entenderiam do que se trata. Em um país como o nosso, marcado pelo sincretismo, talvez pudessem entender que se tratava de um nicho, ou fazer associação ao que seria um santo católico, e passar a orar para ela neste lugar, descaracterizando nosso objetivo. É o que aprendi no curso de ciências políticas como "efeitos não esperados de uma política".

Contudo, a demanda do amigo tem razão de ser, por diversos motivos. Uma casa é um grupo de pessoas que se associa com objetivos e disposição para agir a partir de princípios. Para que ela não se perca no rumo da história, é necessário conhecer e compartilhar sua razão de ser e sua ética. Senão, as pessoas começam a agir de acordo com seus próprios princípios e entendimentos, transformando a organização em uma "terra de ninguém", um amontoado de grupos e reuniões, cada um trabalhando com uma finalidade, ética e princípios individuais e, pior, até contraditórios entre si.

Com o tempo, as coisas mudam. As demandas dos frequentadores se alteram. A economia se transforma. A rotina das pessoas fica diferente. As leis mudam. As pessoas na direção vão se sucedendo. Surgem novos projetos. Aparecem novas propostas. E a gestão, principalmente, fica no dilema entre o que deve ser mudado e o que não se muda, por ser princípio, base da identidade da organização.

Quando falamos da memória das organizações, creio que desejamos duas coisas. A mais importante é entender como, por que e para que elas foram criadas, quais são seus princípios, aquilo que não deve ser mudado, e o que foi sendo realizado e transformado no passar do tempo. A segunda coisa é reconhecer o trabalho de determinadas pessoas, que se dedicaram, que conseguiram ganhar notoriedade pelos resultados de seu trabalho, por suas ideias, pelo apoio aos demais membros da associação, ou seja, por ter feito a diferença.

Os homens espartanos lutavam corajosamente para não ir ao Letes, o rio onde as almas seriam esquecidas. Eles atingiam seu propósito de vida se seus atos fossem contados às novas gerações. Alguns tiveram suas histórias transformadas em lendas, e seus feitos foram idealizados ao infinito e eles se tornaram mais heróis que homens, semi-deuses. Não devemos fantasiar heróis no movimento espírita, mas compartilhar entre nós a experiência de homens e mulheres que construíram as organizações que nos encontramos.

Uma organização sem história é uma casa vazia, que todo novo morador se sente no direito de decorar e reformar a seu gosto. Uma organização com história é uma comunidade, que o novo membro passa a ter que conhecer para interagir, que os associados passam a ter que avaliar com fundamentação antes de decidir qualquer coisa.

A falta de história, portanto, não se resolve apenas com uma fotografia no corredor. Ela demanda informação, sentido e propósito. É um conjunto de ações coordenadas com a finalidade de compartilhar as histórias, valores, regras e tudo o mais que compõe o que o centro espírita é, ou se tornou no passar do tempo. Pode envolver palestras, treinamentos, exposições, livros, folhetos, filmes, entrevistas, youtube, sites, e diversas outras estratégias de comunicação. Não se resolve com um ato isolado, ou o esforço de uma pessoa. Só atinge maioridade, quando se torna um propósito do coletivo da associação, com o empenho do seu corpo diretor, no passar dos anos.

Quando Kardec propôs em seu projeto para o espiritismo, no século XIX, que o movimento precisava de um museu, fico pensando que ele já intuía a importância de se conhecer a trajetória dos centros e do movimento espírita, uma trajetória que não se reduza a inaugurações de prédios ou paredes com fotos de diretores, tão ao gosto da administração pública do nosso país.

Para terminar com uma provocação, respeitosa, gostaria de inverter a pergunta do irmão. Ele pergunta por que a foto da fundadora está na biblioteca-museu, onde "ninguém vai". Acho que o lugar das imagens do passado deve ficar mesmo em um biblioteca-museu, onde se tenha acesso não apenas à imagem, mas à informação associada a ela. Minha pergunta é por que a biblioteca-museu, diferentemente de muitas outras casas, está escondida nos porões da associação.

25.4.17

ANTONINA LEVA BÍBLIAS PARA A SALA DE AULA


Antonina tinha um novo desafio: a aula prevista era sobre a Bíblia. Ela imaginava que seus alunos tinham contato com o livro, porque viviam em uma região com grande influência dos evangélicos.

Ela separou então, para a aula, diversas Bíblias. Ela queria dizer que não existia apenas uma tradução, mas diversas traduções, e diferenças no texto. Levou uma Bíblia de tradutor católico, do latim, outra de tradutor protestante, do latim, a Bíblia de Jerusalém e a Bíblia do Peregrino, uma das Testemunhas de Jeová, intitulada tradução do Novo Mundo.

Seus alunos estavam indóceis, então ela começou sua aula com um “brainstorming” para verificar o que os alunos conheciam. Ela disse:

- Vocês vão me dizer a primeira coisa que vêm à mente quando eu disser uma palavra, tudo bem?

- Qual palavra, professora?

- A palavra é Bíblia!

Então todos os nove alunos começaram a falar: Mateus! Deuteronômio! Esdras! Apocalipse!

Eles conheciam livros que ela mesma não conhecia... Com certeza não aprenderam na escola. Antonina engoliu seco, mas continuou. Ela foi explicando a composição e a formação da Bíblia, quando mostrou os diversos livros que havia levado.

Eles folhearam, interessados, vendo que havia diferenças.

Um dos alunos falou:

- Na Bíblia das Testemunhas de Jeová, o livro Apocalipse foi traduzido com o nome Revelação, porque a palavra quer dizer isto em português.

Ela mostrou a “Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas”, a Bíblia das Testemunhas de Jeová.

- Deixa eu mostrar para você! Disse o aluno.

Ele localizou rapidamente o último livro da Bíblia e mostrou, triunfante:

- Olha aqui! Revelação!


Com o fim da aula, Antonina ficou pensando, admirada. Eles já conheciam muitas coisas sobre a Bíblia. Como haviam aprendido? Qual seria a extensão do conhecimento? Seria a apreensão das histórias que compõe o livro considerado sagrado? Estas histórias seriam capazes de transmitir os valores cristãos, ou seriam vistas apenas como os filmes de cinema, uma realidade ficcional, distante e sem conexão com as nossas vidas? Eles são, mesmo, capazes de aprender muitas coisas!

8.4.17

A FORMAÇÃO DO EVANGELIZADOR OU EDUCADOR ESPÍRITA DA INFÂNCIA





Muitos colegas dos tempos de juventudes espíritas, agora com os cabelos grisalhos, estão escrevendo sobre suas experiências, vividas no movimento espírita, tentando repassá-las para as novas gerações e as direções de trabalhos.

Tive duas experiências importantes no passado: fui professor de desenvolvimento de recursos humanos e fui coordenador de evangelização infantil para crianças em situação de vulnerabilidade social, em uma unidade nossa próxima de muitas favelas da Belo Horizonte dos anos 80. Desde então, nossa casa tem um problema crônico de formação de pessoas para este tipo de tarefa, não sei dizer o quanto este problema atinge os demais centros espíritas.

Há uma discussão atual sobre o nome a ser dado. Evangelização sugere apenas o ensino do evangelho e tem um pé na prática eclesiástica, então o nome educação espírita parece bem mais amplo e adequado. Contudo, isto não significa abandonar o ensino dos Evangelhos e dos princípios que embasam fortemente a ética espírita. E também, penso que a mudança de nomes não é algo que deva se transformar em “cavalo de batalha”, porque já vi as pessoas discutindo para mudar palavras, sem qualquer preocupação com a alteração da prática. Kardec dizia que “para ideias novas, palavras novas”, então esta mudança deve ser o objeto central das nossas preocupações, e não discutir para usar termos novos para conceitos velhos.

Nossa questão neste texto, contudo, é: como preparar evangelizadores ou educadores espíritas para o exercício de sua prática?

Tenho visto a realização de cursos intensivos para a preparação deles. Contudo, é uma atividade bem complexa, que não se resume a um curso de final de semana. Eles trabalham com a educação de crianças em faixas etárias e condições socioeconômicas muito diferentes. Para formar um professor de educação infantil nas escolas em geral, é necessário o magistério ou a graduação em pedagogia. Nosso trabalho é voluntário e pontual, então não há como exigir esta formação dos interessados, mas é possível realizar uma série de ações complementares para o seu desenvolvimento na tarefa.

No Lar Espírita Esperança, em Belo Horizonte, implementamos nos anos 80 uma série de ações que visavam o desenvolvimento do corpo de educadores espíritas, que foram.

  1. O horário da atividade foi expandido. Evitamos que os voluntários chegassem “correndo”, na hora da aula e saíssem “voando” após a entrega dos alunos aos pais.
  2.  Reuníamos o grupo sessenta minutos antes, não apenas para uma prece e avisos gerais, mas para um pequeno estudo ligado à evangelização. Os temas eram teóricos ou práticos e variados. Podiam tratar de alguma aula bem sucedida, alguma questão psicológica no relacionamento professor-aluno, algum tema pedagógico. Era feito pelo coordenador, mas podia contar com a colaboração de algum convidado ou membro do grupo. Assim o grupo começava a se tornar o que os cientistas sociais chamam de “comunidade de prática”.
  3.  Os novos educadores não iniciavam sua prática em uma sala de aula fixa. No primeiro ano, eles ficavam por dois meses em cada sala de aula (tínhamos turmas divididas por faixas etárias), observando como os educadores planejavam suas aulas, como lidavam com as crianças, e colhiam experiência. Ao final dos dois meses, eles eram responsáveis por uma aula na turma em que "estagiavam". A cada quinze dias, os “estagiários” se reuniam com a coordenação para compartilhar suas experiências e seus problemas. Nesta conversa rápida de trinta minutos, ia ficando mais claro se eles se identificavam com o trabalho, quais suas preferências e suas dúvidas e demandas. Esta conversa poderia gerar temas para a reunião anterior às aulas.
  4. Como os voluntários tinham dificuldade em reunir-se durante a semana para planejar suas aulas, eles se reuniam no dia da tarefa, após a saída dos alunos, para preparar as próximas aulas. Trabalhavam em conjunto, podiam conversar sobre os alunos, seus acertos e erros, seus problemas em sala de aula. Com esta prática, os educadores mais experientes interagiam com os novatos e os “estagiários”. Tinham acesso a todo o material pedagógico (não era muito) disponível na unidade e podiam usar os recursos da mesma para preparar as aulas. Uma hora era mais que suficiente para esta fase do trabalho.
  5.  No meu primeiro ano como evangelizador, meus colegas mais experientes tinham por prática fazer os planos de aula. Eu aprendia a técnica com eles, e a usei muito depois, até mesmo na minha experiência como professor universitário. Da forma que era elaborado, o plano permitia a visualização do tema, dos conteúdos, das estratégias didático-pedagógicas a serem usados, da distribuição das atividades pelo tempo e de como avaliar sua apreensão pelas crianças.
  6.  Como registrávamos os planos em cadernos, eles passaram a ser usados como material de consulta por outros evangelizadores. Infelizmente eu os perdi nas muitas mudanças que fiz ao longo da vida. Por esta razão tenho publicado no Espiritismo Comentado as histórias de Antonina e de outros educadores, mesmo sabendo que ainda não conseguimos atingir o público-alvo: os educadores infantis de espiritismo.
  7. Oferecíamos um curso de curta duração para formação geral pelo menos uma vez por ano. Uma limitação era que visávamos apenas os jovens da casa. Hoje, neste tipo de iniciativa, há uma interação entre casas diferentes na capital de Belo Horizonte, e públicos diferentes, como os frequentadores de grupos de estudo, ESDE e até mesmo reuniões públicas.
  8. Na capital mineira, hoje, há eventos voltados para educadores experientes. Infelizmente, muitos deles não veem a necessidade de participar. É importante que a programação destes eventos deixe claro o que eles irão agregar à sua experiência, para que não reajam com o velho preconceito de que não irão aprender nada, que é “mais do mesmo”.
  9. Montamos grupos de estudo de voluntários para desenvolver material sobre diferentes estratégias de educação. Chamou-se Projeto Evangelizar. Um grupo preparou um trabalho sobre música nas aulas. Outro grupo trabalhou com fantoches, com teatro de sombras e com como preparar material de apoio pedagógico em geral. Um terceiro grupo preparou um trabalho sobre planejamento de ensino. Um quarto grupo ensinou sobre jogos e recreação... Já nem me lembro mais de quantos trabalhos foram feitos. Ao final da elaboração os membros do grupo apresentavam ao corpo de educadores da Associação Espírita Célia Xavier para que o conhecimento circulasse e atingisse seu objetivo.
  10. O Professor Raul Teixeira, de Niteroi – RJ, em sua pós-graduação teve contato com a “elaboração de objetivos de ensino”, de Mager e Pipe (e outros autores), e fez uma oficina com todos os que trabalhavam com educação (infância, juventude e adultos) em nossa casa espírita. Os autores mudavam o foco do planejamento do ensino para o planejamento da aprendizagem, e discutiam a articulação entre objetivos gerais (de planos) e objetivos específicos, técnicas de escrita de objetivos, entre outros.
  11. Observamos que a aprendizagem das crianças em geral, e principalmente das crianças em situação de vulnerabilidade social era baixa. Pensamos à época em fazer uma programação mais voltada à conexão entre o espiritismo e a vida infantil, que uma adaptação do roteiro de ensino do espiritismo para adultos.

Alguns dos voluntários desta época continuam na tarefa até hoje, levaram sua experiência para onde foram, para outras casas espíritas, para outras cidades... Creio que hoje há muito o que agregar à experiência de trinta anos atrás. Pedagogia de projetos, construtivismo, novos recursos com a revolução da informática, barateamento de publicações, surgimento de novas editoras espíritas, aumento da formação superior nos meios espíritas...


O mais importante é que a educação espírita infantil não seja um mero improviso, que não seja uma mera exposição ou um esquema padrão de aulas, que ela envolva as crianças e que crie laços entre elas e a casa espírita. Que se pense não em treinamento de educadores, mas no seu desenvolvimento continuado através de ações diversificadas e na construção e reconstrução do conhecimento não formal através das gerações. Não sei se nossa experiência é útil a outras casas, em outros lugares, mas sei que há muito o que ser feito e que precisa ser bem feito.

30.3.17

ESPIRITISMO NA UNIVERSIDADE?



Durante minha juventude ouvi os espíritas queixarem-se das universidades e centros de pesquisa não estudarem o espiritismo. Em nosso país, os recursos e infraestrutura para pesquisa em diversas áreas começaram nos anos 1940, mas foi com o aporte de recursos para o CNPq, nos anos 1970 e a criação de programas de pós-graduação que houve uma ampliação significativa deste tipo de atividade.

Quando fizemos o quarto encontro da Liga de Pesquisadores do Espiritismo em São Paulo, o professor Marco Milani traçou um "perfil da produção acadêmica brasileira com temática espírita", no período que compreende 1989 a 2006. Ele descobriu que havia 39 dissertações e 11 teses diretamente ligadas à doutrina espírita (se computados os trabalhos espiritualistas, o número cresceria bastante) Dois anos depois, o prof. Tiago Paz e Albuquerque fez um levantamento sistemático e classificou 130 teses e dissertações que tinham como tema central o espiritismo, e 246 que tratavam também como tema tangencial secundário ou de estudos comparados.

As professoras Nadia Luz Lima e Cléria Bittar Bueno saíram dos encontros com o firme propósito de fazer um livro com artigos que sintetizassem alguns desses trabalhos. Os autores, contudo, cheios de atribuições, não conseguiram atender a um calendário mínimo que tornasse o projeto viável. Questionou-se, então, por que não publicar as teses em uma coleção?

Conseguimos os recursos iniciais na Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais, que possibilitou a publicação da tese Voluntários, e aos poucos foram saindo as demais. O sexto volume da coleção, o livro "Dá-me de comer", não é tese nem dissertação, mas o fruto de pesquisas do prof. Pedro Simões, da Universidade Federal de Santa Catarina, que estudou a assistência social espírita.

A Universidade de Franca foi parceira do projeto até o quinto livro, a partir do qual, uma equipe composta das criadoras da coleção, membros do CCDPE-ECM e membros da LIHPE tem se desdobrado para dar continuidade. Desde o primeiro livro, os direitos autorais e comerciais têm sido cedidos para o CCDPE-ECM, que tem por missão a manutenção de um acervo bibliográfico e documental espírita volumoso, doado por Eduardo Carvalho Monteiro, e tem administração não remunerada.

Hoje o Voluntários e o Fogo Selvagem, Alma Domada, tese de doutorado da profa. Nadia que trata da construção do Hospital do Pênfigo de Uberaba e de Dona Aparecida, estão quase esgotados, havendo alguns raros exemplares aqui e ali.

Os demais trabalhos estão à disposição do público e podem ser adquiridos na livraria do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro http://www.ccdpe.org.br/ ou em sua distribuidora parceira, a Candeia http://www.candeia.com/





20.3.17

A CASA DE CHICO XAVIER







Domingo foi dia de ir a Pedro Leopoldo. Oportunidade de ver o Adriano Calsone falar sobre Amélie Boudet e Allan Kardec e de rever a Casa de Chico Xavier. Foi uma viagem grata ao coração, porque encontrei amigos antigos, que a vida levou para longe, mas que como a vida costuma ser como o mar, as ondas trouxeram de volta a Belo Horizonte. Encontrei amigos geograficamente próximos, mas que a vida absorveu, com suas obrigações, em outros espaços. Vizinhos, mas distantes. E reencontrei quem lá está, na cidade natal do Chico, mas que já morou na capital e conheceu papai.



A Casa de Chico Xavier é assim, você está no passado, mas também está no presente. O tempo-espaço se curva e permite que você transite entre os dois momentos, mercê da memória, com um passo, apenas. Com um passo você vê a Dona Nenem jovem, o Rolando Ramaiciotti perfilado com o médium de Pedro Leopoldo, o Peralva com seus óculos quadrados e eterno terno, capturados pelas fotografias que a informática faz aumentar ante o pedido nervoso dos dedos. Um passo, e quem já viu o filme preto e branco, preservado insistentemente do esquecimento pela nova dimensão chamada internet, entra em um quarto com os diplomas de cidadão honorário dados pelas câmaras municipais de cinco cidades paulistanas e pela intrusa Belo Horizonte, lugar de tantas amizades caras ao médium. Um passo atrás e o tempo muda novamente, o visitante vê a cama feita e o terno passadinho, pronto para ser vestido. 

Um lugar curioso da visita são os expositores do chão ao teto com uma cachoeira de livros, perfilados, à espera do olhar curioso dos visitantes. Do Parnaso ao último livro de Chico, eles estão lá, testemunhas incontestes de uma dedicação diária, que devorava o horário de descanso após o almoço, as noites que usamos para descansar da labuta e a madrugada que os jovens gostam de usar para as baladas. Recordei-me de Raul Teixeira dizendo:

- “Para acompanhar a doença do Chico é preciso ter muita saúde”!



Por fim, o visitante pode voltar a 1931. Geraldinho contou que o Chico participava da reunião mais estranha da história do espiritismo brasileiro. À mesa da casa espírita ele psicografava sob a influência de Emmanuel. Terminada a tarefa, ele lia em voz alta os textos para as cadeiras vazias, as paredes nuas pintadas, os pássaros no telhado do lado de fora, que pareciam não ter muito interesse nas palavras do Mestre iluminadas pelo pensamento de Allan Kardec. Lá fora a cidade ficava meio adormecida, em um ritmo lento, mas os vizinhos deviam ouvir a voz insistente do médium, e comentavam as estranhezas daquela doutrina nova que se erguia contra a milenar instituição representada localmente por uma pequena matriz no centro, com um coreto gracioso.

Chico Xavier é conhecido por sua perseverança teimosa, sua capacidade de continuar onde muitos nem mesmo teriam iniciado. William James diria que isto faz parte da psicologia dos grandes e notáveis religiosos. Toda muralha, contudo, tem suas rachaduras e incorreções, então, o povirello de Pedro Leopoldo queixou-se a Emmanuel.

- Meu irmão, vou encerrar a reunião. Apenas eu venho e trabalho sozinho. Fico lendo para as paredes e os vizinhos já me consideram louco. Não há sentido em continuar!

O orientador espiritual pediu-lhe que retornasse uma vez mais. Emmanuel pediria ao mestre que Chico pudesse ver mais, com os olhos da alma, e entender o que fazia.

Passada uma semana, chega o Chico, na reunião que seria a derradeira, como falam os mineiros, assenta a mesa, enche as folhas de papel e inicia as últimas leituras. Emmanuel aproximou-se, impôs as “mãos espirituais” sobre a cabeça do jovem médium, e seu campo de visão espiritual se abriu. Ao redor da mesa um anfiteatro, com espíritos “assentados” acompanhando com interesse a leitura dos textos evangélicos.

Chico olhou detidamente as fisionomias e não reconheceu ninguém. Não eram parentes dos filhos da terrinha mineira. Seus traços não lhe eram familiares. Perguntou então ao orientador.

- Quem são eles? Eu não os reconheço.

- São espíritos que estão em contato com o evangelho de Jesus explicado a partir dos novos conhecimentos trazidos pelo mestre lionês e que retornarão à carne para divulgá-los.

Geraldinho se referiu a eles como a Turma de 1931.



Voltemos à Casa de Chico Xavier. Influenciada pela narrativa, ao mesmo tempo em que criava os novos espaços de uma casa que seria museu e centro espírita, a arquiteta preservou o espaço da mesa em que Chico psicografava, quando estava em sua casa, e transformou os barracões, que eram quartos para receber os espíritas que vinham dos muitos lugares, especialmente de São Paulo, passar alguns dias com ele. Da mesa veem-se as fileiras desniveladas de cadeiras, envolvendo o espaço de grata lembrança com um anfiteatro pequenino, capaz de acolher uma centena de almas encarnadas, prontas a participar da simplicidade das reuniões, de leitura, comentários e preces.

Fui convidado à mesa, como acontecia no passado e as lágrimas escorreram no canto do olho. Ali também o espaço tempo fez duas dobras, e enquanto Adriano Calsone falava dos tempos áridos, mas laboriosos do mestre francês e nos fazia recordar/aprender sobre a “femme forte” do espiritismo, a mesa insistia em nos puxar para os tempos do lápis que corria solto pelas folhas de papel, um olhar ao lado nos levava aos anos oitenta do século passado, com a grata memória dos jovens da Comebh, alguns já senhoris, com os filhos crescidos, outros já sem o corpo físico, e nos assentos do anfiteatro viam-se os olhares interessados, perdidos no tempo, imaginando Rivail e Amélie enfrentando suas lutas, com um silêncio significativo, às vezes recortado por risos discretos, emoções denunciadas pelos olhos ou ternura estampada na face.

Voltamos para casa com uma sensação de paz na alma, de alegria suave, de satisfação pelos encontros e abraços, de surpresa pelo espaço tão mágico, preservado pelo afeto de pessoas que conheceram e valorizaram o jovenzinho pobre de Pedro Leopoldo.

18.3.17

LIVRARIA DA UNIÃO TEM LIVROS DA LIHPE



A Livraria da União Espírita Mineira está com todos os livros da Série Pesquisas Brasileiras sobre o Espiritismo para venda. Eles podem ser encontrados na Rua Guarani 313, no centro de Belo Horizonte - MG.

Esta série agrupa os trabalhos apresentados nos encontros da Liga de Pesquisadores do Espiritismo e revistos por seus autores após avaliação.

Os espíritas mineiros têm agora mais facilidade de acesso aos livros da LIHPE!

11.3.17

EC FAZ DEZ ANOS!



O Espiritismo Comentado completa hoje dez anos! Acima estão as bandeiras de todos os países que já acessaram o blog. Talvez alguns países tenham visto por acidente, mas agradeço as comunidades espíritas norte-americana, europeia, japonesa, sul americana e africana, que nesta ordem têm acessado o blog, às vezes com a ajuda do tradutor. O instrumento do Google encontra também muitos acessos da Rússia e países vizinhos, da China e da Índia. Seriam apenas rastreadores de tráfego?

Neste tempo, foram quase 900 mil visualizações de páginas de quase mil postagens! É como se tivéssemos uma reunião de estudos virtuais com frequência média de 900 pessoas.

Os textos que tratam de mediunidade intuitiva (http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2009/01/mediunidade-intuitiva.html) e da interpretação do ramo de videira encontrado em O livro dos espíritos (http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2009/05/que-significa-o-ramo-de-videira-que-os.html) são os mais lidos do blog, e já foram escritos há onze anos...

Uma vez vi um filme chamado "Nunca te vi, sempre te amei", que trata de uma amizade entre um inglês e uma norte-americana, sustentada por correspondência, desde o período da guerra. Não me lembro bem do filme, mas eles ficaram décadas sem nunca se terem visto, sempre presentes na vida uns dos outros. Agradeço as pessoas que se enquadram neste modelo e se tornaram mais que leitores ao longo destes dez anos. Um dia espero conhecê-las em "três dimensões". 

Hoje é dia do Seminário "Novos Estudos sobre a Reencarnação" na Sede Federativa da União Espírita Mineira, e estão todos convidados a participar. Acho que ainda há vagas (poucas) e as inscrições são gratuitas. Vamos autografar o último livro publicado pela LIHPE em parceria com o CCDPE-ECM e a USE-SP.

Com dez anos de trabalhos, acho que precisamos parar para pensar. Enviem sugestões para o blog no nosso grupo do Facebook https://www.facebook.com/groups/espiritismocomentado/?fref=ts  para que possamos melhorar nossos trabalhos. 

Muito grato, pessoalmente, por estar com vocês durante todo este tempo.




9.3.17

MEDIUNIDADE E CIRCUITOS ELÉTRICOS



Gerador de corrente contínua tipo shunt



O jornal de estudos espíritas acaba de publicar um artigo que explica a analogia que André Luiz fez entre circuitos elétricos e mediunidade no livro "Mecanismos da mediunidade", publicado originalmente em 1959. O livro foi psicografado por Chico Xavier e Waldo Vieira. Os capítulos pares foram psicografados pelo Chico e os ímpares por Waldo. Como muitos dos conceitos de eletricidade ensinados por eles não são estudados na escola em nível de ensino médio, o livro é de difícil leitura e interpretação pela maioria das pessoas de boa vontade que frequentam a casa espírita.

O autor do artigo, Alexandre Fontes da Fonseca, é físico e professor da Unicamp. Ele tenta explicar de forma didática e compreensível o que diz André Luiz sobre mediunidade em alguns dos capítulos do livro.

Sua primeira contribuição é mostrar que o livro faz apenas analogias com eletricidade e hipnose. Ele não faz física do  mundo espiritual, como pensam alguns leitores. Embora André Luiz fale de ondas mento-eletromagnéticas, ele não diz que a mente produz ondas eletromagnética, mas que algumas das características das ondas eletromagnéticas como a variedade de frequências, a transmissão sem a necessidade de fios, sua recepção à distância e sua capacidade de gerar correntes elétricas em condutores com características especiais são muito parecidas com um espírito comunicante que produz o fenômeno mediúnico pelo pensamento, sem que ninguém seja capaz de percebê-lo com os cinco sentidos.

Algumas das comparações explicadas por Alexandre no artigo

Diferença de potencial: a existência de pensamentos distintos entre espírito e médium, para que seja possível a comunicação.

Capacidade de junção: combinação de fluidos entre médium encarnado e comunicante desencarnado (conceito kardequiano)

Fios do gerador: atitude de aceitação ou adesão do médium

Circuito mediúnico: Na combinação de fluidos citada acima, circula uma "corrente mental" (isto também é uma analogia, e não uma descrição física)

Gerador "shunt": Tipo de circuito no qual uma bobina corretamente instalada aumenta a corrente do gerador, e instalada de forma errada, diminui a corrente do gerador. É uma analogia do papel da concentração do médium durante a comunicação, segundo o articulista. 


Quem estiver interessado em entender melhor o artigo dele, basta acessar o Jornal de Estudos Espíritas no link a seguir:
https://drive.google.com/file/d/0BwP5l2F8N4s3TWJoMmRKWTRQaVk/view

8.3.17

UMA HISTÓRIA DE AMÉLIE GABRIELLE BOUDET




Ao contrário do livro "Em nome de Kardec", fui obrigado a ler "Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou" em migalhas. O texto de Adriano continua leve de se ler e agradável. Ele transforma a narrativa em uma espécie de seriado de suspense, no qual cada capítulo é uma história.

Conhecemos mais de Allan Kardec que de sua esposa, em função, talvez, do livro "Obras Póstumas" e pelo acesso à Revista Espírita. Obviamente a visibilidade do escritor é muito maior que a de seu editor ou revisor, o que é uma das primeiras surpresas do livro. Amélie participou ativamente de toda a obra kardequiana, revendo e relendo para o marido.

Sua história como mulher francesa no século XIX mostra que ela foi muito além do esperado pelas convenções sociais da época. Após a desencarnação de Rivail, ela se tornou (se é que já não era) administradora dos bens do casal, que não eram desprezíveis, em função de heranças recebidas das famílias.

Seu compromisso com o trabalho do marido e seu tirocínio quanto às decisões que os homens das instituições criadas para dar continuidade ao trabalho de Kardec são pacientemente recuperados por Calsone. Uma das principais fontes usadas são os escritos de Berthe Fropo, amiga de Amélia. Ela coloca no papel sua visão sobre as decisões da Sociedade Científica de Estudos Psicológicos, que, salvo engano, foi fruto de uma transformação da Sociedade para a continuação das obras de Allan Kardec.

Do ponto de vista da história, Calsone tenta mostrar, sempre que possível, a visão dos dois lados, mas não esconde sua simpatia por Berthe e Amélie. Sei por experiência própria que quando há conflito, as posições se polarizam, e mesmo quem tem razão, costuma exorbitar em algumas situações.

Calsone faz uma releitura do episódio do Processo dos Espíritas, e atribui aos interesses comerciais de Leymarie, sua associação inadvertida com o "médium" farsante, que produzia fotografias espíritas. Na medida em que se vai lendo, vê-se que Leymarie não tinha a formação necessária para entender o alcance do trabalho de Kardec. Entendendo o espiritismo mais como movimento a ser tornado público que como doutrina filosófica, sem o mínimo conhecimento das ciências, ele vai fazendo associações com Roustainguistas (Guérin), Teosofistas (Blavastsky) e outros espiritualismos, não importa seu método de desenvolvimento da teoria, nem suas contradições com o exposto por Kardec em seu trabalho. Não sei se exagero, mas Calsone parece perceber o efeito dos títulos que vão sendo concedidos a Leymarie, e de sua indiferença ante a adoção de adornos, como bandeiras cheias de imagens com significados simbólicos de Guérin. 

Tudo isso não passou despercebido aos espíritas com melhor formação, como Delanne e Denis, que se dispuseram à criação do órgão "Le Espiritisme" e da "União Espírita Francesa". Calsone mostra com perfeição que a criação de uma nova instituição espírita não foi bem vista pelos membros da Sociedade, muito menos a comercialização de um novo órgão de divulgação, visto como concorrente à Revue.

Na leitura do livro, entendi melhor o significado do apoio que a Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, aqui do Brasil, deu à "União Espírita Universal" (elemento pré-textual de A Gênese, traduzida em 1882), bem como dos conflitos e divisões que foram descritos por Canuto Abreu no movimento espírita do Rio de Janeiro no seu livro "Bezerra de Menezes: subsídios para a história do espiritismo no Brasil até o ano de 1895". 

Não vou falar sobre os pais e a infância de Amélie, o processo de herança, sobre as acusações de destruição de documentos, nem sobre a sucessão de Leymarie e os processos judiciários que afetaram o movimento espírita profundamente. Isso fica para o leitor interessado, já que não quero ser acusado de fazer "spoiler"...

Livro: Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou
Autor: Adriano Calsone
Editora: Vivaluz
282 páginas