13.11.21

UM ROMANCE HISTÓRICO DA ÉPOCA DO CRISTIANISMO É ASSUNTO DO "ESQUINA DO CÉLIA"





Hoje, sábado, 13/11/2021, às 20 horas, entrevistaremos Maurício Brandão sobre o livro Cristão, um romance histórico da época do Império Romano, no programa Esquina do Célia. 



“O primeiro século cristão contado a partir das memórias de Antonio e da sua convivência com o Apóstolo Paulo e Cibele

O passado é passado e não pode ser modificado. Todavia, pode-se e deve-se alterar pensamentos em relação ao passado, visando-se a um presente melhor e a um futuro radio¬so. Nasce assim, o presente trabalho, fruto de recordações de Antonio, centurião romano, na época do cristianismo. O texto foi gerado por Vespasia e construído pelas lembranças de Antonio.

Vespasia procurou escrever uma memória emocional, a história de vários homens através da história da conversão de um deles. O que enriquece o fundo da história é a contemporaneidade com o cristianismo nascente, a convivência com o Apóstolo Paulo e com Cibele, espírito angelical que ficou desconhecido na história da Igreja Cristã.

As dúvidas e angústias que passam por todos nós até os dias de hoje transparecem na incerteza e na atração dúbia que Antonio, então seu filho, sentiu pelo cristianismo. Cristão, assim, não surge como um livro de história, mas como romance que recria memórias emocionais permeadas pelo fundo magnífico das presenças de Paulo e Cibele.

Conseguirá Antonio tornar-se cristão? 

Conheça a história de Antonio e os efeitos de sua amizade com Paulo de Tarde e Cibele neste romance ambientado em Roma e na região do Lácio.”



9.11.21

O ESPIRITISMO, O ANTIGO TESTAMENTO E OS ARQUÉTIPOS DE JUNG

Moisés de Michelângelo


Jáder Sampaio


Desde Allan Kardec os espíritas estudam os textos bíblicos, com uma atitude diferente da dos cristãos que a entendem como a “palavra de Deus”, literalmente. Kardec recomenda que se estude a história para uma melhor compreensão do contexto das narrativas e ensinamentos evangélicos na introdução de seu “O evangelho segundo o espiritismo”. Embora pouco tratado, o antigo testamento parte de uma compreensão de um texto e uma religião voltada às mentalidades de sua época, que necessitavam de práticas exteriores, como os sacrifícios, para impressionar a mente da população de então.

Kardec, no capítulo I de “O evangelho segundo o espiritismo”, transcreveu uma mensagem ditada por ‘um espírito israelita”, que vê no antigo testamento o “gérmen da mais ampla moral cristã”, mas comentada de forma restrita, porque senão não teria sido compreendida. Ele explica da seguinte forma:

“Era-lhes necessária uma representação semimaterial, qual a que apresentava então a religião hebraica. Os holocaustos lhes falavam aos sentidos, enquanto a ideia de Deus lhes falava ao espírito. ” (Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo, cap 11, item 9)

Na Revista Espírita de 1860, Allan Kardec debate uma questão proposta por um leitor, que entende que os textos das escrituras deveriam ser aceitos como verdades, e pede explicações sobre o caso de Adão não ser visto pelo espiritismo como o primeiro homem da humanidade.

Kardec fala o que hoje entendemos claramente: diversas afirmações que se encontram na Bíblia foram provadas ser falsas, como Josué parando o sol, o mundo criado há apenas 4.000 anos, em apenas seis dias. Ele considera essas explicações como “linguagem figurada”, para a qual é necessária uma interpretação, e que até os teólogos da igreja “se renderam à evidência”.

Nesse texto ele vai ainda se posicionar a favor das ciências naturais como discurso explicativo dos fenômenos naturais, e reduzir o texto do “Gênesis” à condição de conjunto de alegorias bíblicas. Observemos que ao considerá-las como alegorias, e não como mitos, ele reconhece em algum momento o valor explicativo do texto bíblico, talvez a essência das histórias pudesse ser vista como uma narrativa mal contada de algo que realmente aconteceu e foi vivido pelos homens, como o dilúvio.

“Assim falando, cremos servir aos mais verdadeiros interesses da religião. Ela será sempre respeitada, se mostrada de acordo com a realidade e quando não a fizerem consistir em alegorias cuja realidade o bom-senso não pode admitir.” (Kardec, Allan. Os pré-adamitas, Revista espírita, 1860. 

Outro ponto que gostaria de desenvolver nesse texto, diz respeito aos livros de caráter mais histórico da Bíblia. Não é possível comparar os textos sobre os eventos acontecidos àquela época, com os rigores da história contemporânea. Os chamados “profetas anteriores”, que são os livros de “Josué, Juízes, Samuel e Reis”, também considerados livros “históricos”. A Escola Bíblica de Jerusalém entende que a redação do Deuteronômio, por exemplo, tradicionalmente atribuída a Moisés, foi tardia, e baseada em fontes orais ou escritas, “que diferem pela idade” (p. 329)

“Em sua forma definitiva, pois, estes livros são obra de uma escola de homens piedosos, imbuídos das ideias do Deuteronômio, que meditam sobre o passado de seu povo e dele tiram uma lição religiosa.” (p. 329)

A versão final do livro só teria sido completada após a conquista de Jerusalém pelo Império Babilônico, em 539 a. C.  (https://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_de_Josu%C3%A9). Para se ter um termo de comparação, Josué é o líder do povo hebreu após a morte de Moisés. Não há registros ou evidências históricas da vida do libertador, chegando até a ser considerado um herói legendário construído ao longo dos anos pelos hebreus, embora possa ter havido um Moisés histórico, sobre o qual se inseriram muitas lendas. As especulações sobre seu nascimento variam entre 1592 a.C. e 1271 a.C. (https://pt.wikipedia.org/wiki/Mois%C3%A9s). Há que se entender que um livro que vai sendo escrito e reescrito ao longo de mil anos, sem arquivos, com fontes orais, com intenções político-sociais, não pode ser entendido como fonte histórica, senão aceitando-se a incorporação de mitos, lendas, narrativas e até mesmo contradições. 

A Escola Bíblica de Jerusalém, na introdução do livro de Josué, faz uma comparação com a narrativa encontrada no livro do Deuteronômio (último livro da lei), que atribui a Josué uma espécie de liderança de todos os hebreus nas guerras contra os povos que habitavam na Terra Prometida, enquanto em Juízes I se apresenta cada povo lutando por seu território, e muitas vezes sendo derrotado.

Não é difícil perceber que diversos personagens do antigo testamento são legendários e simbólicos, como Sansão, que perde a força com um corte de cabelos, despedaça um pequeno leão (juízes 14:8) com as mãos, massacra um exército (!) de filisteus composto de mil homens, tendo por arma uma queixada de jumento (juízes 15:16) e desencarna derrubando as colunas do templo filisteu (juízes 16:29) apenas com as mãos. Ele é uma espécie de Hércules hebreu, embora a tradição rabínica o considere como alguém que existiu e cuja história de vida tem muitos elementos figurados, que necessitam ser interpretados. Ele foi comparado também a Jesus por estudiosos cristãos. O espírito Lamennais faz uma reflexão sobre Sansão, na qual ele é visto apenas como símbolo. (Kardec, Allan. Meditações filosóficas e religiosas, ditadas ao Sr. Didier pelo espírito Lamennais, Revista Espírita, 1871)

Vistos alguns desses personagens apenas como mitos, despindo-os completamente da possibilidade de sua historicidade, podemos tratá-los como arquétipos, no sentido junguiano? Sim, podemos, mas se formos fazê-lo com seriedade, alguns cuidados precisariam ser tomados. Um deles é extrair dos mitos seu mitologema, ou seja, sua estrutura, e mostrar que ela é comum a outros mitos de outras culturas. Uma das características de um arquétipo é ser algo herdado, que está presente no psiquismo antes do nascimento (Humbert, p. 95), apenas em “estrutura” (os conteúdos, as ideias específicas serão elaboradas ao longo da vida), as imagens originais seriam encontradas nos “contos de fadas, mitos e narrativas pertencentes às diversas culturas” (Humbert, p. 96), elas têm um papel orientador para o sujeito que as produz (em sonhos ou imaginações, por exemplo) (Humbert, p. 97), e por essa função o arquétipo é muito próximo do instinto (Humbert, p. 97). Esses arquétipos não são transmitidos pela cultura e pela educação, porque as imagens originais são inventadas e reinventadas pelas pessoas, foi o que o levou a pensar na “herança com a estrutura do cérebro”, inspirando-se nos comportamentos animais (Humbert, p. 98). Aqui se vê que ele temia propor hipóteses como a reencarnação, consideradas muito metafísicas e, portanto, passíveis de ser entendidas como não científicas.

A história de Sansão, por exemplo, tem muitas semelhanças com a história de Hércules e a história de Jesus, mas isso é assunto para outra publicação.


Referências

A Bíblia de Jerusalém. Nova edição revista. São Paulo: Paulinas, 1985. [Traduzido da edição de 1973 de “La Sainte Biblie”, coordenada pela Escola Bíblica de Jerusalém).

Humbert, Elie G. Jung. São Paulo: Summus, 1985.

Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. [IPEAK]

_____ Revista Espírita [IPEAK]




10.10.21

ALLAN KARDEC ADVOGA UMA CERTEZA INSTINTIVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS?



Jáder Sampaio


Vi recentemente uma palestra em um centro espírita intitulada "Fé: a certeza instintiva da existência de Deus", em uma semana de comemoração do nascimento de Allan Kardec.

Em Kardec, a expressão “certeza instintiva” seria vista como um paradoxo, uma contradição em si, porque ele advoga a certeza como fruto da razão e o instinto como uma “inteligência sem raciocínio”. Uma certeza instintiva, seria, em tese, uma certeza que não se obtém através do raciocínio, mas que se nasce com ela, uma espécie de crença inata, e que, por isso, não é fruto da razão.

É por isso que não se encontra em nenhum dos escritos publicados de Kardec a expressão “certeza instintiva”, mas se encontra duas vezes “crença instintiva” e se encontra "sentimento instintivo". 

O instinto é uma palavra usada em filosofia e em psicologia para explicar o comportamento animal, principalmente o comportamento que não foi fruto de aprendizagem. As fêmeas dos mamíferos, quando têm seus filhotes, devoram suas placentas, os lambem até limpá-los e os amamentam. Pelo menos as de ratos, cães e gatos fazem uma espécie de ninhos, que têm papel de proteger os filhotes de predadores e de facilitar seu aquecimento. Esses comportamentos não foram aprendidos, e um mamífero não “sabe” porque age assim, mas todos eles agem da mesma forma, conforme as condições oferecidas pelo ambiente em que se encontram. Isso é instinto, uma “compulsão” à ação sem qualquer raciocínio, que um ser humano pode até explicar e mostrar sua finalidade, sua utilidade, seu papel na sobrevivência, mas que os animais fazem automaticamente, sem certamente pensar: “estou grávida, o que devo fazer?”

A razão é um termo ou expressão que se confunde com a história da filosofia. Ela é empregada, de uma forma clássica, para explicitar um conjunto de operações mentais lógicas e consistentes, realizadas pelos seres humanos, que substituíram com vantagem uma forma mágica de conhecimento, mítica, na qual se contavam histórias para explicar, por exemplo, como o homem aprendeu a utilizar o fogo (na cultura grega Prometeu roubou esse segredo dos deuses). A razão exige argumentos, provas, raciocínios segundo regras, na busca da verdade. É uma operação essencialmente consciente, que afeta o domínio afetivo do qual participa a fé, a crença. O ser humano não é essencialmente racional, então ele pode se mover por crenças racionais ou irracionais. 

De volta a Kardec, ele advoga uma fé raciocinada, ou seja, do domínio da razão, capaz de diálogo com quem quer que apresente contra-argumentos dentro das regras da lógica (ou das diversas lógicas aceitas pelo grande guarda-chuva que chamamos de filosofia). O ser humano deve crer com a anuência de sua razão e não porque outros homens também creem. De uma certa forma, Kardec é um filósofo, nesse ponto, semelhante a Kant, que convida a humanidade a acordar do seu “sono dogmático”, ou seja, das ideias compartilhadas por sua família, comunidade religiosa, comunidade política, por seus amigos, mas que não são sustentadas pela razão do próprio sujeito.

A fé, portanto, é passível de crítica, e a crítica não é mal vista, mas entendida como a identificação de um obstáculo para a explicação racional. Quando a crítica é acolhida como ato de agressão, de mera desconformidade, estamos no domínio da fé em dogmas, que Kardec denomina como fé cega, em seu O evangelho segundo o espiritismo. 

Todavia, me dirão, Kardec advoga que há uma crença em Deus partilhada pelas diversas culturas do mundo, até mesmo de povos que apenas recentemente haviam entrado em contato com a cultura ocidental e a cultura oriental. Seria um sentimento instintivo de Deus, como bem colocado na pergunta 6 de “O livro dos espíritos”. Os espíritos usam esse conceito como base de um dos argumentos que sustenta a existência de Deus. Seria algo assim: se todos os povos, incluídos os primitivos (os que mesmo em nossa época mantém suas crenças e costumes bem próximos dos de dezenas de séculos atrás) têm um sentimento instintivo de Deus e o manifestam em sua cultura, e se o ateísmo e o agnosticismo são fruto da aprendizagem, da formulação humana de uma incerteza da existência de Deus, é mais provável que Deus exista. Esse não é um argumento final, nem um argumento único em Allan Kardec, mas se soma à explicação de sua defesa da existência de um Deus transcendente.

Perceba o leitor que sentimento instintivo, crença instintiva e ideias inatas, todas essas expressões usadas por Allan Kardec, não são o mesmo que certeza instintiva. Se é instintivo, é irracional, e o que é do domínio do irracional não gera certeza, a não ser em uma perspectiva que Kardec critica e denuncia como fazendo parte da “fé cega”, e Kant denuncia como um estado de “sono dogmático”, atitudes que o espiritismo reconhece existirem, mas evita ao máximo que estejam na fundamentação de suas afirmações.

Entendo que os expositores às vezes façam afirmações de boa vontade, sem intenção de conflito nem de rigor filosófico, mas é necessário evitarmos a confusão de palavras ao máximo, sob a pena de sermos mal entendidos e de levar as pessoas que estão aprendendo o espiritismo a uma visão contrária à de Kardec.

22.8.21

16 ENLIHPE: 28 E 29 DE AGOSTO

 



Todo ano, a Liga de Pesquisadores do Espiritismo - LIHPE, rede de estudiosos do espiritismo (espíritas ou não) promove seu encontro nacional. Nesse ano o encontro será à distância e aberto a todos os interessados, sob a coordenação dos membros de São Paulo, após três anos distantes dessa capital.

Em 2021 teremos a participação de Julie Beischel, uma pesquisadora norte-americana que vem publicando trabalhos de resultados de estudos com médiuns. Interessa a todos nós os seus artigos, uma vez que emprega métodos experimentais e de observação em seus estudos.

Os links para a participação do público serão divulgados em data mais próxima do evento, aqui no Espiritismo Comentado, no grupo de Facebook da LIHPE e em outras mídias. A participação é livre e não necessita inscrição. Utilizar-se-á o Streamyard para levar o evento ao público. 

https://business.facebook.com/LihpeLigaDePesquisadoresDoEspiritismo/videos/161410425955270/

Segue abaixo a programação do evento:


16º ENLIHPE Tema central: 160 anos de O Livro dos Médiuns

PROGRAMAÇÃO – 28/08/21

Sábado

8h30 Abertura e apresentação artística

8h45 Palavras iniciais: LIHPE / CCDPE-ECM / USE

Marco Milani, Julia Nezu e Rosana Gaspar

9h00 Apresentação 1 – O Livro dos Médiuns: origem dos textos e evolução da obra

Luís Jorge Lira Neto e Luciana Farias

9h20 Perguntas e comentários

9h40 Apresentação 2 – Mecanismos da Mediunidade: Um Paralelo entre André Luiz e Kardec

Alexandre Fontes da Fonseca

10h00 Perguntas e comentários

10h20 Intervalo 1 (café)

10h40 Apresentação 3 – “A loucura sob novo prisma” como produção de conhecimento científico: uma análise a partir da filosofia da ciência de Gaston Bachelard

José Daniel Souza

11h00 Perguntas e comentários

11h20 Apresentação 4 – Catálogo racional de obras para se formar uma biblioteca espírita: a publicação original comparada com alguns de seus manuscritos e demais versões

Adair Ribeiro Jr., Carlos Seth Bastos e Luciana Farias

11h40 Perguntas e comentários

12h00 Intervalo 2 (almoço)

13h30 Apresentação artística 2

14h00 Apresentação 5 – Valorização de Kardec nos trabalhos da LIHPE

Alexandre Fontes da Fonseca

10h20 Perguntas e comentários

14h40 Apresentação 6 – Três conceitos de experiência: o crítico-transcendental, o analítico-pragmático, e o espírita

Humberto Schubert Coelho

15h00 Perguntas e comentários

15h20 Intervalo 3 (café)

15h40 Sessão internacional – Pesquisas sobre médiuns no Windbridge Research Center (Obs:esta apresentação será realizada em inglês)

Julie Beischel

16h00 Perguntas e comentários

16h30 Apresentação 7 – A atuação de Amélie Boudet na sucessão de Allan Kardec

Adair Ribeiro Jr., Carlos Seth Bastos e Luciana Farias

16h50 Perguntas e comentários

17h10 Encerramento das atividades do dia


16º ENLIHPE Tema central: 160 anos de O Livro dos Médiuns

PROGRAMAÇÃO – 29/08/21

Domingo

8h00 Abertura

Painel: Pesquisas em desenvolvimento

8h10 P1) Alteração da qualidade de vida de integrantes de reuniões mediúnicas após as restrições impostas pela covid-19

Ricardo Alves da Silva, Eliomar Borgo Cypriano e Raphael Vivacqua Carneiro

8h30 Perguntas e comentários

8h50 P2) Proposta de pesquisa de mediunidade intervivos

Mauricio Mendonça

9h10 Perguntas e comentários

9h30 P3) A irradiação mental no tratamento espiritual do transtorno mental - estudo de caso

Jaider Rodrigues de Paulo, Lenice Aparecida de Souza Alves, José de Avila Oliveira Neto, Viviane Aparecida dos Santos e Cristina Maria Pinheiro de Souza de Avila Oliveira

10h20 Perguntas e comentários

10h40 Intervalo

11h00 Apresentação 8 Uma identificação da causa mortis alegada pelos espíritos comunicantes das cartas psicografadas por Chico Xavier

Carlos Roberto Fernandes e Emanuelly Pereira da Silva

11h20 Perguntas e comentários

11h40 Encerramento

Apoio institucional: União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo e Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro.

Abaixo temos um vídeo em inglês com a apresentação de parte do trabalho sobre mediunidade do Windbridge Institute, que a Dra. Beischel dirige.

13.8.21

ÓCHÊMA: UMA CONCEPÇÃO NEOPLATÔNICA DO PERISPÍRITO

Jáder Sampaio



Desenho de Gustave Doré sobre a transfiguração. Passagem bíblica em que Moisés e Elias, mortos há séculos, se mostram ao lado de Jesus "iluminado", e são vistos pelos apóstolos. Para o espiritismo isso só seria possível em função da mediunidade e do perispírito.

Existe na história da filosofia um platonismo considerado tardio, uma espécie de revivescência de Platão que ficou conhecido como neoplatonismo. Amônio Sacas, filósofo romano radicado em Alexandria, da transição entre os séculos 2 e 3 da era comum (ou depois de Cristo, como se falava na minha juventude...) é considerado um dos fundadores dessa escola e influenciou diversos pensadores de sua época, como Plotino, e mesmo pensadores cristãos, como o “quase-pai” da igreja, chamado Orígenes, que entre outras coisas, aceita a realidade lógica de uma pré-existência do Espírito como forma de se entender as diferenças de condição dos homens no mundo.

João Castro e Murilo Castro nos explicam que no neoplatonismo “a alma tem outro corpo quase-físico ou óchêma, geralmente adquirido durante a «descida» pré-natal através dos céus (kathodos; ver Plotino, Enn. IV, 3, 15; Macróbio, In Somn. Scip. I, 12). Este torna-se gradualmente mais pesado e mais visível à medida que desce através do aer úmido (Porfírio, De antro nymph. II). Com a sua vulgar devoção textual os neoplatônicos dedicaram-se a descobrir a origem desta doutrina em Platão e particularmente no Tim. 41d-e onde o demiourgos semeia cada alma num astro «como num carro» (ochema; confrontar Fedro 247b), antes de incorporar algumas delas na terra e «armazenar» outras nos planetas (ibid. 42d).” (http://platon.hyperlogos.info/ochema)

Nessas doutrinas temos mais um conceito bem semelhante ao de períspirito e um conceito antigo cujas modificações no tempo vão dar no éter, também empregado por Kardec que prefere entendê-lo como um estado ou quinta-essência e preferir o nome de fluido universal, fluido cósmico e às vezes fluido cósmico universal, com o mesmo sentido.

Por que voltar aos filósofos e pensadores antigos em busca de Kardec? Para entender o que ele dizia quando considerava Sócrates, Platão e outros pensadores como precursores do espiritismo cristão. Autores clássicos como Delanne, Denis e Flammarion se serviam sempre desse “retorno ao passado”, que mostrava aos leitores a erudição de Allan Kardec e permitia a ele uma melhor compreensão do significado dos conceitos dele.

Os que procuram o espiritismo apenas como uma terapia complementar, um espaço de socialização ou uma espécie de rito semanal não devem se interessar por esse tipo de texto, mas o que o entendem como uma filosofia de vida, que exige ser conhecida para ser critério de escolhas, saberão valorizar a iniciativa.

3.8.21

EIDÔLON OU SOMBRA: EM BUSCA DA IDEIA DE PERISPÍRITO NA GRÉCIA ANTIGA

 


Gravura de Gustave Doré, Matelda imerge Dante no rio Letes.


Jáder Sampaio


Ângelo B. Soares Pereira (2010) escreveu uma dissertação de mestrado para o programa de pós-graduação em Filosofia da Universidade de Brasília, intitulada “A Teoria da Metempsicose Pitagórica”. Nela temos uma visão muito interessante da evolução do conceito de psyché (alma) e do conceito de eidôlon (períspirito), de Homero até Pitágoras. Ele deseja marcar a distinção de uma visão mítico-poética, até uma visão crítico-racional do filósofo grego.

Surpreendeu-me bastante a visão de Homero, que já trazia em si a noção de “transmigração das almas”, um dos conceitos próximos à de reencarnação em Allan Kardec.

Homero é um poeta-aedo, considerado o autor de livros como Ilíada e a Odisséia, mas os historiadores atuais questionam se ele teria ou não existido, e se seria o autor, ou apenas um compilador de lendas antigas, mas isso não diminui a influência de seus escritos e das histórias que contou na cultura grega.

O autor da dissertação nos explica os três conceitos: psyché (alma), eidôlon (imagem) e sôma (corpo). No processo da morte, a psyché sai do corpo no último suspiro ou hálito (p. 36), ou por uma ferida do corpo. O corpo morto, sem psyché, é o sôma. Ao sair do corpo, ela toma a imagem do corpo. Torna-se o eidôlon (p. 37), e, citando Bento Silva Santos, ele afirma que o morto é, portanto, uma “sombra do homem que vivia”. Isso explica o emprego da palavra sombra como sinônima de Espírito. O eidôlon é psyché sob a forma humana da mesma forma que, em Kardec, o Espírito é o princípio inteligente (ou espírito com “e” minúsculo) que anima um “corpo espiritual” ou períspirito.

Gabriel Delanne atribui a Platão, ao falar da transmigração das almas, a afirmação que após 1000 anos de Hades, se tiverem de voltar, bebem a água do rio Letes “que lhes tiram a lembrança de suas existências passadas”. Delanne também diz que a alma, “desembaraçada de suas imperfeições, ... não vem mais à Terra.” (Delanne, Gabriel. A reencarnação, cap. 1, p. 24)

Esta é mais uma questão que sugere a aproximação entre o pensamento de Allan Kardec a elementos da filosofia clássica, e a identificação de Platão como um dos espíritos que contribuiu com a elaboração do pensamento espírita.


21.7.21

DEUS CRIOU O VÍRUS DA COVID 19?

 


Jáder Sampaio


“Segue-se que devam negligenciar as precauções necessárias em casos semelhantes [epidemia de cólera] e baixar a cabeça ante o perigo? Absolutamente: tomarão todas [as precauções] aconselhadas pela prudência e uma higiene racional, porque não são fatalistas e porque, se não temem a morte, sabem que não a devem procurar.”  (Allan Kardec, O espiritismo e o cólera, Revista Espírita, novembro de 1865. P. 327)


Recentemente ouvi um expositor espírita buscando Kardec para analisar um capítulo de livro de Divaldo Franco sobre a pandemia. Iniciativa importante, uma vez que o pensamento kardequiano é a estrutura básica do pensamento espírita em geral.

Causa primeira de todas as coisas

Ao analisar sua argumentação, encontrei conclusões falaciosas com base em ideias colhidas no texto de Kardec, que criam uma interpretação muito singular do autor, contraditórias às vezes, com o próprio pensamento de Kardec.

Uma das afirmações que ele fez:

“Deus é a causa primária de tudo: tudo é tudo mesmo, não é de uma coisa e outra não. ”

Ele não considerou o termo primária (também traduzido como primeira), e mudou o sentido da frase. São frases diferentes: “Deus é a causa de todas as coisas” e “Deus é a causa primária de todas as coisas”. Na primeira frase, se eu sou infectado por um parasita, isso é causado por Deus. Tudo o que acontece ao homem é causado por Deus (inclusive o sofrimento). O universo e tudo o que acontece nele está determinado pela vontade divina, portanto, não existe livre-arbítrio. Ele é apenas uma ilusão.

Na segunda frase, as escolhas do homem são de responsabilidade humana. Isso é o chamado livre-arbítrio, ou liberdade de escolha. Deus criou o universo, ou seja, a natureza e os seres espirituais (entre eles o homem). Por ter criado o princípio inteligente, o princípio material e as leis que regem o universo, Deus é a causa primeira, ou primária. Ele não é a causa imediata de todas as coisas. Aquilo que o homem faz, as mudanças que ele, por exemplo, impõe à natureza com ações irrefletidas ou criminosas, são causadas imediatamente por ele[1].  Nessa visão, o vírus não foi diretamente criado por Deus. Sua mutação é consequência da ação do homem, seja modificando o meio ambiente ou manipulando microorganismos em laboratório. Sua negligência ou desconhecimento, associados às leis naturais, têm o Sars Cov 2 como resultado, e ele age no homem segundo sua natureza. Deus não o criou porque desejava punir os homens (isso é uma humanização divina), ou para fazer desencarnar em massa as pessoas da Terra, ele é uma consequência indesejada das ações do homem na natureza, no uso do seu livre arbítrio.

As leis universais são perfeitas, fruto de Deus. As ações humanas são imperfeitas, uma vez que esse ser conhece apenas parcialmente as leis universais ou as negligencia, fruto da ignorância e do livre-arbítrio, assim como do egoísmo e do orgulho. Sempre que um homem vai de encontro às leis universais (essas, sim, criadas por Deus), ele, com sua escolha, leva consigo “todo o pacote”, ou seja, suas consequências.

Causa, risco e COVID-19

O que causa a COVID-19? A infecção com o Sars-Cov-2. Por que somos infectados pelo Sars-Cov-2? Uns porque não usaram qualquer tipo de prevenção e tiveram o contato com o vírus, que se multiplicou em seus organismos. Outros porque usaram de meios de prevenção e mesmo assim foram infectados pelo vírus. Contudo, o risco dos primeiros é muito maior que o risco dos últimos, se analisarmos um grande número de casos.

O que acontece com os que não se preveniram? Desencarnam como o espírito André Luiz. Ele não desejava desencarnar mais cedo, mas não se cuidou, e acabou indo antes do tempo. Isso acontece também com os suicidas. Ninguém planeja encarnar para desencarnar através do suicídio.

O que acontece com os que se preveniram e desencarnaram? Ou passam por uma expiação ou por uma prova. Talvez seja o momento previsto para a desencarnação.

Cabe a nós, espíritas, diante dessa forma de entendimento, recomendar a todos que tomem os cuidados necessários contra a doença, que se vacinem, que tomem as medidas já estudadas e propostas pela medicina, para que não venham a desencarnar antes do tempo.


[1] Em “O evangelho segundo o espiritismo”, Kardec escreve que “há males nessa vida em que a causa primária é o homem...” ou seja, há coisas decorrentes da ação e das escolhas humanas. Dessas, Deus só pode ser considerado causa primeira ou primária por ter criado o universo e estabelecido as leis que o regem.

24.6.21

"CONVERSANDO COM OS ESPÍRITOS" AGORA EM FORMATO E-BOOK



Um recurso que as pessoas têm usado nas situações de isolamento social é a leitura de livros espíritas através dos leitores de livros digitais, ou fazendo encomendas de livros nas casas espíritas ou em livrarias que entregam em casa.

Tenho adquirido e lido muitos livros através do leitor da Amazon.com.br, chamado Kindle, que é capaz de armazenar uma grande quantidade (ele se torna uma biblioteca ambulante), tem diversos dicionários digitais gratuitos instaláveis e permite pesquisas de palavras ou expressões, facilitando muito a localização de trechos de livros para o preparo de estudos, palestras, aulas e outros.

Esta semana a Lachâtre disponibilizou via Amazon, o meu livro “Conversando com os espíritos”. Para quem não o conhece, ele tem uma parte de memórias das reuniões em centros espíritas que frequentei, de médiuns que conheci e de fenômenos que presenciei, prestando uma singular homenagem às pessoas que me formaram e me prepararam para o trabalho mediúnico na casa espírita.

Tento responder no capítulo 3 a uma questão simples: o que devemos conhecer sobre a vida após a desencarnação para melhor dialogar com os espíritos através da mediunidade? O períspirito e suas propriedades “garimpados” na obra de Allan Kardec são um dos conteúdos mais importantes para esta tarefa.

Depois, mergulho em Kardec tentando recuperar os casos de obsessão que ele atendeu através de reuniões mediúnicas. É possível ver que boa parte do que fazemos hoje foi instruído aos poucos ao codificador pelos espíritos que o orientavam. O texto tenta recuperar essas instruções, para que os trabalhadores de reuniões mediúnicas possam conhecer os princípios de seu trabalho. Reescrevo também diversos casos que aconteceram da França e na Espanha do século 19, que tiveram por protagonistas os membros do grupo de Kardec ou os espíritas da península ibérica. 

Segue um capítulo curto, no qual se discute como se dá essa conexão entre espírito comunicante, médium e atendente (termo que se usa em substituição a “doutrinador” ou “dialogador”). Fruto das observações das décadas de prática mediúnica, mostra ao leitor que se trata de uma conexão de duas vias, cognitiva, emocional e sensorial (às vezes), o que amplia a compreensão do efeito do diálogo com o espírito comunicante pela via mediúnica.

Três conceitos de psicologia humanista são empregados no próximo capítulo: congruência, compreensão empática e aceitação positiva incondicional. Esses conceitos convidam o atendente a repensar como conduz o diálogo com o espírito comunicante. Além desses conceitos, a noção de projeto de vida, da Análise Transacional é explicado.

O penúltimo capítulo, bem rico, é composto de transcrições de atendimentos e sua respectiva análise. São diversas histórias, às vezes apenas situações mais curtas, que mostram uma forma de atendimento mais respeitosa e compreensiva, no lugar de sugestões mal adaptadas das técnicas hipnóticas e dos chavões que mais visam a encerrar o diálogo que a auxiliar a pessoa desencarnada a compreender sua história e as consequências de suas decisões. Esses casos envolvem situações muito diversas, mas que verificamos ser comuns nas reuniões no meio espírita pelo Brasil.

Como anexo seguem pequenas biografias de trabalhadores espíritas que são citados ao longo desse trabalho, como Raul Teixeira, Virgílio de Almeida, José Mário Sampaio e muitos outros, a maioria de Minas Gerais.

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21.6.21

O ESPIRITISMO É UMA RELIGIÃO? OPINIÃO DE FLAMMARION.


Flammarion publicou um livro chamado "Les forces naturelles inconnues" (As forças naturais desconhecidas) no qual ele se recorda do seu contato com Allan Kardec e da frequência às reuniões da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, sobre a qual ele destaca o fato do mestre francês não se interessar por mesas girantes ou fenômenos físicos. 

Flammarion se lembra de uma mesa grande, onde médiuns escreventes psicografavam. Ele afirma que "Os ensinos dos Espíritos pareciam-lhe [a Kardec] formar a base de uma nova doutrina, de uma espécie de religião".

No famoso discurso no túmulo de Kardec, ele afirma que "o espiritismo é uma ciência da qual só se conhece o ABC", recusando o convite para presidir a Sociedade Parisiense de estudos espíritas. Não é preciso dizer que para Flammarion, o conceito de ciência se reduzia ao que propunha o positivismo, o que se constatará nos livros que ele publicou a partir da observação de fenômenos supostamente espirituais e psicológicos, e das conclusões que tirou deles.

Posteriormente, um biógrafo de Flammarion vai dizer que ele se afastou dos discípulos de Kardec, mas não se afastou dos fenômenos espirituais, e ele voltaria à cena após a virada do século para apresentar suas observações e defender a existência e sobrevivência da alma.

16.6.21

SUELY NOS ANTECEDE NA "GRANDE VIAGEM"



Suely Caldas Schubert aos 16 anos

Conheci a Suely na década de 80, em um evento sobre mediunidade no qual ela falava junto com Hermínio Miranda e Jorge Andréa. Suely me impressionou pelo conhecimento que tinha da obra de André Luiz.

Os anos se passaram e a encontrei diversas vezes. Nos livros dela que tenho em casa encontrei muitos e muitos autógrafos. Em um destes encontros, surpreendi-me porque ela tinha lido o artigo que publiquei na revista O Médium, de Juiz de Fora – MG, sobre “Os Possessos de Morzine”, um fenômeno social curioso que Allan Kardec havia acompanhado e sobre o qual publicou na Revista Espírita. 

Estudamos livros dela em nossa reunião mediúnica. Suely lia muito, então estava sempre construindo os textos a partir de autores importantes do espiritismo. Sua linguagem sempre foi muito acessível e, por isso mesmo, acho que os livros dela sempre atingiam um grande público.

Suely ficava hospedada na casa de um amigo muito querido, quando vinha a Belo Horizonte. Ele a consultou sobre a possibilidade de fazermos uma entrevista para o Espiritismo Comentado, e ela não respondeu, nem que sim, nem que não. Eu pensei em desistir e meu amigo insistiu que fosse assim mesmo. Acho que ela estava bastante cansada, e me explicou assertivamente que não poderia dar a entrevista, mas ficamos juntos, meu amigo, sua família, a Suely e a Consolação.


Da esquerda para a direita: Divaldo Franco, Suely e Nestor Massoti (FEB)

A prosa mineira é sempre boa, e Suely começou a recordar e a falar de suas memórias no meio espírita. As visitas à FEB, há muitos anos, nas quais ela estudava documentos e livros. Talvez dessa época tenha surgido o material para se escrever o livro “Testemunhos de Chico Xavier”, no qual ela resgata e comenta a correspondência do Chico com o Wantuil de Freitas, principalmente, então presidente da federação. Graças à dedicação dela, hoje temos acesso à relação entre o médium e a instituição que lhe publicava os livros e as mensagens, o que possibilita um entendimento histórico mais fundamentado e descarta muitas das fantasias que se ergueram ao redor do médium de Pedro Leopoldo.

Suely se recordou também de suas idas à Mansão do Caminho, sempre com carinho em torno da pessoa de Divaldo Franco. Falou de sua participação nas reuniões mediúnicas, o que um ou outro fotógrafo já registraram em belas imagens.

Foi uma bela noite, mas pena que não tive o ensejo de anotar, logo após a conversa. Passados os anos, só me ficaram essas pequenas recordações. 


Da esquerda para a direita: Divaldo Franco, Chico Xavier e Suely C. Schubert

Depois nos encontramos pessoalmente mais algumas vezes e a Suely participou da Semana de Chico Xavier em abril de 2021. Dessa vez, graças à tecnologia, sua fala foi preservada e disponibilizada a quem desejar ouvi-la, mercê da TV Célia Xavier. Nessa palestra ela adiantou o último livro que já estava prestes a sair, e que foi lançado na data programada, no dia 13 de maio.

https://www.youtube.com/watch?v=l2H3zRJu-qA

Suely era natural da cidade de Carangola, onde reencarnou no mesmo ano que minha mãe, em 9 de dezembro de 1938.

Deixei para o final a má notícia. Algumas semanas após essa palestra, Suely foi diagnosticada com COVID 19. Ela havia tomado uma dose da vacina Astrazeneca, mas desenvolveu um quadro da doença que se agravou em função das comorbidades que ela tinha, como uma doença cardíaca grave, segundo me informou a família. A COVID 19 não se desenvolveu de forma intensa, mas Suely foi internada e não conseguiu vencer essa batalha. Ela foi chamada para o mundo espiritual, do qual tanto tratou em suas palestras infindas e em seus escritos, no dia 12 de maio de 2021. 

As homenagens e notas brotaram em todo o Brasil. Federativas e casas espíritas agradeceram as contribuições dadas por ela por décadas. Nos agradecimentos, alcunharam-na “a dama da mediunidade”.

Deixo ao leitor os principais livros de Suely, listados por ano de copyright:


Obsessão/Desobsessão: Profilaxia e Terapêutica Espíritas - 1981

Testemunhos de Chico Xavier - 1986

Ante os Tempos Novos (parceria com Divaldo Pereira Franco) – 1996

O Semeador de Estrelas - 1989

Mediunidade e Obsessão em Crianças - 1995

Mediunidade: Caminho Para Ser Feliz – 1999

Visão Espírita Para o Terceiro Milênio - 2001

Transtornos Mentais: Uma Leitura Espírita - 2001

Entrevistando Allan Kardec - 2004

Mediunidade no Ar - 2004

Dimensões Espirituais do Centro Espírita - 2006

Os Poderes da Mente - 2008

Mentes Interconectadas e a Lei da Atração – 2010

Nas Fronteiras da Nova Era - 2013

Divaldo Franco: Uma Vida Com os Espíritos - 2017

Chico Xavier e Emmanuel: Dores e Glórias – 2021


8.6.21

AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA DE DIVALDO FRANCO GERA DISCUSSÃO EM REVISTA INTERNACIONAL SOBRE PSICOSE E EXPERIÊNCIA RELIGIOSA

 

Divaldo Franco

Pesquisadores brasileiros da área de psiquiatria fizeram uma avaliação do médium Divaldo P. Franco e uma revisão de literatura  e publicaram suas conclusões na revista Journal of Nervous and Mental Disease, em junho de 2021, na coluna Brief Report.

Quem desejar ler o trabalho irá encontrar em The Journal of Nervous and Mental Disease • Volume 209, Number 6, June 2021, e o DOI: 10.1097/NMD.0000000000001290

Abaixo o Dr Alexander, um dos autores, faz uma síntese da parte de avaliação psiquiátrica para a TV Nupes:





"Este é o primeiro estudo a descrever um caso de uma pessoa com múltiplos, frequentes e persistentes experiências do tipo psicótico (alucinações auditivas, visuais, sensoriais e olfativas; inserções de pensamentos; e experiências de controle externo) e diversas experiências espirituais ou do tipo dissociativo (xenoglossia, fenômeno de transe dissociativo, memórias de vidas passadas) que continuou estável por 90 anos, nunca sendo tratado por esses sintomas, e permaneceu bem, cognitivamente e afetivamente, tendo recentemente um comprometimento cognitivo leve e um transtorno depressivo leve." (página 451)

Os autores defendem a existência de uma experiência não patológica e sugerem seis critérios (a serem mais estudados) para a distinção de casos com psicopatologia.


29.5.21

FESTA JUNINA RIMA COM PANDEMIA? E COM AÇÃO SOCIAL?

 

Um kit junino são duas sacolas de papel


Quem acompanha o EC já sabe que eu frequento a Associação Espírita Célia Xavier, associação que mantém quatro unidades, em Belo Horizonte, Betim e Ribeirão das Neves, e que mantém, em parceria com a prefeitura de Belo Horizonte o Lar Espírita Esperança, que dá educação e cuidado a crianças até 5 anos de idade, no bairro Salgado Filho.



Uma tradição nossa são as festas juninas. E fazíamos muitas, mas já devo ter publicado diversas vezes sobre a festa na qual uníamos os diferentes grupos da casa em um mesmo ambiente. Com a pandemia, não foi possível agrupar, nem no ano passado, nem nesse, infelizmente. Ainda faltam vacinas e sobram versões do mesmo vírus.


Não desejando deixar passar em branco uma comemoração tão importante para o grupo, a mocidade, com a ajuda do voluntariado da Casa de Célia, desenvolveu uma festa junina à distância. Como angariar recursos para as atividades sociais da casa, uma das finalidades dessa comemoração? Os organizadores da festa usaram a estrutura de cozinha industrial do Lar Espírita para fazer um "kit festa junina", contendo: doces típicos, caldo de feijão, canjica, galinhada e cachorro quente! Foram vendidos cerca de 400, a 50 reais a unidade. Para a entrega em casa, mais dez reais (que contou com motoristas voluntários) e para quem deseja economizar um sistema de "drive-thru" com todo o cuidado para não haver COVID, e muito menos contágio.

Doces "juninos"


Resolvido o problema dos "comes" e do recurso para as atividades sociais de nossa casa espírita, falta a interação, fundamental em qualquer festa. Mantivemos, então, o padrão desenvolvido no ano passado. Todo mundo (bem, na verdade, muitos) se veste "a caráter", em casa mesmo, e liga a televisão, se ela for "smart TV", ou outro aparelho com tela que permita acesso à festa a distância.


Canjica, caldo de feijão, galinhada e cachorro quente

Esse festão junino vai acontecer hoje, às 19 horas. Cada um se serve em casa e todos estaremos juntos de uma forma bem tecnológica, mas cheia de afeto.

Além de nos revermos, os que nos separamos por reuniões em dias diversos ou por diferentes unidades, conseguimos algum recurso para a creche, oficina de costura, enxovalzinho, serviço de urgência social, distribuição de cestas básicas (em Neves e Betim), campanha AECX-COVID, campanha de inverno, entre outras atividades.


25.5.21

RESPOSTA ÀS ACUSAÇÕES DE BERTHE FROPO EM "MUITA LUZ"

 

Há alguns anos foi recuperado o livro Muita Luz (Beaucoup de Lumière), no qual a autora Berthe Fropo, que se tornaria, futuramente, vice-presidente da União Espírita Francesa, faz diversas acusações a Pierre G. Leymarie, então responsável pela instituição que deu continuidade à Sociedade Anônima do Espiritismo (Sociedade para a continuação das obras de Allan Kardec) e pela Livraria Espírita.

Mais recentemente, foi traduzido para o português o livro "Ficções e Insinuações" que foi publicado em 1884, assinado pelo comitê (ou conselho ou comissão) de fiscalização da Sociedade Científica do Espiritismo. Nesse livro se responde cada crítica (e em alguns momentos, cada acusação) feita por Fropo.

Além da tradução, feita por Ery Lopes, o livro contém uma série de verificações realizadas por Carlos Seth, que procurou os documentos citados no livro pela internet, em documentos primários do museu Allan Kardec On Line - AKOL e em documentos digitalizados do Arquivo Nacional da França. No escopo do que ele conseguiu encontrar, quase todos os argumentos apresentados pela comissão são sustentados.

Considerando o impacto sobre a imagem de Leymarie, construída em cima do discurso de uma das fundadoras da União Espírita Francesa, esse episódio nos faz lembrar de uma velha recomendação acadêmica: a de estudar os diversos lados de uma questão antes de escrever e concluir.

Recomendo a leitura a todos os interessados na história do espiritismo francês pós-Kardec. Mesmo mantendo minha simpatia pela União Espírita Francesa e por alguns de seus trabalhadores notáveis como Denis e Delanne, vê-se que sua institucionalização foi criada em um ambiente de insatisfação, no qual as críticas nem sempre são justas com a parte da qual se deseja separar, assim como em um divórcio. Cabe a quem está "de fora" buscar um afastamento e entender as razões das duas partes que se rompem, sem tomar partido.

18.5.21

O PROBLEMA DO SER DO DESTINO E DA DOR?

 

Capa de uma edição francesa de "O problema do ser, do destino e da dor".

Na última conversa que tivemos com um grupo de estudo, perguntaram-me sobre o livro de Léon Denis. Alguns expositores vêm falando que o livro se chamava O Problema do Ser e do Destino, e que foi a FEB (sempre ela, coitada) quem colocou após o título "e da dor".

De fato, o livro foi publicado em francês com o título "O problema do ser e do destino", mas em uma de suas reedições, o próprio Denis modificou o título, como se pode ver acima. 

Os tradutores do início do século 20 e os membros da Federação, mantinham contato com Denis, e, como em O porquê da vida, quando eles alteravam alguma coisa, pediam licença ao autor francês. 


13.5.21

O QUE É MONOMANIA, TERMO PSIQUIÁTRICO EMPREGADO POR ALLAN KARDEC?

Esquirol (1772-1840)


Esquirol foi um médico francês nascido em Tolouse, na França, que dedicou sua vida e carreira ao estudo das doenças mentais. Possivelmente suas ideias ainda eram influentes na época em que Allan Kardec publicava suas obras, e sua classificação das doenças mentais deve lançar luz a alguns termos, hoje em desuso, usados pelo fundador do espiritismo.

Uma das classificações de Esquirol para a doença mental, usado diversas vezes por Kardec eram as monomanias. Pacheco (2003, p. 154) identificou quatro grandes categorias psicopatológicas em Esquirol:

1. Idiotia

2. Demência (aguda ou crônica)

3. Mania

4. Monomanias

A mania se distingue das monomanias por ser um delírio (falsa crença) total com exaltação. Afeta todas as funções mentais: inteligência, percepção, volição e atenção, por exemplo. A monomania afetaria apenas uma das funções mentais, mantendo as demais íntegras. Pacheco (2003) afirma que haveria um delírio parcial, que poderia ter uma forma alegre ou triste. 

Esquirol identificou monomanias que poderiam levar o sujeito a cometer atos anti-sociais, como o assassinato, sem motivo aparente.

Kardec escreveu sobre monomanias algumas vezes na Revista Espírita.

Em junho de 1858 ele relata o caso do Sr. Morrison, um milionário inglês que se acreditava pobre, a quem era permitido trabalhar nos jardins de suas propriedades, remunerando-o com seu próprio dinheiro por tal. Ele foi evocado por Kardec e possivelmente comunicou-se através da mediunidade de Ermance Dufaux. Ele se mostrava ainda perturbado mentalmente após a morte, ao que concordou o espírito São Luís. Kardec identifica ao final da comunicação traços de melancolia na fala do espírito. Trata-se de monomania devido a um delírio que não o impedia de realizar outras atividades e que preservava sua inteligência, percepção e atenção.

Em julho de 1866 ele relata um caso de uma criança, filha de operários de seda, que desde os dezoito meses acendia fósforos e sentia prazer em ver as chamas. Aos dois anos ele incendiou o sofá da sala e à época com quatro anos, respondia as reprimendas dos pais com ameaças de incêndio. Trata-se de ato anti-social que aparece na infância, por essa razão, é tratado à época como monomania. Kardec discute as possíveis explicações e indaga dois espíritos sobre a condição da criança. Eles lhe respondem que a criança traz o instinto de encarnações passadas e que ele se manifesta tão precocemente para que os pais fiquem atentos e tudo o façam para corrigi-lo.

Pesquisar o significado de termos técnicos empregados no século 19, na França, se torna muito importante para uma compreensão clara do que escreve Allan Kardec, principalmente para quem faz pesquisas no grande universo de textos que é a Revista Espírita, à época em que ele foi editor.

Fontes Bibliográficas

Pacheco, Maria Vera Pompêo de Camargo. Esquirol e o surgimento da psiquiatria contemporânea. Revista Latinoamericana de Psicopatologia  Fundamental, vol. VI, n. 2, 2003, p. 152-157.



11.5.21

AS NOVAS PÁGINAS DO ESPIRITISMO COMENTADO

Criamos duas novas páginas para o Espiritismo Comentado: "Esquina do Célia" e "Palestras e Entrevistas". Elas são uma espécie de resumo com links de publicações no YouTube

Basta clicar nos nomes das páginas que se encontram logo abaixo da logomarca do Espiritismo Comentado para se ter acesso aos sumários e links de vídeos do YouTube.

Esquina do Célia é um programa mensal da TV Célia Xavier, que traz autores de livros de editoras espíritas para conversar sobre seus trabalhos e suas instituições; pesquisadores e trabalhadores de sociedades espíritas que mantém atividades inovadoras ou interessantes que possam instigar o telespectador a realizar reflexões sobre o seu próprio trabalho e a se interessar por novas leituras e escritores. 

Por muito tempo se veiculou uma crítica aos novos autores, que acabou se generalizando e criando uma espécie de medo apriori de autores espíritas pouco conhecidos e resistência a ideias em elaboração.  No Esquina iremos conversar buscando a memória do que foi feito e o entendimento do novo.

Palestras e Entrevistas é também um sumário de trabalhos nossos que estão divulgados no YouTube e que acabam sendo de difícil localização devido à existência de um grande número de vídeos dessa plataforma. Buscamos apresentar ao leitor o que é tratado na palestra ou na entrevista e fornecer seu link para acesso rápido via laptop ou smartphone. São assuntos diversos, geralmente fruto de pesquisa ou análise de autores espíritas relevantes.


10.5.21

HUMBERTO SCHUBERT E DANIEL SALOMÃO NO ESQUINA DO CÉLIA

 

 

Dois espíritas de Juiz de Fora - MG, com formação na área de ciências da religião (e em outras áreas do conhecimento como filosofia, engenharia eletrônica, ciências humanas, por exemplo) participaram do programa Esquina do Célia, na TV Célia Xavier, nesse último sábado. 

O tema principal da entrevista foi o livro "Diálogos Espíritas", composto de perguntas atuais elaboradas pelos dois autores e mais alguns colaboradores, dirigidas ao espírito Ivon, através do médium Vinícius. As questões dizem respeito a problemas do nosso tempo, em áreas de conhecimento diversificadas. 

Nossa conversa focalizou a construção do livro, que foi feita a partir de uma reflexão sobre o método de Kardec e alguns assuntos escolhidos do conteúdo do livro. Falamos da polarização política no Brasil, sobre o Islamismo, sobre a metodologia dos estudos bíblicos (e a hermenêutica clássica), e sobre a juventude no Brasil. Já existem diversos programas no YouTube de estudo sobre o Diálogos: https://www.youtube.com/results?search_query=%22Di%C3%A1logos+Esp%C3%ADritas%22

Depois conversamos sobre a Sociedade Espírita Primavera, a instituição espírita juiz-forense que foi fundada há poucos anos e mantém a editora do livro, além de outras iniciativas, como palestras compartilhadas e um sebo espírita. O livro que discutimos pode ser lido pela internet (mas não baixado) ou adquirido impresso. https://editora.sepjf.org.br/livros-online/

Vale a pena assistir a entrevista e conhecer esse novo projeto da Sociedade Espírita Primavera e de seus editores.

21.4.21

O CHICO DOS POBRES

 

Chico Xavier à sombra do Abacateiro: repare no público ao seu redor


Terminamos no último domingo a Semana de Chico Xavier, na TV Célia. Convidar pessoas próximas ao Chico nos trouxe uma nova luz sobre o que ele fazia. Uma coisa que percebemos dos expositores é o que podemos chamar de “o Chico dos pobres”.

Na minha juventude ouvi os militantes políticos na universidade criticarem a distribuição de bens, como cestas básicas, para os pobres. Eles chamavam essa prática de “amansar o cordeiro”, porque não resolvia o problema de sua exclusão social. Era um discurso raso, que não ia além da afirmação aparentemente óbvia.

Na nossa casa, por exemplo, a distribuição de cestas básicas tinha uma finalidade promocional. Ajudava famílias que haviam migrado da roça para a periferia de Belo Horizonte a se estabelecer. Muitas dessas famílias chegavam na esperança de um novo futuro, mas sem emprego nem bens. Algumas delas entravam em um ciclo negativo, cujas perdas contínuas e a fome levavam o pai ao alcoolismo, à depressão e ao afastamento do núcleo familiar. Uma cesta de alimentos nem de longe atendia as necessidades desses núcleos, mas combatia a fome e as reuniões mensais que fazíamos davam algum alento. Mantido o núcleo familiar, aumentavam as chances de adaptação à cidade grande.

No caso do Chico, o significado do que ele fazia era completamente diferente. Ele se dedicou à humanização dos miseráveis, ao estabelecimento de laços de afeto com eles. Parece bobagem aos olhos de um intelectual que deseja, justificadamente, a inclusão social do excluído, a existência de direitos mínimos, como o trabalho, a renda, a moradia, a saúde e a alimentação. Mas não é.

Roberto e Marival contaram-nos de uma tarefa na qual o Chico visitava as periferias de Uberaba. Lugares sem luz nem água encanada. Lampião na mão, lá ia um grupo de voluntários, visitar as periferias.  Marival surpreendia-se com a capacidade do Chico guardar os nomes das pessoas. E o Chico lhe explicava que quem ama, lembra. Esse é um primeiro ponto a se observar. Os pobres não eram “pessoas pobres” para o Chico. Eram o seu Antônio, a dona Maria de João, a Celestina, filha de Dica. Ele visitava a casa, e era uma visita tão ilustre, que o filho de uma família fez poesia para o Chico. A tarefa não era a distribuição do que quer que levassem. A tarefa era a convivência. Acho que ninguém entendeu direito o Chico.

Depois Juselma nos explicou a questão da moedinha. Uma garrafa de água de dois litros, acho, cheia de moedinhas de dez centavos, depois de vinte e cinco centavos, e vai subindo o valor na medida em que o tempo e a inflação corroíam a capacidade de compra do nosso dinheiro. Por que isso? Qual o sentido? Perguntava-se a professora Juselma, perspicaz. As moedas de pequeno valor de compra dificilmente fariam a diferença na vida das pessoas, embora quem ganhe muito pouco dinheiro tenha uma visão diferente de uma moeda de um real, por exemplo.

Mas não tinha nada a ver com distribuição de renda. Tinha a ver com proximidade psicológica. Com o aumento da fama do Chico, ele atraía espíritas e interessados de todas as classes sociais. Seguramente, os das classes superiores se insinuavam, se achavam no direito de serem recebidos, e se aproximavam, às vezes de forma importuna e inoportuna, o que também nos foi narrado. A moedinha era uma espécie de reserva de tempo para que o pobre também pudesse se aproximar do Chico. Ele se sentia no direito de pegar uma moedinha e de agradecer ao Chico. Juselma nos disse que era um pequeno momento, o pobre beijava a mão do Chico e o Chico beijava a mão do pobre, em retribuição. Nesse pequeno instante, uma palavra, um pedido, uma fala rápida. Tudo à sombra do abacateiro, para receber até quem tivesse alguma resistência com o espiritismo e os centros espíritas. Qualquer um poderia se aproximar nessas horas e os pobres não ficavam “no fundo do templo”, como percebia outro Francisco, o de Assis. O Chico não cobrava a conversão dos pobres, que eles se tornassem espíritas. Isso também nos foi contado pelo Marcel. A mulher que elogiou abertamente o marido, mas se queixava dele não ser espírita. O Chico teria dito:

- Se ele é tão bom assim, não mexe em nada não. Deixa ele ser quem é.

Outra percepção do Marcel, a do Chico diante da dor da perda. A mulher chegou desesperada com a morte do filho. Chorando, perdida. Um terremoto abalou seu mundo. E o que o Chico fez: abraçou-a e chorou com ela. Nem uma frase pronta, nem uma percepção sobrenatural, nenhuma esperança, nenhum “sermão espírita”, do tipo espírita não age assim, ou “a vida não termina com a morte”; apenas uma alma que sente a dor que sente a outra.

Por fim, um tema polêmico, o dos aparelhos de ar condicionado, um dos motivos do afastamento do Chico do Centro que ele fundou em Uberaba. Essa história se espalhou no meio espírita, e há até quem advogue que não se pode colocar ar condicionado na casa espírita, porque “Chico dixit”.

Lembrei de uma fala do Chico, antiga, replicada pelos que o conheceram. “O Centro Espírita tem que ser um lugar simples o suficiente, de tal forma que um pobre possa cuspir no chão se assim o quiser.”

O que entendi é que o problema não é o ar condicionado, ou o chão de terra batida do centro, mas o propósito de Chico Xavier, um propósito claramente franciscano, de conviver com os pobres. Há de se ter um lugar que os pobres possam frequentar sem se sentir “estrangeiros” ou constrangidos. Que possam se sentir em casa, acolhidos, um lugar que sintam que lhes pertence, sem qualquer constrangimento de serem pobres. Esse era o trabalho dele, como lemos na narrativa escrita por ele da rainha católica portuguesa que pede a ele que cuide dos “filhos peninsulares” dela. Era o trabalho do Chico, o que ele se propôs a fazer.

O grupo que o Chico frequenta precisa ser simples o suficiente para que ele possa continuar fazendo seu trabalho com os pobres: o de trocar uma palavra, ouvir uma aflição, cumprimentar pelo nome, perguntar pelo filho... Em outras palavras, humanizar a convivência e fazê-lo perceber que é tão pessoa como um rico, ou como um poderoso, ou como uma pessoa formada em nível superior.

Essa é apenas uma das conclusões das palestras dessa semana. Foi uma experiência muito rica e diferente do cotidiano. Espero que possamos, no futuro, fazer novos recortes da vida e da produção do Chico, como nos mostrou o Marcel Souto Maior.