HLD Rivail escreveu em 1828 um livro chamado “Plano proposto para a melhoria da educação pública” na França. Como ele havia estudado no Instituto Pestalozzi, na Suíça, ele apresentava aos franceses algumas das diferenças do método de ensino-aprendizagem de sua escola para as praticadas pelas escolas francesas, muito influenciadas ainda pela educação clássica das escolas religiosas do século 18.
O livro, hoje, é raro, mas foi obtido, traduzido ao português e publicado pelo site dos “Autores Espíritas Clássicos” em sua base de dados. Não consegui obtê-lo na Gallica em seu original francês, o que prejudica este texto, porque não sabemos ao certo quais foram as escolhas feitas pelo tradutor para determinadas palavras técnicas muito específicas ao ensino da época.
Educação Pública
A primeira coisa que chama a atenção é ele ter-se preocupado mais com a educação pública e não apenas com a dos filhos das elites. Ele, neste ponto, alinha-se com o projeto de educação da revolução francesa, que desejava uma educação pública, gratuita e universal (para todos os cidadãos, pelo menos a educação fundamental).
Ensino de línguas contemporâneas e não clássicas
Outra questão que Rivail tratou de forma enérgica foi a da diminuição da importância dos estudos do grego e do latim no ensino fundamental. Ao que parece, o estudo dessas línguas era considerado mais importante que o estudo da própria língua pátria e das línguas contemporâneas. O instituteur francês se queixa dos anos de estudos dedicados às línguas mortas (p. 23), em detrimento do ensino de outros conhecimentos que poderiam fazer com que o aluno entendesse melhor o mundo em que se encontrava e seus fenômenos. Talvez por isso tivesse escrito um livro de aritmética para o ensino fundamental e um livro de gramática francesa.
Pedagogia como ciência e profissão de prestígio
Um terceiro ponto sobre o livro é o que parece indicar que as escolas eram uma espécie de herdeiras da educação eclesiástica. Parece que os educadores apenas repetem as práticas a que foram submetidos quando eram alunos. Rivail se preocupa com que se desenvolva a pedagogia como uma ciência da educação, semelhante à medicina e ao direito, que exigiam formação de quem quisesse exercer a profissão. Fico pensando se muitos professores do equivalente à nossa educação fundamental na França de Rivail não eram apenas pessoas ligadas ao clero, e isso, com talvez alguma autorização do Estado, não seriam considerados suficientes para o exercício da docência.
Ao tratar desse ponto, Kardec adverte a sociedade francesa sobre a desvalorização do professor:
“...os educadores são em geral considerados como primeiros criados e na educação pública são vistos como sucessores das amas de leite. Pensai que eles vos substituem; que eles exercem junto aos vossos filhos, não funções baixas e servis, mas aquelas que deveríeis preencher vós mesmos.”
Uma época contra o ensino de base eclesiástica
O Trivium medieval se transformou em studia humanitatis (ou humanidades) antes de Rivail. Nele se estudavam a gramática e a retórica (e não a lógica ou filosofia). O estudo primário das humanidades formava o que se considerava ser o coração da educação liberal. No passado, as atividades hoje chamadas técnicas seriam atribuição dos escravos e os cidadãos gregos e romanos se preparariam para a vida pública, que lhes era reservada e interdita às mulheres, servos e escravos.
Essa influência das sociedades grega e romana, somadas à influência da Igreja, eram muito marcantes no antigo regime francês. Os revolucionários opuseram-se à chamada formação liberal e implantaram leis e normas em busca da criação de uma formação profissional, que deu ênfase, no ensino superior às faculdades de medicina e direito, e às Escolas Politécnicas, como Escola Politécnica de Paris, que dirigiu Albert de Rochas.
Educação sem punição e sem competição
Uma das influências de Pestalozzi nos escritos de Rivail, que talvez remonte à Rousseau, diz respeito a uma educação que não se fundasse nos castigos e punições de alunos. Rivail escreve contra o detestável hábito da palmatória (símbolo dos castigos físicos) e dos exercícios forçados como punição (escrever uma frase inúmeras vezes, por exemplo). Ele entende que a influência moral do professor, sua desaprovação explícita, pode agir como forma de coibir os excessos que os alunos venham a cometer.
Rivail critica a promoção da competitividade entre os alunos como forma de incentivar o ensino. Ele percebe que apenas os alunos que se destacam nas atividades em que se compete são incentivados a se desenvolverem. Os que têm dificuldades não se sentem interessados em competir, já que sabem que o resultado dificilmente será de sucesso. O Instituto Pestalozzi usava uma pedagogia da colaboração (mutualismo?) na qual os alunos mais avançados, tratados como “tu” e não com a formalidade do vós, auxiliariam na condição de monitores os alunos mais jovens ou em um estado anterior de aprendizagem.
Intuição como instrumento da educação
O ensino aos moldes do que ele viveu no Instituto Pestalozzi, basear-se-ia na intuição, aqui vista como a condução das atividades de ensino de tal forma que os alunos pudessem dar sentido ao que viam e viviam. Sob esse princípio, muito se poderia explicar do campo da biologia e da geologia em um passeio nas florestas. A educação seria muito mais tolerável se, em vez de basear-se exclusivamente na memorização de conteúdos isolados, pudesse se transformar em um meio para a compreensão dos fenômenos naturais.
Uma educação que desenvolve o conhecimento, o caráter e o corpo
Já no século 19, Rivail se preocupava com o escopo da educação. Ele a concebia como o desenvolvimento harmônico das diversas faculdades do ser. Por isso, ele parece criticar a ênfase da docência no mero ensino de conteúdos cognitivos, como a matemática e a gramática, para também abranger um desenvolvimento físico, através de exercícios e talvez de atividades como a esgrima, praticada no Instituto Pestalozzi, e da educação moral, que ele credita às impressões recebidas (p. 3), ou seja, ao convívio entre professor e aluno.
Rivail foi um homem que trouxe sua experiência no Instituto Pestalozzi para a França, não se importando com as tradições e os costumes. Nascido em uma família católica e educado em uma instituição protestante, aprendeu a confiar mais na sua própria experiência de vida que nos livros.
Conviveu com as contradições e saiu em defesa do que considerava ser o melhor para a educação na França. Sua experiência como educador o preparou para a tarefa que se propôs a fazer: estudar os fenômenos mediúnicos a partir de sua própria observação, elaborar uma teoria desses fenômenos e defendê-la da crítica mal fundamentada.
O futuro mostrou que Rivail estava certo na maioria das ideias pedagógicas que defendeu, em uma época na qual podiam soar como mero modismo ao cidadão francês comum.